*Entrevista publicada originalmente na Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação
I’sis Almeida fala sobre descentralização de recursos e sustentabilidade financeira da mídia independente do Nordeste
O jornalismo independente vem ampliando o seu espaço em diversas regiões do país. No Nordeste, organizações jornalísticas e agências de comunicação independentes têm descentralizado a informação e proporcionado à população dessa região uma visão mais autêntica da realidade através de fontes locais e pautas que priorizam as necessidades dos moradores. Embora grande parte dessas mídias, seja liderada e composta, majoritariamente, por pessoas brancas; também está crescendo o número de mídias independentes lideradas por pessoas negras, cujo foco são temas diretamente relacionados à comunidade negra.
A sustentabilidade, no entanto, é uma barreira que restringe a atuação, o crescimento das equipes e a da estrutura dessas organizações. Para os veículos negros sediados no Nordeste, essa barreira é ainda maior, já que as doações e financiamentos estão centralizadas na região Sudeste, principalmente no eixo Rio-São Paulo. Para entender melhor de que forma a escassez de recurso e a centralização de investimentos em outras regiões impactam as estações independentes do Nordeste, conversamos com a jornalista e fundadora do Portal Black Mídia, I’sis Almeida.

A jornalista é a autora do artigo “Quem financia o Nordeste?“, que discute as limitações impostas pela falta de investimento e a centralização de recursos em algumas regiões do país em detrimento de outras. Na entrevista, ela compartilha sua visão sobre o papel da filantropia para a sustentabilidade das mídias independentes e traz reflexões sobre caminhos para fortalecer e dar visibilidade a esses veículos.
Rede JP – No seu artigo, você menciona que a filantropia ignora o Nordeste. Na sua visão, quais são os principais fatores que explicam essa desigualdade na distribuição de recursos e quais as consequências dessa exclusão?
I’sis Almeida – Acredito que a questão é fortemente influenciada por diversos fatores estruturais e institucionais. O guia das periferias para doadores, por exemplo, elaborado pela pela iniciativa pipa desta práticas que dificultam o acesso de organizações periféricas aos financiamentos como a falta de transparência em editais, exigências burocráticas como a necessidade de CNPJ e o uso de linguagens pouco acessíveis.
As mídias negras nordestinas, muitas vezes existentes por diversas por necessidades comunitárias, muitas vezes não possuem o letramento necessário sobre captação para conseguir que sua organização seja vista para além do seu próprio público. Então, essa é a questão. Assim como é uma questão também o fato de que mídias independentes nordestinas lideradas por pessoas negras enfrentam barreiras adicionais devido ao racismo estrutural e a falta de representatividade nos espaços de decisão. Frequentemente, defendo pitches do meu negócio de jornalismo e tenho que apresentá-lo para bancas 100% brancas e masculinas. Como posso defender o lugar de uma mulher preta e nordestina quando quem me assiste muitas vezes não é um aliado?
Rede JP – A dependência de editais e financiamentos de curto prazo é um desafio para mídia independente. Que alternativas podem ser exploradas para garantir maior estabilidade financeira?
I’sis Almeida – Financiamentos de médio e longo prazo. Jornalismo independente, um veículo independente especialmente, não é um negócio que se constrói em um ou dois anos. Muito menos é por possível medir os avanços de uma organização de mídia independente negra e periférica a curto prazo. Estamos vivendo numa era de muitas mudanças sociais, culturais e consequentemente muitas mudanças também na comunicação.
O jornalismo já não sensibiliza mais como antes, especialmente após a polarização política brasileira e a queda nos investimentos em projetos de diversidade e inclusão. Então, não dá mais para falarmos em crowdfunding ou coisas do tipo. É necessário estímulo por meio da filantropia e da iniciativa social privada brasileira para o desenvolvimento institucional das mídias independentes, em especial as mídias negras, indígenas, quilombolas e periféricas do Norte e Nordeste do país. O Fundo de Apoio ao Jornalismo (FAJ), recém-lançado no Brasil, é uma gota de esperança nesse oceano selvagem em que mídias independentes se encontram.
Rede JP – Existem barreiras maiores para mídias independentes nordestinas que são liderados por pessoas negras? Se sim, como isso impacta na sustentabilidade dessas mídias?
I’sis Almeida – Com certeza, quando falamos de mídias negras independentes, nos referimos a veículos que enfrentam múltiplas camadas de opressão, especialmente o racismo estrutural, que pode se manifestar de maneira institucional, velada ou direta. No caso das mídias nordestinas lideradas por pessoas negras, essas barreiras se intensificam ainda mais. A dimensão racial impõe obstáculos concretos no acesso aos editais. Programa de aceleração, linhas de créditos e outras oportunidades fundamentais para o nosso desenvolvimento. Isso compromete diretamente a sustentabilidade dessas iniciativas, porque mesmo com um trabalho consistente e relevante, muitas vezes, seguimos à margem dos circuitos de financiamento e reconhecimento.
Rede JP – Você cita a necessidade de descentralizar recursos e criar um fundo nacional para o jornalismo? Como garantir que esses recursos vão chegar às mídias independentes em regiões como o Norte Nordeste.
I’sis Almeida – No artigo, cito o FAJ, fundo de apoio ao jornalismo, como uma proposta relevante para descentralizar recursos e apoiar a sustentabilidade da mídia independente no Brasil. O FAJ foi, oficialmente, lançado em 2024 com um edital que destinou R$ 2,5 milhões para 15 organizações de mídia local, comunitária e periférica de diferentes regiões do país. A proposta é fortalecer o ecossistema jornalístico a partir de uma perspectiva de longo prazo, com foco em apoio institucional e não apenas em projetos pontuais.
Acredito que essa seja uma iniciativa potente com capacidade concreta de mover a realidade atual em direção ao Norte e ao Nordeste do país. Para que isso se concretize, no entanto, é fundamental garantir diversidade regional nos espaços de decisões, transparência nos critérios de seleção e executiva das organizações que atuam nas pontas. Sem essas medidas estruturais, corremos o risco de repetir os mesmos padrões de concentração e invisibilização que, há décadas, marcam o financiamento da mídia no Brasil.
Rede JP – Pensando no modelo de filantropia capitalismo, no qual grandes corporações financiam projetos enquanto alivia têm pressões regulatórias, como equilibrar o acesso a esses recursos sem comprometer a independência editorial?
I’sis Almeida – Esse é um dos dilemas mais complexos para organizações de mídia independente.
O modelo do filantropocapitalismo que combina doações de grandes corporações com benefícios reputacionais e alívio de pressões regulatórias precisa ser analisado com muita atenção. Especialmente quando falamos de falamos de organizações periféricas negras e do Nordeste que já enfrentam uma estrutura desigual de financiamento.
Para equilibrar esse acesso sem comprometer a linha editorial, é fundamental que as organizações estabeleçam com clareza seus princípios e limites éticos desde o início. Isso inclui não aceitar recursos condicionados a narrativas que beneficiem exclusivamente a imagem da empresa doadora ou que se em críticas importantes.
Também é essencial investir em modelos de transparência tanto interna quanto com o público e buscar construir uma base de financiadores diversa, evitando a dependência de uma única fonte. No Portal Black Mídia hoje, por exemplo, nós prestamos serviços de comunicação para outras organizações como forma de fomentar a nossa sustentabilidade, contribuindo com a sociedade mais justa e igualitária, mas também como forma de sobreviver, de, literalmente, não fechar as portas a qualquer momento.
Nesse contexto, creio que os guias e manuais de redação, os códigos de ética e as diretrizes editoriais são ferramentas fundamentais. Eles ajudam a institucionalizar o compromisso com a independência e a orientar tanto às equipes internas quanto os financiadores sobre os limites e responsabilidades de cada parte.
Rede JP – Como as organizações podem se fortalecer e garantir sua sustentabilidade financeira diante desse cenário de desigualdade no financiamento?
I’sis Almeida – Acredito que a forma mais eficaz de apoiar organizações periféricas e veículos de mídia independente no Nordeste começa pelo mais básico, consumindo os nossos conteúdos com atenção, interesse e abertura. É impossível financiar o que não se conhece. Antes de tudo, é preciso furar a bolha, sair do circuito das grandes mídias e se permitir conhecer outras vozes, outras narrativas, outras formas de fazer jornalismo.
Rede JP – Para quem quer apoiar organizações periféricas e veículos de mídia independente no Nordeste, quais são as formas mais eficazes de contribuir?
Isis Almeida – Esse apoio começa com um clique, um compartilhamento consciente, um comentário, uma assinatura, uma presença constante. A gente precisa ser lido, visto, ouvido e reconhecido como parte essencial do ecossistema de informação no Brasil. O apoio mais potente é aquele que vem com o vínculo, quando uma fundação, um instituto, um filantropo, uma marca se conecta com o propósito de uma mídia, entende sua história, acompanha sua caminhada, passa a se importar com sua existência e quer vê-la crescer. E é esse tipo de relação que sustenta a gente a longo prazo.
Para apoiar o Portal Black Mídia, que busca informar e inspirar juventude negra, por exemplo, basta me chamar para um papo no direcaoexecutiva@portalblackmedia.com.br. É sempre uma honra apresentar o que fazemos, como fazemos e porque fazemos jornalismo esse, especificamente, para a juventude negra.
Quem é I’sis Almeida?

I’sis Almeida é jornalista e bacharel interdisciplinar em Artes pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente cursa pós-graduação em direitos, desigualdades e governança climática também pela UFBA. É fundadora, diretora de jornalismo e projetos do Portal Black Mídia, veículo de mídia negra independente com sede em Salvador (BA), que tem como missão informar e inspirar jovens negros da capital baiana do Nordeste e de todo Brasil. I’sis também é criadora e apresentadora do podcast Se Organiza, Bonita!
*Entrevista publicada originalmente na Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação
Foto de capa: Pexels.
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