Escrita Negra

Muito obrigado, Isabel

13 de maio
Muito obrigado, Isabel
Áurea assinada
Liberdade é
Tudo ou nada!

Valeu, Isabel
Coisa que eu jamais imaginava
Livre com quem restou dos que me amou
Mergulho no imenso nada

Onde já não bastava as correntes que me apertava
O ar que me faltava
O chicote que estralava
Agora eu tenho o nada

Obrigado, Isabel
O que seria de mim sem tu
Onde estaria se não na grande casa
Áurea assinada, agora tenho o grande nada

Porteiras abertas
Respiro fundo e penso:
O nada me espera

Mas tenho que ser grato
Obrigado, Isabel
Permaneço quieto
Não sei se melhorou ou piorou
O que já era o inferno

Porque meu povo não era inimigo do seu
Foram vocês quem começaram
Me tiraram de minha terra, nos separaram
Afastou de minha família, nos comercializaram
Me tratou feito bicho, me animalizaram
Disse que eu era impuro, me “desalmaram”
E como se não bastasse, me pisotearam
Me amordaçaram, me escravizaram

Então, mais uma vez, muito obrigado, Isabel
Nada melhor do que essa lei assinada
Porque agora eu mergulho no imenso nada

Porque nada restou
Evitei amar
Não fiz amigos
Sofrer menos
Tentei até não fazer filhos

Não me resta força braçal
Não me resta saúde mental
Não me resta intelectual

Mas, devo agradecer pelo mínimo
Porque nem remunerado serei nessa data
Sem incentivo, sem terra, sem casa
Sem auxílio, sem o próprio mínimo
Minha raça marcada

Marcada
Não há dinheiro que pague
Mas há dinheiro que ajuda
Porque agora seremos taxados os marginais
Os desocupados, os preguiçosos os imundos e as putas

E nem sei por quanto tempo essas mazelas vão durar
Minhas feridas nas costas e na alma não vai sarar
E penso: quando mais dos meus
Parecidos com eu
Vão ter que lutar?

O que tá por vir eu não sei
É tanta coisa a se imaginar
Falam em embranquecer pra melhorar
Os meus isolar
Ou encarcerar, achacinar…
De todas as formas
Sei que vão tentar nos apagar

E de repente
A tão sonhada liberdade parece pior que o passado ou com o nosso presente
O medo me abraça, me aperta, me sinto miúdo
Quão certo ou incerto se torna o futuro

Pra onde vou com minha preta, meus filhos e filhas?
Onde vou arranjar casa, roupa, comida?

Como me proteger das doenças?
Onde meus meninos vão aprender?
Onde praticar minhas crenças?
Onde me divertir?
Quando de fato volto a sorrir?

O nada agora se torna tudo
Um tudo duvidoso
Vou sobreviver?
Um tudo perigoso
Onde de várias formas
Vejo que posso morrer

Mas, disseram que tavam fazendo muito
Ainda chamaram minha gente de ingrata
Então, de qualquer forma
Obrigado, Isabel
Obrigado, por nada!

Foto de capa: Divin Kadume/Pexels.

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