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Mulher preta merece ser mimada. É reparação histórica.

“Mulher preta merece ser mimada. É reparação histórica.”. Essa é uma frase que eu demorei demais a verbalizar, mas que precisava gritá-la para o mundo há muito tempo. E, no dia 28 de novembro de 2020, quando eu realmente decidi o fazer através do meu perfil no Twitter; eu não imaginava que seria tão ouvida como fui naquele dia. Eu não imaginava o quão essa minha frase poderia impactar e reverberar em outras mulheres negras. E fazia muito muito tempo que eu sentia e queria gritar essa ideia pro mundo! E consegui. E alcancei muitas pretas por aí. Aproveitei também para marcar na minha pele em fevereiro deste ano.

Apesar de ser algo esperado, no início, eu fiquei um pouco assustada com a quantidade de compartilhamentos e de mulheres negras se identificando. Além de homens negros debatendo a questão também. O debate se estabeleceu e ficou acalorado a partir daquela frase à medida em que ia alcançando mais pessoas negras. E, apesar de que nós da comunidade negra, sabemos que essa é uma questão de grande importância, algumas pessoas debocharam da ideia. Ou até mesmo a trataram como algo sem fundamento e sem sentido.

O não entendimento dessa ideia acaba sendo bem previsível quando quem está por trás julgando é uma pessoa branca. Ainda mais quando essa pessoa branca é uma mulher branca feminista. Esta que vai dizer que TODAS as mulheres (não importa a cor/raça) devem ser mimadas e bem tratadas. TODAS. Sem nenhuma exceção! “Todas merecem o melhor tratamento”, muito ouvi. Só que o que essas mulheres [brancas] acabam não tendo sensibilidade e entendimento para entender que a vivência delas não é a mesma que a nossa, mulheres pretas. E não é mesmo!

“A pessoa mais desrespeitada da América é a mulher negra! A pessoa mais desprotegida da América é a mulher negra! A pessoa mais negligenciada da América é a mulher negra!” – Malcolm X

Veja esse discurso do ativista norte-americano Malcolm X (1925-1965) foi citado pela cantora Beyoncé, 40, quando no lançamento de seu álbum Lemonade (2016). Precisa que eu justifique e traga mais alguma razão por ter pensado e gritado essa frase no meu Twitter? O que mais precisa o mundo para entender como a colonização empurrou uma condição reduzida para a mulher negra e que as feridas coloniais atualizam essa realidade?

Eu demorei muito para chegar a essa tal conclusão. Eu demorei ANOS para entender que essa deveria ser uma realidade na minha vida; a de que eu mereço ser mimada, mereço ser tratada da melhor forma possível, mereço o melhor em todos os aspectos na minha interação comigo mesma e com os outros. Foi necessário muitos anos de terapia, muitas vivências, muitos choques, muitas porradas para entender algo que deveria ser simples: “Mulher preta merece ser mimada.”. E que isso é uma reparação histórica! Só que não estão todas as pessoas preparadas para esta conversa. E como não estão…

Foto: Lucas da Miranda/Pexels.

A gente sabe que, historicamente, mulheres negras foram escravizadas, maltratadas, condicionadas à servidão de todas as péssimas formas e tidas como objetos sexuais por homens brancos (entre outras mil situações violentas) durante o período da escravidão no Brasil. E a gente sabe que tudo isso ficou na mentalidade de muita gente; a de que nós, pretas, não merecemos ser bem tratadas, não merecemos ser respeitadas, não merecemos dignidade, humanidade, equidade, igualdade… ah, mas essa lista é tão extensa! Se eu fosse realmente tentar pontuar tudo, esse texto não iria ter mais fim.

Durante muito tempo, eu achei que as pessoas poderiam pontuar e mostrar o que eu merecia e deveria aceitar. Foram tantos e tantos anos sendo tratada de forma medíocre ou ruim ou péssima em relações que eu tive. De familiares, escolares/acadêmicas, profissionais, amizade até afetivo-sexuais… todo tipo de relação que se possa imaginar e que é possível de se ter, eu não tinha o tratamento que merecia ou que almejava! Difícil e duro ler isso, né? Especialmente se você que estiver lendo for uma mulher negra. Porque se for uma mulher branca ou um homem branco lendo isso nesse exato momento, não vai entender. Pode até imaginar, se esforçar ou sei lá o quê, mas não chegará no entendimento real.

“Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.” – bell hooks

Essa frase da autora bell hooks (1952-2021) me fez entender muito. E internalizar. Da minha história de vida e de histórias ao meu redor, eu conheço narrativas que confirmam essa máxima. Algumas que confirmam, outras que potencializam e outras que mostram o quão ainda devemos lutar e ficar somente onde há o melhor tratamento. É uma questão de existência, sobrevivência, de vivência, de amor próprio, de bem-estar, de autorespeito, enfim, de muitos fatores… é uma grande questão para nós, pretas! E que não devemos abrir mão. Nossa humanidade e nosso bem-estar não devem mais ser negociados! Não podemos deixar ninguém fazer com a gente o que fizeram com as nossas ancestrais. Nós devemos e temos este compromisso para conosco e com elas.

Foto: Cottonbro/Pexels.

Eu demorei muito para entender, enxergar, internalizar e aplicar essa ideia na minha vida e no meu cotidiano. E também a encorajar outras mulheres negras que estão ao meu redor a essa mudança profunda de consciência. Lembrando que não é e nem deve ser um movimento individual e, sim, coletivo, de toda a nossa comunidade [negra]. Precisamos nos mover para isso e lutar contra a ausência disso. Esse é um convite e um apelo que eu estarei sempre fazendo a todos e a todas.

Ao longo da minha vida, muitas vivências me fizeram entender sobre como eu estava me relacionando de forma equivocada ou permitindo o errado, o absurdo, o desagradável, o desconfortável. E quando caí em mim, após tantas trocas com a minha psicóloga e tantas tempestades emocionais, foi quando minha vida começou a mudar. E muitas pessoas ao meu redor mudaram também. Não fico em uma relação/interação na qual sou tratada de qualquer jeito. Não importa a pessoa. Fico em uma relação/interação quando esta me faz lembrar/confirmar a rainha que sou, como mereço ser tratada e porque minha existência é importante para o mundo e para o meu povo. Tem sido assim. Este foi um dos maiores aprendizados da minha vida de 2020 para cá…

Até então, o que quero dizer com esse texto (que não termina aqui) é que não podemos negociar nossa humanidade, nossa individualidade, nossa subjetividade, nosso bem-estar, nosso amor próprio, nosso sentimento, nossa luta, nosso viver para que os outros façam o que bem entenderem e o que lhes convém. Nós, mulheres negras, merecemos ser tratadas da melhor forma diante de tudo e de todas as situações. A sociedade nos deve esta reparação histórica!

Foto de capa: Abael G./Pexels.

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