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Musical “Menino Mandela” resgata raízes e identidade negra

Entre cores terrosas e referências às pinturas rupestres, corpos se movem em danças africanas sob a sombra de um baobá, envoltos por uma sonoridade inédita inspirada no ritmo da África do Sul. Cada passo traz consigo a ancestralidade. No encontro entre passado e futuro, o musical “Menino Mandela” atravessa o multiverso da memória para reverenciar a infância de Rolihlahla, o menino que mais tarde teria o seu nome mudado para Nelson Mandela (1918-2013). 

Direcionado ao público infanto-juvenil, o musical trata-se de uma escrevivência – termo criado por Conceição Evaristo para expressar a fusão entre vida e narrativa que, a partir de uma perspectiva multifocal, consegue examinar e analisar os contornos das experiências da população negra brasileira. No caso do espetáculo, essa perspectiva se expande para além do Brasil. 

Foto: Renato Mangolin.

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História

O espetáculo se passa em 2013, quando Zoe (Sara Hana), neta de Mandela, precisa fazer um trabalho de escola sobre a infância de seu avô em Qunu. Durante a conversa entre os dois, uma fenda no espaço-tempo a transporta para 1926, tempo-espaço no qual ela mergulha nas memórias de Rolihlahla (Abraão Kimberley), conhecendo seus antepassados e vivenciando o lugar onde ele viveu os seus dias mais felizes.

Ao longo dessa jornada, Zoe se depara com seus ancestrais de forma vívida e sensorial – sua bisavó,  tataravó e bisavô, todas as gerações que a precederam. Mas, ela carrega a incerteza de como explicar que veio do futuro. O espetáculo não entrega respostas diretas, mas sugere essa travessia como um encontro espiritual.

Como explica o diretor artístico Arlindo Lopes: “Ao mesmo tempo, a gente não explica, não mastiga. Será que foi um sonho? Uma viagem espiritual? Esse resgate da ancestralidade está na essência do espetáculo. Queremos falar sobre essa árvore genealógica, sobre quem veio antes, sobre Mandela abrindo caminhos para que Zoe também os percorra.”.

Foto: Renato Mangolin.

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Zoe, com sua visão de futuro, acompanha o avô em momentos cruciais de sua infância, fazendo-lhe “pinceladas” de uma história que ele ainda não compreende, mas que a ela já é nítida. Ao afirmar: “O meu avô era um revolucionário”, ela o prepara para uma realidade que ele ainda há de conhecer. 

Um dos momentos-chave dessa jornada é a mudança de nome do protagonista. Quando Rolihlahla ingressou em uma escola metodista local em Qunu, sua professora, seguindo uma prática comum nas escolas missionárias da época, deu-lhe um nome inglês: Nelson.

O costume fazia parte da estratégia colonial britânica de “civilizar” os africanos, substituindo seus nomes originários por nomes ocidentais mais aceitos na cultura europeia. Mandela nunca soube ao certo porque a professora escolheu Nelson, mas essa mudança marcou simbolicamente o apagamento da identidade africana em favor de uma identidade moldada pelo colonialismo. 

Foto: Renato Mangolin.

A trilha sonora, composta pelo diretor musical Wladimir Pinheiro – que também interpreta Nelson Mandela adulto e seu pai –, reforça essa narrativa. “Para ser civilizado, esqueça o seu passado” – é o que diz a letra da música como fragmentos da história e vão surgindo ao decorrer da trama de forma dinâmica, tornando a experiência mais acessível ao público infanto-juvenil.

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Representatividade para as crianças negras

Além do aspecto sensorial com máscaras animalescas iluminadas por luzes neon, bonecos de ovelhas, simbologia do baobá, “Menino Mandela” também se destaca como um espetáculo representativo para crianças negras. O letramento racial aparece de forma lúdica, robustecendo a importância da valorização da história e identidade negra desde a infância. 

“Uma menina de cinco ou seis anos foi aos stories essa semana e disse: ‘Ninguém vai falar mal dos meus pretinhos!’ A mãe dela comentou que estavam estudando letramento racial na escola e que, ao assistir ao espetáculo, tudo fez sentido para ela”, compartilha o diretor Arlindo.  

O espetáculo não apenas torna a trajetória de Mandela acessível ao público alvo, mas também suscita reflexões sobre colonialidade, pertencimento e ancestralidade, coadjuvando para a caminhada da conscientização racial às crianças negras. 

Foto de capa: Renato Mangolin.

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