O uso do próprio corpo em busca de prazer, liberdade, movimento e/ou ação pela dança e pela arte costuma trazer um peso negativo e hipersexualizado para mulheres – especialmente mulheres negras. Quando rompemos com a ideia de que a intelectualidade ou o profissionalismo, por exemplo, andam na contramão do uso dos nossos corpos; fica mais fácil não aceitar a impotência, o desrespeito e o apagamento que nos são impostos por sermos mulheres. Talvez isso nos torne potencialmente perigosas.
“Como mulheres, acabamos desconfiando do poder que emana de nossos conhecimentos mais profundos e irracionais. Temos sido advertidas contra eles durante a vida inteira pelo mundo masculino (…)”. “Fomos educadas para temer o ‘sim’ dentro de nós, nossos mais profundos desejos.”. Esses são trechos da escritora feminista Audre Lorde (1934-1992) no texto “Usos do erótico: o erótico como poder” do livro Irmã outsider (2019).
É pra mulheres como a norte-americana Audre Lorde que retorno quando me deparo com o questionamento da minha capacidade, intelectualidade e competência a partir da forma que faço uso do meu corpo – dos meus desejos e das minhas vontades. O uso do corpo, fazendo um paralelo com o que a poeta traz nesse texto, potencializa uma fonte de poder que não é interessante à sociedade. Permite nos tirar do lugar de medo – medo de descobrir que somos capazes de superar qualquer coisa.
Faço outro paralelo com o texto, dizendo: Permitir-se viver intensamente todas as capacidades que o nosso corpo nos traz faz com que passemos a exigir de nós mesmas – e exigir do que buscamos para a nossa vida (lugares, pessoas, carreira, situações etc). Tudo o que está de acordo com o que sabemos que somos capaz!
Hoje, no lugar de dizer que o meu corpo e a minha dança não diminuem a minha intelectualidade, faço questão de falar: meu corpo, minha pele e minha dança CONSTROEM a minha intelectualidade; que não está dissociada de toda a força-beleza-potência que sou. Enquanto médica, enquanto professora, enquanto palestrante, dançarina, poledancer, e o que mais eu decidir ser na minha vida.
Referências
LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Autêntica Editora, 2019.
Foto de capa: Jaycee/Pexels.
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Rayssa Okoro (Ada Okoro – nome Igbo) é médica formada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), co-fundadora do coletivo Negrex de estudantes e profissionais negres da medicina. Maranhense e nordestocêntrica. Filha de Raimunda, brasileira, e Samuel, nigeriano, Igbo. Vive em constante processo de aprender a cuidar do nosso povo. Estuda questões relacionadas à saúde e subjetividades, principalmente o que se relaciona à saúde da população negra. Tem uma paixão especial pela intersecção desses temas com saúde mental e uso de álcool e drogas. Existe e resiste politicamente, exalta a beleza da subjetividade enquanto mulher preta, acredita que afeto pro povo preto é revolucionário e fala disso o tempo todo. Admira o movimento do corpo humano, alimentação e espiritualidade. É aprendiz de pole dancer e yogi nas horas vagas.