Novembro se destaca como um período significativo para a conscientização da sociedade. Ao longo do mês, campanhas, eventos e especialistas abordam dois temas fundamentais: o enfrentamento do racismo, em alusão ao Dia da Consciência Negra, e a prevenção e o cuidado com o câncer de próstata, em referência ao Novembro Azul. Embora esses assuntos sejam distintos, estão ligados por um aspecto pouco conhecido: o câncer de próstata é mais frequente e agressivo na população negra.
As campanhas do Novembro Azul reforçam a importância de que homens, a partir dos 50 anos, realizem os exames preventivos, que são essenciais para o diagnóstico precoce do câncer de próstata e para aumentar as chances de sucesso no tratamento. No entanto, é crucial destacar que determinados grupos estão mais vulneráveis à doença, como homens obesos, aqueles com histórico familiar de câncer de próstata e homens negros. Essa realidade exige atenção redobrada e alguns médicos indicam que estes grupos façam a investigação a partir dos 45 anos.
Um desses profissional é Osei Akuamoa Junior, médico urologista e cirurgião robótico. Em entrevista ao Site Negrê, ele comentou sobre a maior incidência de casos do câncer de próstata em homens pretos, além de possíveis medidas que podem ser adotadas para que a saúde no País lide melhor com a questão.
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Falta de acesso afeta os cuidados à saúde na população preta
Para o especialista, a raiz do problema está no menor acesso e incentivo da população negra e masculina à saúde básica, além do preconceito: “A saúde primária da população negra é frequentemente negligenciada. E, segundo um estudo da Sociedade Brasileira de Urologia de 2012, até 40% dos homens com menos de 50 anos nunca realizaram consultas de rotina. Muitos homens associam a realização do exame de próstata ao comprometimento de sua masculinidade; o que é um grande equívoco, a solução começa na educação e na conscientização. É preciso desmistificar os exames por meio de campanhas direcionadas e acessíveis, que considerem as especificidades da comunidade negra“.
A falta de informação sobre estas especificidades é evidente, com isso sendo pouco conhecido entre a população. Aloísio Teixeira, homem preto que está prestes a completar 50 anos, não sabia dessa prevalência maior na população negra. Para ele, o racismo é uma das causas para a não disseminação destes dados: “Acredito que os dados específicos relacionados ao tema evidenciam, como em outros aspectos do racismo, a maneira estrutural que conduzimos a separação velada das raças. A informação não é devidamente disseminada“.
O médico urologista Osei Akuamoa Jr pensa da mesma forma e reflete que esta é uma das razões pela qual os casos de câncer de próstata em homens pretos acabe sendo mais agressivos e com menores chances de sucesso no tratamento. Por ser uma doença que precisa ser diagnosticada precocemente, a falta de observação faz com que o câncer atinja estágios mais avançados: “Quando analisamos o cenário, percebemos que homens negros frequentemente chegam aos serviços de saúde com a doença em estágio mais avançado. Isso está diretamente relacionado ao acesso limitado à saúde, um problema que não é exclusivo da América do Sul ou do Brasil, mas global”.
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Além disso, o câncer de próstata costuma ser assintomático e, quando os sintomas aparecem, apontam justamente para um estágio mais avançado: “O câncer de próstata é silencioso em sua maioria, sendo assintomático em 80% a 90% dos casos iniciais. Quando os sintomas aparecem, como ardência ao urinar, sangramento ou dificuldade urinária, a doença já pode estar em estágio avançado. Por isso, a mensagem é clara: não espere ter sintomas! Homens na faixa etária de risco e com fatores predisponentes devem buscar assistência médica para triagem regular“.
Para diminuir os efeitos negativos desses dados arlamantes, o médico sugere que o tema seja mais discutido na sociedade e em campanhas do Novembro Azul. Hoje, não é comum que campanhas voltadas especificamente aos homens negros sejam expostas, como relata Aloísio: “Especificamente para homens negros, não. O tema é disseminado de forma genérica. A população negra não é instruída a debater o assunto e não tendo um caráter educativo propositivo”.
Além disso, ele descreveu três pilares da assistência à saúde no caso do câncer de próstata:
- Primário: Acompanhamento por médicos de família, especialmente em comunidades negras;
- Secundário: Diagnóstico inicial com exames mais específicos, como a biópsia, para suspeitas confirmadas;
- Terciário: Tratamento especializado com urologistas para definir condutas como cirurgia, radioterapia ou outros tratamentos avançados, como incluindo procedimentos robóticos.
Ele alerta que hoje, o acesso à triagem e alguns tratamentos está muito restrito à rede de saúde particular; dificultando o acesso da população negra, historicamente marginalizada e, em geral, com menos condições financeiras de buscar estas alternativas, que incluem as cirurgias robóticas e os aparelhos mais modernos.
Cuidados frequentes são essenciais para aumentar a qualidade de vida de homens negros
O médico urologista Osei deixou um conselho valioso aos homens pretos do Brasil. Essa parcela da população é uma das mais vulneráveis e, de acordo com uma pesquisa conduzida pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Único de Saúde (SUS), homens negros vivem, em média, 5,87 anos a menos que os brancos. Diante desse número, o médico ressaltou que pretos precisam intensificar a atenção à saúde.
“Cuidar da saúde deve ser um compromisso ao longo de toda a vida. Aproveitamos o Novembro Azul para destacar a saúde masculina, mas ela deve ser prioridade em todos os momentos, desde a infância. Para nós, homens negros, isso é ainda mais importante devido à menor expectativa de vida, impactada pela violência e pelo acesso limitado aos cuidados de saúde. Minha mensagem é: cuide da sua saúde em todas as fases da vida. Homens negros enfrentam desafios únicos, mas com prevenção e acompanhamento médico, podemos superar essas estatísticas e alcançar uma longevidade com qualidade de vida. Não espere chegar à idade avançada para procurar ajuda. Comece cedo, mantenha consultas regulares e cuide de si mesmo, sempre.” – Dr. Osei Akuamoa Jr.
Foto de capa: iStock.
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Estudante de Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), descendente do Quilombo Pesqueiro de Conceição de Salinas, na Bahia, comunicador e repórter popular. Baiano apaixonado pelo Nordeste e Norte brasileiro, morou 11 anos no Amazonas, 1 no Ceará e 8 no Rio Grande do Norte (onde vive atualmente).