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Há 60 anos, Costa do Marfim alcançava sua Independência

A República da Costa do Marfim é situada na costa Oeste do Continente Africano. Seu nome decorre do comércio de presas de elefante, que foi estabelecido por exploradores portugueses no século XVII. Ex-colônia francesa, Costa do Marfim comemora nesta sexta-feira, 7, a conquista de sua Independência. Em 2020, são contabilizados 60 anos desde a consumação do fato.

Costa do Marfim antes da colonização

As informações sobre a Costa do Marfim antes da colonização são muito escassas, dado os problemas relacionados às fontes. Os primeiros registros escritos aos quais se têm acesso, muitas vezes, são relatos de viajantes e exploradores europeus, atravessados, portanto, pela lógica da dominação e desumanização das populações locais. Ainda assim, as breves descrições sobre as populações nos oferecem indícios sobre uma grande diversidade étnica.

O clima úmido da região dificultou a preservação de vestígios orgânicos. Contudo, os fragmentos de armas e ferramentas antigas encontrados em alguns sítios arqueológicos indicam que há presença humana na região desde 10.000 a.C. ou antes.

Um dos povos que habitaram a região antes do século XV foram os Adiukrus, ou krus. Situados na região sudoeste do território costa-marfinense, eles foram deslocados do território quando os mandingas estabeleceram o Império de Congue. A região, portanto, sempre foi palco de disputas entre diversas etnias — akans e baulés são outras etnias presentes no território desde antes da chegada dos europeus.

Máscara kru. Foto: Guérin Nicolas/WikiMedia.

Os akans orientais costumam ser considerados responsáveis pela elaboração de alguns elementos culturais que frequentemente despertam o interesse de quem estuda filosofia africana. Dentre eles, está a ideia de matrilinearidade, entendimento segundo o qual a linha hereditária da família segue pelo lado materno. Na cosmogonia Akan, os clãs matrilinear e patrilinear são complementares: enquanto o matrilinear é responsável por dar o sangue e estabelecer a linhagem da família, o patrilinear é responsável pela determinação do caráter, do espírito e da alma da pessoa.

Dos primeiros contatos com os europeus à invasão francesa

Exploradores portugueses foram os primeiros europeus de que se tem registro a pisarem na região das lagunas (que abrange, atualmente, Costa do Marfim e Gana). Os primeiros relatos de viagem datam de algo entre 1471 e 1480. Já no início da década de 1480 os portugueses começaram a edificar um forte, o São Jorge da Mina, em Gana. Com esse forte, os portugueses fundaram os primeiros entrepostos comerciais e estabeleceram controle sobre o comércio costeiro da região. A descoberta de ouro foi a principal motivação para o estabelecimento acelerado de Portugal na região.

A partir daí, foi estabelecido o comércio de marfim e escravizados no litoral africano. Ainda no fim do século XV, os franceses fundaram os entrepostos de Assini e Grand-Bassam. Durante um longo período, portanto, era a partir do comércio de escravizados e de marfim que se dava a violência da colonização europeia no território.

Postal francês mostrando crianças marfinenses, provavelmente de alguma etnia akan, datado de 1905. Foto: Reprodução.

No fim do século XIX, na esteira do neoliberalismo e da Partilha da África, os franceses estabeleceram alguns postos militares e induziram uma política de pactos com chefes locais para o estabelecimento de uma colônia. Em 1887, a França deu início ao movimento de ocupação dos territórios no interior. A região recebeu o status de colônia autônoma em 1893, e passou a fazer parte da África Ocidental Francesa em 1899. O exército francês estabeleceu uma ocupação militar entre 1908 e 1918, durante a construção de uma linha férrea, ligando o interior ao litoral, para o escoamento da produção de ouro e outros minerais.

A Independência (e a conturbada política do pós)

Após o fim da ocupação militar francesa, em 1919, a porção norte da colônia declarou-se independente. A parte do território que incorpora Abidjan, contudo, ainda permaneceria sob jurisdição francesa até o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Em 1944, foi criado o Sindicato Agrícola Africano que, dois anos depois, daria origem ao Partido Democrático da Costa do Marfim, um importante ator na luta por Independência. Em 1958, foi proclamada a República da Costa do Marfim, já como uma república autônoma dentro da Comunidade Francesa. No dia 7 de agosto de 1960, a República da Costa do Marfim garantiu sua independência plena.

Nas primeiras eleições, Félix Houphouët-Boigny (1905-1993), fundador e líder do Partido Democrático da Costa do Marfim, foi eleito Presidente, mantendo-se no cargo até seu falecimento. O partido de Boigny foi a única agremiação política do país até 1990. A Costa do Marfim, portanto, não possui uma tradição democrática muito consolidada.

Porto de Abidjan, capital administrativa da Costa do Marfim. Foto: PDA/WikiMedia.

Nove anos após o fim do unipartidarismo, em 1999, foi dado um golpe de Estado que destituiu Henri Konan Bédié, 86, antigo presidente da Assembleia Nacional, que havia assumido a presidência após a morte de Houphouët-Boigny. O golpe, liderado pelo general Robert Guéï (1941-2002), chamou os partidos políticos para organizarem um retorno à ordem democrática.

Em 2000, foi eleito o principal líder de oposição, o historiador Laurent Gbagbo, 75. Dois anos depois, o assassinato de Robert Guéï serviu de estopim para o reavivamento de uma série de tensões étnicas, de maneira que a Costa do Marfim mergulhou em uma guerra civil da qual só sairia em 2007. As tensões seguiram mesmo após o fim dos conflitos e se estendem até hoje.

O atual presidente, Alassane Ouattara, 78, está no cargo desde 2011, após um processo eleitoral conturbado e com acusações de fraude a seu favor. Seu governo também enfrenta acusações concernentes a violações da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e a perseguição política à oposição por meio do sistema judiciário.

Costa do Marfim hoje

Os Akans ainda são um dos maiores grupos étnicos presentes do país atualmente. Contudo, dada a colonização, o francês é a língua oficial. A maioria da população é muçulmana ou cristã, mas cerca de um terço da população segue as religiões tradicionais das etnias que compõem o grupo étnico dos Akans. A espiritualidade akan parte de uma cosmovisão animista, ou seja, ela entende que entidades não-humanas (plantas, animais, objetos e fenômenos) possuem uma essência espiritual.

A economia marfinense é centrada na agricultura, tanto que mais da metade da população vive em áreas rurais. O país é o maior produtor e exportador de cacau do mundo; mas também é um grande exportador de café e algodão. A Costa do Marfim também produz e exporta petróleo, gás natural, madeira, ouro e diamantes.

“Numa lua celestial, dois pais brasileiros se cumprimentam fraternalmente, aqui, viva a harmonia brasileira!!!”. Arte de Frédéric Bruly Bouabré. Foto: Reprodução.

A Costa do Marfim possui quatro localizações caracterizadas como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. São elas: a Reserva Natural Integral do Monte Nimba, o Parque Nacional de Taï, o Parque Nacional do Comoé e a Cidade Histórica de Grand-Bassam.

A diversidade étnica e cultural do país também aparece muito fortemente na produção artística do país. Nesse âmbito, Frédéric Bruly Bouabré (1923-2014) ocupa um lugar de destaque. Em texto sobre sua biografia, consta que o seu contato com a veia artística se deu aos 24 anos. Durante um sonho, segundo ele conta, os céus se abriram para ele e sete sóis coloridos descreveram um círculo ao redor da sua Mãe-Sol. Foi então que ele se tornou Cheik Nadro: “Aquele que não esquece”. O artista já expôs seu trabalho na Bienal de São Paulo e de Veneza.

Foto de capa: Jean-Luc Habimana/WikiMedia.

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