Atlântico Reportagem

Mais de 1.500 pessoas são assistidas durante viagem médica em comunidades de Angola

Mais de 1.500 pessoas angolanas foram assistidas por um grupo de 13 médicos brasileiros, junto de profissionais de saúde angolanos e uma equipe local. Foram contabilizados cerca de 1.525 atendimentos (consultas médicas e exames) para a população de comunidades remotas, nas cidades de Luanda e Lubango, em Angola, país situado na costa Ocidental da África. A ação humanitária aconteceu sob coordenação de Mariana Sochaczewski e Raquel Ribeiro, com apoio do Instituto DIS e Dharma, além das instituições locais, a ONG Atos e ONG Criança Feliz.

Em termos de geografia, Angola (ou na língua banto N’gola) é um país localizado na costa Ocidental do Continente Africano. Seu território abrange praias tropicas do Oceano Atlântico, bem como um conjunto de rios e desertos da região subsaariana da África. Sua população é estimada em 34,5 milhões, de acordo com o Banco Mundial. O idioma do colonizador, que lá pisou durante quase 500 anos de exploração, é o português; além de línguas locais, como chócue, cuanhama, ganguela, quimbundo, quicongo e umbundo. O Produto Interno Bruto (PIB) é de 67,4 bilhões de dólares, também conforme estimativas do Banco Mundial.

Foto: Tubarones Photography/Pexels.

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Uma nação africana com uma Capital (Luanda) considerada uma das mais caras do mundo para se fazer turismo. Mas afinal, onde está a concentração e circulação do dinheiro de Angola em meio à fome e miserabilidade extremas vividas em corpo e pele de uma considerável parcela da população angolana? Nos últimos quatro anos, quase 5 (cinco) bilhões de pessoas ao redor do mundo ficaram mais pobres, conforme relatório Desigualdade S.A., lançado em janeiro deste ano pela Confederação Internacional Oxfam. A pesquisa traz ainda que a pobreza provavelmente levaria mais de 200 anos para findar.

“Quem inventou a fome são os que comem.”
Carolina Maria de Jesus (1914-1977)

Luanda, Capital de Angola. Foto: Reprodução.

“A história do voluntariado em territórios economicamente desfavorecidos ou desiguais também é permeada por situações de conflitos, contradições e aculturação. O Continente Africano recebe diferentes iniciativas de apoio, mas é importante fomentar que esses movimentos se olhem internamente e agreguem valores, como consciência de raça, diversidade entre os agentes e senso crítico sobre nossa capacidade de influenciar e ser influenciado pelos ambientes“. É o que pontua Bárbara Azeo, gestora de projetos, especialista em inclusão e co-fundadora do Instituto DIS.

“Eu já coordenei a primeira viagem do Dharma para Angola em 2022. Mas o Projeto Angola 2024 tem um pouco mais do meu “carimbo”, meu e da Raquel, coordenadora logística. Levar médicos para Angola, pra gente, só faria mais sentido se pudéssemos pensar em uma equipe um pouco mais diversa, mais racializada. É o início de um caminho que queremos estender e seguir”. É o que diz a médica pediatra e coordenadora do Projeto Angola 2024, Mariana Sochaczewski.

Atendimentos na Comunidade Tchihingue, em Huíla. Foto: Larissa Carvalho.

A equipe médica com 13 profissionais de saúde foi composta por: Camila Acras, Daniel Che, Emmanuel Fernandes, Fernanda Oliveira, Isabela Maria, Luciana Siqueira, Mariana Mitraud, Mariana Sochaczewski, Natalia Bertini, Rafaela Bongiovani, Raissa Sanchez, Valdez Melo e Victoria Mendlowicz. Sendo Isabela Maria e Valdez Melo, os médicos brasileiros negros presentes na equipe. Juntos, eles assistiram cerca de 1.525 pessoas em 6 (seis) dias de atendimento nas localidades de Tchihingue, Lubango, Camizungo e Hombo.

“Coordenar este projeto foi pontapé inicial na realização de uma meta, o início de um caminho que quero trilhar. Poder ter o Instituto DIS como parceiros nesse projeto foi incrível. Sem eles, isso não seria possível. Em campo, tudo fluiu como planejávamos, muitos atendimentos, medicações, atenção, escuta e carinho e muitas trocas“. É o que acrescenta Mariana Sochaczewski.

Atendimentos na Comunidade Tchihingue, em Huíla. Foto: Larissa Carvalho.

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Atenção à população angolana

O mundo desperdiça cerca de 1 (um) bilhão de refeições por dia enquanto que aproximadamente 783 milhões de pessoas passam fome. Isso é um dado divulgado pelo Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos 2024, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no dia 27 de março. Além disso, um terço da população mundial enfrentou insegurança alimentar no ano de 2022.

No contexto de Angola, país com um número de habitantes quase que 100% de pessoas negras, não é diferente. Por isso, o Projeto Angola 2024 passou por localidades com um considerável número de pessoas em situação de fome e/ou insegurança alimentar. Além de estar atento a esse fator principal, foi pensado numa equipe que tivesse médicos negros (locais e brasileiros) para melhor assistir à população.

Foto: Larissa Carvalho.

Para a co-fundadora do Instituto DIS, Bárbara Azeo, o impacto previsto era de promover uma experiência mais diversa entre o grupo médico, no dia a dia de relacionamento junto aos profissionais locais e, evidentemente, no atendimento aos pacientes. “Quantas memórias de imagens de médicos negros atendendo pelo mundo você tem? Nosso foco foi ajudar a unir diferentes origens e perspectivas e a tão importante representatividade, que nós sabemos muito bem o quanto impacta!”.

Achei extremamente importante a experiência de ter dois médicos pretos, ficou nítido, que não só os pacientes, mas também a comunidade se identificava com a nossa negritude e nos olhavam com olhar de admiração. Eu decidi participar porque sempre sonhei em fazer trabalho voluntário e o que me chamou mais atenção é que segundo os relatos dos médicos que já foram outras vezes nunca foi nenhum médico preto”, declara a médica Isabela Maria.

Foto: Larissa Carvalho.

Acredito que durante o Projeto Angola 2024, a experiência mais transformadora foi ter buscado respostas e reconexão com o Continente Africano. Ao ir para a África, agora pela segunda vez, me vi trabalhando e atuando junto a outros colegas da saúde, colegas negros (pretos), assim como atendendo os pacientes das comunidades, e que apesar de existir um sentimento de “proximidade” ou “unidade” entre os negros brasileiros da diáspora negra e os africanos, vi que existe uma separação respeitosa”. É o que diz o médico oftalmologista, Valdez Melo.

Foto: Larissa Carvalho.

Quando a gente recebe estrangeiros, recebe médicos negros eu imagino que isso facilita muito. Eu acredito que eles se sintam mais representados, eu acho isso fantástico. Então, a gente fica muito honrado pelo Instituto DIS e Dharma ter essa iniciativa e escolher a ONG Atos pra estar junto aqui nesse trabalho”, diretor executivo da ONG Atos, Gustavo Biondo.

“Todos conhecemos de alguma forma a realidade do povo africano, que seja por uma foto estigmatizada no Google. Não esperava que a realidade da fome, a falta de água, a falta de acesso ao básico, mas com uma alegria de viver tão grande fosse mexer tanto comigo. Achei que eu estava preparada, mas não estava“. É o que relata a médica ginecologista e obstetra, Mariana Mitraud. A mineira pontua que o mais desafiador é a falta de política pública na saúde. “As pacientes não têm acesso ao pré-natal básico, falta orientação e acesso a contracepção, assim como toda saúde da mulher de forma geral”.

Foto: Larissa Carvalho.

“A alegria de podermos oferecer uma equipe de médicos realizando atendimentos, exames, ultrassons foi muito grande. Nossas mamas gestantes só sabem do sexo do bebê e se está tudo bem com ele quando nasce, ficam a gestação toda sem saber nada sobre o bebê. Foi nítido ver a ansiedade e alegria no olhar de cada morador que estava na fila de espera aguardando os atendimentos, eu costumo dizer que a melhor ajuda que podemos receber na comunidade é quando recebemos médicos voluntários”, aponta a diretora de Recursos Humanos da ONG Atos, Jaqueline Capilla.

Foto: Larissa Carvalho.

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O que é o mundo da fome? O que é possível transformar?

“São tantos pontos que é difícil colocar o que mais me transformou… mas talvez a fome… nunca tinha conhecido e vivenciado a fome e suas consequências como naqueles dias…”, é o que diz a médica pneumologista Fernanda Oliveira. Nos últimos 2 (dois) anos, ela relata que tem trabalhado com ações de saúde em áreas remotas do Brasil. “Sempre são experiências profundamente enriquecedoras e transformadora. Angola me chamou também por uma vontade de entender um pouco mais da origem do nosso país“.

Foto: Larissa Carvalho.

Para o médico cearense Emmanuel Fernandes, o que foi mais transformador na experiência foi o contato com os pacientes. “Por mais que se leia sobre ou assista reportagens sobre, está lá presente, cara a cara, sem filtro com aquele povo é uma experiência única e impactante. Ouvir as histórias, as dúvidas, medos sem intermédio de outra mídia foi realmente transformador”. O que o motivou a vivenciar a experiência foi o senso de justiça. “De poder contribuir para que todos tenham acesso à saúde mas também o interesse de conhecer outras realidades, outros povos e culturas”.

A médica pediatra Natalia Bertini já havia participado da edição de 2022. “Toda experiência com ação humanitária é transformadora como um todo, e a intenção é sempre essa mesmo, transformar a vida de alguém um mínimo que seja, levar cuidado, saúde, acolhimento e tentar deixar alguma mudança por lá…”. Em sua rotina de atendimentos com o público infantil e adolescente, ela encontrou muita desnutrição (em nível grave), malária, febre tifoide, parasitoses e lesões de pele causadas por fungos.

Foto: Larissa Carvalho.

Em experiências como essa, a médica Victoria Mendlowicz aponta que a transformação é realmente possível. “Nós fomos em comunidades apoiadas e não apoiadas (ainda) por ONGs e é visível a diferença. Se todos nós ajudarmos um pouco, podemos ser agentes da mudança”. A brasileira relata que o maior problema encontrado foi a fome.

Foto: Larissa Carvalho.

Muitos pacientes se queixavam de dor na barriga e dor de cabeça, além de dificuldades para dormir. Quando excluídas outras causas e perguntados sobre a alimentação a resposta era sempre a mesma: falta comida em quase todas as casas! Além dos problemas que a desnutrição traz, alguns tratamentos para outras doenças devem ser tomados preferencialmente com alimentos para evitar efeitos colaterais e aumentar a tolerância”.

Foto: Larissa Carvalho.

Eu me pego pensando como estão as pessoas que conheci, as crianças que eu sei o nome, que eu conheci, que eu conversei. Fico imaginando como eles estão lá. E, ao mesmo tempo, já me vem vindo na cabeça ideias para o próximo ano. O que eu posso promover de campanha aqui que eu posso levar para lá. De doação de roupa, doação de produtos de higiene. Imaginando como vai estar lá quando a gente chegar, que as ONGs continuem fazendo um trabalho maravilhoso”, reflete a médica radiologista Camila Acras.

Uma mãe com sua filha na Comunidade do Hombo, Angola. Foto: Larissa Carvalho.

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O apoio das organizações

Além do Instituto DIS e Dharma, o Projeto Angola 2024 teve apoio de organizações locais, lideradas por brasileiros que vivem em Angola. A ONG Atos, localizada em Luanda, capital angolana. E a ONG Criança Feliz, proveniente de Lubango (a quase 900km de Luanda). “Nos sentimos privilegiados como instituição, por dentre tantas Ongs que temos aqui em Angola, sermos uma das escolhidas pelo Instituto Dharma, foi uma grande notícia pra nós. Há uma demanda enorme de pacientes na comunidade do Camizungo em atendimentos médicos”, diz a diretora de Recursos Humanos da ONG Atos, Jaqueline Capilla.

Foto: Larissa Carvalho.

Quando a gente recebe estrangeiros, recebe médicos negros eu imagino que isso facilita muito. Eu acredito que eles se sintam mais representados, eu acho isso fantástico. Então, a gente fica muito honrado pelo Instituto DIS e Dharma ter essa iniciativa e escolher a ONG Atos pra estar junto aqui nesse trabalho”, diretor executivo da ONG Atos, Gustavo Biondo.

Equipe na cidade de Lubango, província de Huíla, Angola. Foto: Larissa Carvalho.

Tudo passa por ter um olhar sensível, a necessidade do próximo, a necessidade daquele que está ao nosso redor. Nós temos vários projetos, no ano passado, nós acolhemos mais de 17.000 pessoas em mais de 18 projetos. E isso tudo aconteceu simplesmente ouvindo e sentindo a necessidade daqueles que estão ao nosso redor, parando e sentindo a dor daqueles que sofrem”, declara Anderson Costa, fundador e diretor da ONG Criança Feliz.

Crianças na Comunidade do Hombo, Angola. Foto: Rafaela Bongiovani.

*Correspondente internacional do Negrê para países da África

Foto de capa: Larissa Carvalho.

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