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#EndSARS, polícias e poder colonial

Nas últimas semanas, a Nigéria ocupou o centro das atenções nas redes sociais. Infelizmente, isso ocorreu de maneira negativa, devido aos protestos pelo fim do SARS, o Esquadrão Especial Anti-Roubos do país. Os manifestantes alegavam diversos tipos de abuso de força e de poder na atuação da força policial, que é amplamente acusada das mais variadas violações de direitos humanos no país.

Essa relação dos nigerianos com o SARS em muito se assemelha aos tensionamentos que existem em praticamente todos os países do globo, entre a população e as forças policiais (frequentemente militares) do Estado. Na Nigéria, porém, há um fator comum aos outros países que aparentemente pode ser excluído ou desconsiderado na equação: o racismo. Foi o que disse, por exemplo, Alausa Olawale, nigeriano entrevistado pelo Negrê sobre o tema, argumentando que este não é um elemento devido ao fato de toda a população nigeriana ser negra.

Feita a devida ressalva, é impossível não olhar para o que se passa no país da África Central com algum grau de familiaridade. As polícias são organizações que mobilizam a força e sobre as quais recai parte da responsabilidade de braço armado do Estado, detentor do monopólio da violência. Ao redor do mundo, é muito comum que, não obstante, as premissas de defesa dos cidadãos e garantia da segurança pública, as forças policiais atuem no sentido de controlar as populações mais pobres, descartar os indesejáveis e proteger a propriedade privada das elites.

Protestos do #EndSARS na Nigéria. Foto: Tobi Oshinnaike/Unsplash. 

Essa constituição ou essa forma-de-ser das polícias é histórica. Não é novidade hoje e não era novidade 100 anos atrás. Seja no centro ou na periferia do capital, desde o período que antecedeu a consolidação do capitalismo é possível observar um padrão de atuação nas forças militares voltados para a proteção de bens, diante de ameaças muitas vezes internas.

No seio dos movimentos de colonização (e aqui pouco importa se estamos falando do século XVI ou do século XIX), a instituição de organizações armadas sempre se deu com o principal (e talvez único) objetivo de proteger a vida e a propriedade dos colonos diante da ameaça que os colonizados representavam. A mentalidade colonial é essa: o domínio do subalterno por meio da violência e da repressão, justificado pela perspectiva de que este subalterno representa uma ameaça às posses dos que dominam.

Acho que é esse ponto que aproxima o cenário desenhado na Nigéria daquele que conhecemos tão bem na América Latina, em especial no Brasil. Muito embora tenhamos uma suposta inexistência do racismo em solo nigeriano, não podemos esquecer que a Nigéria, assim como o restante do Continente Africano, foi duramente violentada pela colonização durante muitos séculos.

Foram quase quatro séculos como um dos principais pontos de saída de africanos escravizados. A partir do século XIX, os nigerianos passaram a ser dominados pela Coroa Britânica, tornando-se uma colônia de exploração, condição que só abandonaria em 1960. Seria irresponsável pensar que todo esse tempo de violência não desempenhe um papel fundamental na constituição das subjetividades no país.

Um país sem racismo, mas com forças militares que atuam segundo uma lógica colonial (ou seja, racista). Frantz Fanon (1925-1961), em os Condenados da Terra (1965), escreve: “O mundo colonizado é um mundo dividido em dois. A linha divisória, a fronteira, está indicada pelos quartéis e pelos postos de polícia. Nas colônias, o interlocutor válido e institucional do colonizado, o porta-voz do colono e do regime de opressão é a polícia e o soldado”.

O racismo e a colonização – sendo estes frutos, meios e causas de violências múltiplas não se sustentam sem violência. Não é por acaso que as polícias se pareçam, em suas formas e também em suas práticas, ao redor do mundo. Assim como não é por acaso que pessoas não-brancas (especialmente nós, pessoas negras) sejam seu principal alvo. A polícia protege, sim, mas não a vida. Menos ainda as vidas mais pobres. As forças policiais são guardiãs do poder colonial.

Foto de capa: Tobi Oshinnaike/Unsplash. 

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