Essa era a vibe: fim de tarde, uma brisa vinda do mar e a turma “das área” toda reunida num evento que trouxe a cultura territorial como ponto de resgate e celebração. O Festival Viver de Pirambu aconteceu no dia 23 de julho na barraca mais famosa da praia da leste, a Foi Sol. Com poesia, música, performance e uma feirinha de comerciantes locais, o coletivo TruP’irambu foi o responsável por agitar a maior favela de Fortaleza (CE).
O Festival Viver de Pirambu não é o primeiro evento organizado pelo coletivo TruP’irambu, que existe desde 2017, e vem promovendo arte e cultura para a comunidade. O Pirambu é hoje a sétima maior favela do Brasil.
Favela é potência
A grande periferia ocupa todo o litoral oeste da capital. Era, e ainda é, uma comunidade pesqueira. Pirambu, na verdade, é o nome de um peixe que era encontrado abundantemente em suas águas salgadas, sendo então fonte de alimento e esperança para o povo que ali se agrupava quando eram, de certa forma, excluídos da sociedade.
Mallu Viturino, 19, é cantora e foi uma das atrações da noite. “É uma diáspora, a gente sabe que a história de Fortaleza é um afastamento cultural, principalmente afastar a cultura periférica e preta da praia ou jogar elas aqui como se fosse um resto de gente”, expressa.
“Como outros bairros periféricos, o Pirambu também é vítima do estado que falha com a falta de políticas públicas e alvo de preconceito por se tratar de um território lido apenas como violento, perigoso… o que até hoje tenta ser desmistificado pelos seus habitantes através da arte, cultura e projetos sociais”. Esse trecho foi retirado do Documento de manifesto do Coletivo; que viu nessa carência de atenção do Estado do Ceará, a necessidade de emergir como promotores de capacitação e valorização.
“É uma resistência pra esse olhar do Estado que não chega aqui e quando chega é de uma forma complicada que não abraça real a comunidade”, é o que diz Dudu Costa, 25, multiartista periférico e integrante do coletivo TruP’irambu.
Importância da cultura territorial
Ceifero, 19, MC, produtor e beatmaker, cresceu nas praias do litoral leste e relata que a vida toda nunca viu por lá nada parecido com o Festival. “Tá revivendo uma praia que sempre foi mal vista, mas um evento como esse agrega muita ideia nova e faz a galera repensar que pode ser legal de chegar”.
Davinci, 22, também é MC e reitera essa perspectiva de que o festival é uma oportunidade para “trocar ideias e formar novos trabalhos, novos aquilombamentos”. Ele foi outra atração musical e representou o coletivo Selo do Século, produtora audiovisual do Pirambu.
Também nascido e crescido no bairro, Hudson Ramalho, 22, viu no mar da leste inspiração para seus movimentos. O estudante de Dança apresentou no Festival uma performance à beira mar; tendo consigo plásticos para remeter ao consumo e descarte inconsciente desse material. “Se isso interfere no meu corpo, imagina no corpo dos outros seres que estão no mar”, ele disse.
Os comércios locais
Fazer as ideias circularem entre si é o que move esses coletivos. Fazer a economia circular também se faz muito necessário; por isso, a feirinha trouxe empreendedoras locais para apresentar à comunidade seus trabalhos. Patricia Bittencourt, 42, é afroempreendedora e trabalha com reutilização de materiais na confecção de brincos. “A gente também tá ajudando o meio ambiente, fazendo produtos que não o degrada e mostrando pra comunidade que existem esses trabalhos por aqui”. A Preta Bitten, sua marca, também foca muito na valorização da mulher preta, sendo inspiração principal de suas estampas.
Já para encher o bucho da galera, as Comadres da Cozinha são mulheres independentes e provedoras de seus lares que viram no que sabiam fazer, cozinhar, a oportunidade de geração de renda. Fabiana, 50, morou a vida toda no Pirambu e falou que o Festival é um projeto válido e que admira muito essa juventude guerreira.
Por fim, a noite se encerrou com mais um coletivo, o Pira Roots promove reggae no Pirambu e botou a galera pra dançar um A2. A atmosfera era de muita harmonia e intimidade, pois estavam todos em casa e com amigos. O Festival Viver de Pirambu é um projeto feito da favela pra favela, por isso torna-se tão importante e atende tanto aos gostos da população.
Mumutante, 22, é cantora e residente de outra comunidade, a Sabiaguaba. Ela relatou que se apresentar lá na Foi Sol, a barraca de seus amigos, é diferente de quando se apresenta em outros espaços mais elitizados da cidade de Fortaleza (CE). “Prefiro cantar em um espaço em que minhas letras tragam identificação e não curiosidade”. E lá na Foi Sol, foi sal!
A sociedade quer que vejamos sempre as áreas à margem da cidade, composta por trabalhadores, que são a base e estrutura do Capitalismo; e claro, pessoas pretas, como um lugar no qual não há nada além de mazela. Esses coletivos de arte e cultura vêm de um lugar que cansou de esperar do Estado uma intervenção.
É importante também não se colocar na posição de romantizar a favela, o esforço árduo para conseguir o mínimo. Não é normal não haver eventos culturais em “certas” áreas – as periféricas – ou, quando tem, ser tão difícil de conseguir apoio, enquanto a zona nobre vive com tudo: saneamento, pavimentação, segurança e lazer. Por isso, valorize sua área, os comerciantes e artistas locais. “Tudo que nós tem é nós!”.
Foto de capa: Gabriel Sousa.
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Estudante de Jornalismo na Universidade de Fortaleza (Unifor). Vê no fazer jornalístico o poder de tocar e conscientizar as pessoas através de histórias e vivências, principalmente as que não costumam ser o foco da sociedade: vindas da periferia. Sempre fui próxima da escrita, mas para além disso, busco escrever para o meu povo, para quem quer ler sobre afro referências, cultura da favela, manifestos raciais. Por isso, o jornalismo negro é o caminho que busco percorrer em minha carreira.