O psiquiatra baiano Juliano Moreira (1873-1933) completaria 149 anos nesta quarta-feira, 6, e recebeu homenagem pelo Google através do Doodle. Juliano “revolucionou o tratamento de pessoas com transtornos mentais no Brasil e lutou incansavelmente para combater o racismo científico e a falsa ligação de doença mental à cor da pele”, segundo a empresa multinacional de serviços online.
Tratamento humanizado
Juliano é lembrado – dentre outros feitos – por transformar o tratamento de indivíduos com transtornos mentais de maneira mais humanizada. O tratamento humanizado que engloba a não estigmatização das pessoas, o tratamento individualizado, seguro e empático, a elucidação sobre os procedimentos aplicados e informações para paciente, contribui enormemente no processo de cura e recuperação. Além disso, aumenta a possibilidade do paciente responder aos procedimentos clínicos, se recuperar ou amenizar o impacto da doença que atinge a saúde mental.
Moreira assumiu a direção do Hospício Nacional de Alienados em 1903, no Rio de Janeiro (RJ), onde aboliu o uso de camisas de força, retirou grades de todas as janelas e separou pacientes adultos de crianças.
A Academia Brasileira de Ciências ressalta ainda ele foi como responsável por uma lei federal para garantir assistência médica e legal aos doentes psiquiátricos. Além de ter sido um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina legal e da Academia Brasileira de Ciências (da qual foi presidente).
Contra o racismo científico!
O racismo científico (também conhecido como racismo biológico) andou de mãos dadas com o processo eugênico no Brasil, e trilhou um processo doloroso, estigmatizante e excludente no país. Uma vez que a teoria usava argumentações biológicas para segmentar, definir “características” sociais e “justificar” a superioridade ou a inferioridade racial.
O racismo científico também foi responsável por desumanizar corpos negros no país e, além de definir “quem merecia morrer e quem merecia viver”, foi capaz de “deixar morrer ou deixar viver”.
O psiquiatra baiano, atuou contra o racismo científico e os estereótipos acima de pessoas negras, que associavam as doenças mentais com a raça. Juliano Moreira, no século XX, ratificou que a medicina brasileira deveria ser capaz de dirigir o processo de modernização e sanitarização do país, sem que pobres e pretos ficassem marginalizados nesse processo.
A atuação de Juliano foi extremamente coerente com esta visão, uma vez que inseriu essas pautas em seus estudos e feitos. Para ele, o principal papel da psiquiatria estava na profilaxia e promoção da higiene mental como ferramenta contra-eugênica.
História, biografia e contribuição de Juliano Moreira
Juliano Moreira era natural de Salvador, na Bahia. Ele nasceu em 1872 na antiga Freguesia da Sé e é filho de Manoel Moreira do Carmo Júnior e Galdina Joaquim do Amaral. Foi um pioneiro não apenas na psiquiatria, mas também na liberdade e conquista preta e pobre no Brasil, considerando que quando entrou na universidade – com apenas 13 anos – a abolição da escravatura nem tinha ocorrido e as faculdades eram ocupadas apenas pela burguesia brasileira.
Aos 18 anos, recebeu seu título de doutor como a tese “Sífilis maligna precoce” e aos 23, tornou-se professor da Faculdade de Medicina da Bahia – FAMEB da Universidade Federal da Bahia (UFBA) na seção de doenças mentais e nervosas.
Juliano contribuiu também na dermatologia, sifilografia e parasitologia, sendo o primeiro pesquisador a identificar a leishmaniose cutâneo-mucosa. Ele integrou ainda a Escola Tropicalista da Bahia e, por 10 anos, participou da criação de conteúdo da Revista Gazeta Médica da Bahia, como redator principal.
Em 1984, fundou a Sociedade de Medicina e Cirurgia da Bahia e a Sociedade de Medicina Legal da Bahia e após isso, se especializou em estágios, congressos e cursos por toda a Europa, onde também conheceu Augusta Peick, que seria sua futura esposa.
Suas especializações permitiram que ao retornar para o Brasil, tornou-se diretor do Hospício Nacional de Alienados (RJ) – o primeiro hospício brasileiro. Lá, Juliano introduziu práticas humanizadas e seus profundos conhecimentos do campo psiquiátrico mundial. Ele promoveu uma verdadeira revolução na estrutura sanitária e ética do hospital, registros fotográficos da época retratam leitos limpos, distante da visão sombria de masmorras com grades, correntes e maus tratos de épocas anteriores. E sim como um lugar apropriado e humanizado para os pacientes.
Fundou ainda o Manicômio Judiciário, em 1911, e dedicou sua vida e sua formação para revolução psiquiátrica e humanização desses processos, combate ao racismo científico e desmistificação da ligação entre raça e doenças mentais.
Além de mudar a estrutura, inaugurou modelos novos de assistência no interior dos hospitais, e para além da psiquiatria, instaurou laboratórios nos hospitais, introduzindo a técnica de punção lombar e do exame céfalo-raquidiano como diagnóstico neurológico.
Juliano ficou conhecido como pai da psiquiatria no Brasil, principalmente porque, as ações como a abolição do uso de coletes, grades e camisas de força no Hospital dos Alienados foi corajoso, revolucionário e responsável por modificar o imaginário social em relação aos doentes mentais. Além de ser o autor da lei que dá assistência que o governo deveria estender aos pacientes com problemas mentais em 22 de dezembro de 1903.
Em 1933, no dia 2 de maio, aos 60 anos, partiu em decorrência de tuberculose, sem deixar filhos. O governo baiano criou um hospital que leva seu nome e em suas modificações ganhou (além do centro hospitalar) um arquivo, uma biblioteca e um museu, mantidos pelo Governo do Estado da Bahia. Na capital, Salvador, encontra-se o Memorial Juliano Moreira (Memorial JM) – um setor do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira – que objetiva reafirmar a importância do médico preto que revolucionou a psiquiatria no Brasil e no mundo.
Juliano Moreira é um dos grandes nomes de pesquisadores negros essenciais na trajetória do Brasil e deixou não apenas seu legado intelectual, mas uma lição de visão social, racial e humanitária! Juliano Moreira Vive!
Foto de capa: Google Imagens.
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Jornalista em formação pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e afropesquisadora. Atualmente, estuda movimento negro e juventude em Minas Gerais, mas já aprofundou em racismo institucional e racismo e mídia. Também se interessa por cultura, música (principalmente rap nacional!) e política, sobretudo pelo modo que essas pautas dialogam com negritude no Brasil. É fotógrafa nos horários vagos (com a percepção e admiração pela maneira que a fotografia e o fotojornalismo narram realidades e perspectivas). Além disso, também é militante pelo Levante Popular da Juventude, comunicadora e coordenadora de cultura do Coletivo Negro KIANGA.