Chegar ao estrelato, ser reconhecido e ganhar o Oscar parece ser o maior sonho dos atores ao redor do mundo. E é exatamente este o universo retratado na série da Netflix, Hollywood. Mas não se engane, pois não se trata apenas da fama e do entretenimento. O autor parte de um pressuposto verídico para criar essa ficção, onde um grupo de aspirantes a atores, diretores e roteiristas conduz a narrativa, para mostrar como seria a Hollywood dos anos 40, se negros e gays tivessem as mesmas oportunidades que atores brancos.
A minissérie descreve a trajetória dos atores Camille Washington (Laura Harrier) e Jack (David Corenswet), do diretor Raymond Ainsley (Darren Criss) e do roteirista Archie Coleman (Jeremy Pope). Um lugar ao sol e a tão sonhada fama na Hollywood dos anos 40. Camile é negra, Archie é negro e gay, e Raymond é filipino-americano, ambos são tipos marcados para ter o acesso dificultado às grandes obras do cinema da época. Já que negros não podiam assinar suas produções e atores não-brancos não poderiam fazer papéis que fossem além da criadagem.
O estúdio fictício Ace vai produzir o primeiro filme roteirizado e estrelado por negros e passa por diversos percalços, como boicote de diversos cinemas, impedindo a exibição, ameaças da população na porta do estúdio e, principalmente, ações da Ku Klux Klan. Mesmo com as ameaças, o estúdio, que está sendo dirigido por uma mulher pela primeira vez, decide continuar produção e lançamento, criando uma estratégia de distribuição de baixo custo. E são os desdobramentos dessas histórias que vamos conhecer até chegar a cerimônia de premiação do Oscar.
Assistir a minissérie nos remete a outras obras que utilizaram fatos reais para recriar histórias na ficção. Note que não estamos falando em “baseado em fatos reais”, mas em ficcionar histórias, dando, inclusive, um final diferente à elas. É impossível assistir a trama e compreender a intenção do autor sem fazer uma rápida comparação com algumas obras de Quentin Tarantino, como Bastardos Inglórios (2009), onde o autor traz a representação do assassinato de Adolf Hitler (1889-1945), antes da maioria dos eventos do Holocausto (1941-1945) terem acontecido. Ou Era Uma Vez… em Hollywood, quando impede o assassinato de Sharon Tate (1943-1969) pela Família Manson. Nos filmes, Tarantino propõe uma revisão histórica, contando a história como ela deveria ter sido, assim como na série Hollywood.
A narrativa também utiliza diversos aliados aos personagens principais, inspirados em personagens da vida real, como Hath McAdams, a primeira atriz negra a ganhar o Oscar; Anna May Wong, a primeira grande atriz chinesa-americana; e outros personagens reais que vão desde atores a produtores e agentes do cinema que tiveram as vidas marcadas pelo preconceito e racismo.
Personagens
Ana May Wong e Hath McAdams talvez sejam as personagens reais com histórias mais conturbadas e que tiveram finais, digamos, atualizados pela série. Ambas tiveram sua trajetória marcada pelo racismo. McAdams ganhou o Oscar pelo papel de Mammy no filme E O Vento Levou (1939) e nunca mais teve qualquer papel expressivo, como uma forma de represália por ela ter sido premiada, por ter “tomado” o lugar de uma mulher branca. Durante a cerimônia de premiação, McAdams foi obrigada a ficar numa mesa nos depósitos do hotel, que não permitia a entrada de negros. O papel da Mammy é um dos maiores estereótipos racistas utilizados para representar as mulheres negras no cinema. O longa E O Vento Levou foi retirado recentemente do streaming da HBO, por ser racista.
Já Ana May Wong, passou a vida lutando por papéis que a afastasse dos estereótipos de raça, pois sempre foi colocada como a mulher exótica. Em 1935, Wong conseguiu seu primeiro grande papel, diferente de todos os estereótipos, no longa Terra dos Deuses (1937), que retratava uma família chinesa. No entanto, um ator branco foi convidado para interpretar o esposo da personagem e, na época, beijos e relacionamentos interraciais eram proibidos no cinema. Ana May Wong foi substituída por uma atriz branca, que acabou levando o prêmio de melhor atriz pelo filme.
Hollywood não se trata, necessariamente, de um obra a ser caracterizada como “de negros”, “para negros”, ou “pelos negros”, tanto por não ser produzida, dirigida e roteirizada por negros, quanto por não ter em sua maioria atores negros. A obra fala do racismo, sim, e talvez seja um dos temas principais, mas também fala de homofobia, exploração, especialmente sexual, abuso e machismo.
Vale a pena assistir
A minissérie em sete episódios de 60 minutos é mais uma produção e direção assinada pelo americano Ryan Murphy, que carrega em seu currículo uma lista de sucessos produzidos, dirigidos e roteirizados para o cinema, a TV e o streaming. Seja como produtor, diretor ou roteirista, ele acumula obras como o longa de sucesso estrelado por Julia Roberts, o Comer, Rezar e Amar (2010). Além das múltiplas temporadas de American Horror Story (2011), American Crime Story (2016), Glee (2009) e Pose (2018).
Quem conhece obras do autor, como American Horror Story, pode criar expectativas de ver em Hollywood uma obra densa, ao mesmo tempo que escancarando as entranhas de todas as formas de preconceito do cinema dos anos 40 até hoje. Já avisamos aqui que não é o resultado desta obra, como dito, Murphy optou por uma recriação de história.
FICHA TÉCNICA
Hollywood
Ano: 2020
País de origem: Estados Unidos
Formato: Minissérie em temporada única – sete episódios
Duração: 60 minutos
Gênero: Drama
Direção: Ryan Murphy e Ian Brennan
Produção executiva: Ryan Murphy, Ian Brennan, Alexis Martin Woodall, Janet Mock, Eric Kovtun, Ned Martel, Darren Criss, Jim Parsons e David Corenswet
Elenco: David Corenswet, Darren Criss, Laura Harrier, Joe Mantello, Dylan McDermott, Jake Picking, Jeremy Pope, Holland Taylor, Samara Weaving, Jim Parsons e Patti LuPone
Formada em Jornalismo e com especialização em mídias digitais, a baiana tem dedicado sua carreira ao mercado audiovisual há oito anos, quando iniciou na área. Já atuou como produtora executiva em obras para a televisão e em diversas funções dentro da produção de uma obra. Apaixonada por filmes e séries, se considera uma viciada que assiste mais de seis obras por semana.