A influência da periferia na moda sempre esteve presente na cultura do mundo fashion. Nos becos onde a diversidade pulsa forte, a arte transcende em tendências que, aos poucos, e, às vezes, só quando passadas nas mãos da branquitude, vai saindo da marginalização e ganhando destaque. Desde adereços, como os óculos de lentes espelhadas, a macrotendências, como “brazilcore”, e até estilos consagrados como o streetwear, a favela é base para tudo que faz sucesso.
A juventude fortalezense, por sua vez, constrói legado ao resgatar e promover cultura, buscando na própria realidade as referências que vêm a se tornar representativas, driblando os padrões de moda impostos pela hegemonia. Assim, reunimos sete marcas de vestuário feitas por e para pessoas periféricas, já que por nós é só nós e, como as rappers Tasha e Tracie cantam na faixa “Agouro”:
“ditando tendência, como sempre, a favela
e as mais mais? Vêm da favela”
Preta Chic
Na comunidade da Serrinha, na zona sul de Fortaleza (CE), Mathilda e Lavínia Vieira tinham a necessidade de reconstruir a imagem destinada a trans e travestis, principalmente no mundo da moda. Elas queriam achar um jeito de ocupar o espaço e assim fizeram. O que começou como um salão experimental na garagem dos pais de Mathilda, onde descoloriam cabelos e faziam outras técnicas artísticas de beleza, expandiu-se para um coletivo com protagonismo de mulheres trans e pessoas não-binárias.
Hoje, o grupo formado por Luiz Fernando, Wendy, Mathilda e Lavínia assinam como styling, maquiagem, fotografia e produção artística, além de terem lançado a coleção “Gang bag”, que tem como produto principal uma bolsa feita de bandanas e confeccionada pelas próprias idealizadoras. Em 2023, também participaram do projeto “Corpas Decoloniais”, um laboratório formativo em moda que valoriza as corpas trans e travestis, com foco em figurino e empreendedorismo no Espaço Kuya – Centro de Design do Ceará. Lavínia, Wendy e Mathilda ministraram uma oficina de criação de produtos, enquanto Luiz ficou na captação e produção executiva.
Mancuda
Unidos pelo curso de Ciências Sociais, o gosto pela moda e costura, mas sobretudo pelas vivências, Carll Sousa e Nair Beatriz investiram no que tinham: a originalidade da favela. Suas inspirações partem do que veem e escutam pelas áreas do Grande Pirambu, periferia da zona oeste da capital cearense.
Por meio de familiares que falam de momentos marcantes da favela dos anos 2000, tendências como a mini saia e o tecido de veludo foram resgatados e viraram marca registrada de quem é “mancudo” – termo que remete a pessoas com atitude e estilo. O mais interessante é como os designers trabalham com a nostalgia – ou ancestralidade –, a musicalidade e o impacto social, promovendo o diálogo direto com a favela. Coisa que as grandes marcas, apesar de se apropriarem do que vem de lá, não fazem.
A marca já promoveu o 1º Festival Moda de Favela, uma semana de palestras e oficinas dedicadas ao empreendedorismo social, local e sustentável. Além de ter marcado presença no desfile “Di Quebrada”, que reuniu marcas periféricas no Festival Feira Fama na Beira Mar de Fortaleza, em julho de 2023, e ter lançado a mais nova coleção “Santo Forte” como uma das atrações no 1º Prêmio Pretas Potências, promovido pelo Preta Hub e sediado no anfiteatro do Dragão do Mar, em novembro de 2023.
Os estilistas Carll e Nair, sem dúvida, estão elevando o nível da moda periférica, movimentando a cultura para além do consumo, mas para a consciência e formação individual e coletiva dos pretinhos mancudos de Fortal.
Hust Street
Nada mais favela que o estilo street, e a HUST de Caio Vieira, faz moda pra quem tá no corre. “Fé em quem tá na pista” é o lema da marca também criada no Pirambu. O kit completo faz sucesso: o short biker, boné, cropped ou camisa oversized. Mas, o destaque da última coleção lançada é a estampa “CORRERIA”.
Na parte de trás da blusa modelo, há uma história em formato de quadrinhos que mostra a rotina de uma garota às 22h como DJ no rolê, às 3h dormindo e manifestando fartura e, no último bloco, às 7h, ela já na parada esperando o Grande Circular – ônibus da frota de transporte público da cidade. Com certeza, quem vive essa correria de dupla jornada (e, às vezes, até mais) para realizar um sonho ou para sobreviver se identifica com a estampa, e o designer da marca a retratou com muito estilo.
4town
Dos becos do Parque Araxá, nasceu “a marca que a rua veste”, com a proposta de criar uma moda que dialogasse de igual para igual com a periferia. Guilherme Carvalho, influenciado pelo rap, grafite e todas as manifestações culturais urbanas, criou a marca em 2016 e, desde então, segue com o objetivo de mostrar que a favela guarda talentos, belezas e um estilo inconfundível.
A identificação com a arte urbana, para além de vestuário, expandiu o corre para produções audiovisuais e, em seu canal no YouTube, o projeto 4TIN apresenta sets que avivam a cultura do underground e fazem geral fazer o 4 (levantar os quatro dedos das mãos em simbolismo a comunidade).
Guilherme e a marca foram destaque na Expo Favela, sediada no Centro de Convenções de Fortaleza em outubro, e acabou sendo um dos dez selecionados para a edição nacional da Expo Favela Innovation, de São Paulo (SP). A ação visa a dar visibilidade para os empreendimentos da periferia.
TrajAya
“Aya” é um nome em Iorubá que significa resistência. “Trajado” é um termo popular entre diálogos favelados. A partir dessas duas palavras, nasceu o slogan da marca TrajAya: Trajado com Aya é estar trajado com resistência. Vanessa Arielle, ou Ariel cresceu no bairro da Serrinha, onde tirou as inspirações que, hoje, movem a arte em argolas artesanais e bolsas ecobags que referenciam a cultura negra e o dialeto favelado.
A TrajAya tem cunho cultural e social, propõe uma série de vivências multiculturais em forma de arte e a integração de produtores culturais e artistas independentes, pois as coleções são lançadas em parceria com outros artistas visuais, como 6lecaute e Primo Preto, elevando a conexão com o intuito de valorizar o trabalho de ambos e fortalecer o apoio e a visibilidade entre artistas periféricos.
NaPahla
O gosto por acessórios e adornos inspirou Laryssa Soares, a Pretassa, a criar a NaPahla. Ao criar e aprimorar o conhecimento a respeito das miçangas, dos fios de contas e das pluralidades existentes, a NaPahla é, acima de tudo, diversidade e desejo que toda corpa se sinta confortável e possa experienciar enfeitar seu corpo.
É uma forma de elevar a autoestima, uma vez que o berço da marca é incentivar os clientes a usar o acessório “com Pala”. Em regiões marginalizadas de Fortaleza, “Pala” é um termo por vezes usado de forma pejorativa para denominar os trejeitos de um indivíduo discriminado como malandro, alguém que se veste como um “vetin”, dentre outros aspectos que para a sociedade compõem um marginal, alguém que te faz atravessar para o outro lado da rua.
Porém, crescendo na periferia, urge a necessidade de se apropriar dessa expressão e encorajar seu uso de forma positiva. NaPahla também é moda periférica, ancestral e é um estado permanente de luta e resistência da liberdade de existir em nossas singularidades.
Mansa Musa
Manuela Rodrigues, moradora da Serrinha, tem 18 anos e, desde os 16, é a artesã que produz os famosos “piercings de negrona”, os nose cuffs – joias de pressão para o nariz. De diferentes formas e tamanhos, as peças já famosas entre celebridades negras como Erykah Badu e Rihanna, elevam a autoestima de pessoas negras, segundo relatos das próprias clientes da loja online.
Além dos piercings de pressão, outros acessórios como braceletes, anéis e body chain – correntes para o corpo – fazem parte da Mansa Musa, a primeira e uma das únicas lojas de nose cuff do Ceará. Além de peças autorais, Manu reproduz peças por referências que as clientes pedem e também envia para todo o Brasil.
Fotos de capa: Divulgação.
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Estudante de Jornalismo na Universidade de Fortaleza (Unifor). Vê no fazer jornalístico o poder de tocar e conscientizar as pessoas através de histórias e vivências, principalmente as que não costumam ser o foco da sociedade: vindas da periferia. Sempre fui próxima da escrita, mas para além disso, busco escrever para o meu povo, para quem quer ler sobre afro referências, cultura da favela, manifestos raciais. Por isso, o jornalismo negro é o caminho que busco percorrer em minha carreira.