Lembro bem do momento em que li pela primeira vez o texto “Vivendo de amor“, da bell hooks, que faleceu nesta quinta-feira, 15. Eu estava dentro de um avião, num voo voltando para a minha cidade, um dia após ter chegado no Brasil já com a pandemia do Covid-19 em curso. Eu havia passado 77 dias na África do Sul e, certamente, tinha vivenciado experiências inesquecíveis e que me transformaram de forma definitiva. Entre elas, o afeto sincero e a realidade de ser amada, cuidada e respeitada.
“Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.” (bell hooks)
É tão lindo e ao mesmo tempo surreal como bell hooks confirmou pra mim naquele momento do voo o sentimento de esperança que eu havia tido após as vivências na África. Como era possível, de fato, conhecer o amor? E ser amada? Será que o amor existia mesmo para além da abstração e do sentimento? Como era possível conhecer o poder do amor? E a pergunta mais importante: como o amor podia me curar?
Gloria Jean Watkins (nome de batismo), professora, autora e teórica negra feminista defendia o “amor como uma ação”. E defendia da forma mais convincente com suas palavras de afeto, encontro, empatia, ensinamentos e muitos outros adjetivos que não cabem aqui. Autora de 40 obras (E que eu espero um dia conseguir ler todas) publicadas em 15 idiomas, bell (nome de sua bisavó) ensinou nós, pessoas negras, a reconhecer a nossa potencialidade de amar.
Ao ler o texto e me deparar com a associação que ela fazia do sistema escravocrata e das divisões raciais com a distorção da capacidade de amar da população negra, eu entendi tudo! Nossas feridas são coloniais, porque são frutos de uma colonização desgraçada que matou os nossos ancestrais. E bem devemos lembrar que temos uma raiva, tristeza e angústias ancestrais. As feridas da escravização dos nossos aqui estão, ainda. E devemos lutar contra isso! Sempre, desde sempre e para sempre.
“Quando optamos por amar, optamos por nos mover contra o medo, contra a alienação e a separação, a escolha de amar é uma escolha para se conectar, para nos encontrar no outro.” (bell hooks)
A bell hooks me ajudou a quebrar muros dentro de mim! É impossível eu descrever a contribuição desta grande mulher na minha vida e nos meus ideais; do encorajamento que ela me causou e dos demais impactos definitivos no meu viver. Saber de seu falecimento hoje foi a pior notícia do meu dia. Eu não queria acreditar. Me vi atordoada e desorientada. É uma perda imensurável!
Mas o que me conforta um pouco é o lindo fato de tê-la conhecido, pois seu nome chegou aos meus ouvidos e seus escritos, aos meus olhos e a minha mente. Sou imensamente feliz por ter conhecido e lido bell hooks! Ela transformou minha vida e me fez voltar a acreditar no amor em seus variados aspectos e suas instâncias e possibilidades. É possível amar e ser amada. Obrigada por me ensinar isso, bell. Espero te ler muito mais e quero dizer aqui nesse momento também que nunca vou te esquecer.
Obrigada por ensinar e comunicar que uma mulher preta ferida e exausta de uma vida de violências pode sim ser amada e amar de forma leve. Hoje, eu sei que a minha vida tem real sentido e que eu posso alcançar o que eu jamais imaginaria alcançar porque uma outra mulher preta me estimulou a pensar o melhor pra mim e pro meu povo. Eu posso e nós podemos! Acredito que seu propósito foi de abrir e mostrar caminhos. Quanta beleza existe em você, Gloria. Você é imensamente linda!
Querida bell hooks… que os nossos ancestrais te recebam com todos os afetos. Obrigada por nos falar sobre o amor. Obrigada por me fazer ter esperanças de uma vida feliz enquanto mulher preta, rodeada de afetos verdadeiriso e leves. Porque eu os vou buscar pois acredito na existência deles. E muito disso é graças a você.
Foto de capa: Reprodução.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2023 e 2024. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.