Nascido no Mali, país situado na região Ocidental da África, Boubacar Traoré, 79, tem em si todas as belezas do blues africano, segundo seu site pessoal. É uma espécie de Chuck Berry (1926-2017) malinês ou até mesmo Elvis Presley (1935-1977), tamanha sua importância, talento e influência no Mali. Embalado, claro, por toda a euforia e agitação da conturbada década de 1960.
Também é conhecido como Kar Kar, apelido que ganhou nos tempos que jogava bola, e até hoje leva a alcunha. O nome faz menção a alguém que dribla muito no futebol, onde ele também era muito habilidoso.
Assim como Jimi Hendrix (1942-1970), Traoré aprendeu notas, harmonia e arpejos do violão de maneira autodidata, o que lhe concedeu o desenvolvimento de uma expressão musical muito peculiar, inspirada também pelo toque da Corá, instrumento tradicional da África Ocidental.
A Corá, ou Kora, em francês, tocada pelo também malinês Mamadou Diabaté:
Tudo isso dá a ele uma autenticidade gigante, deixando seu blues muito parecido, e de igual qualidade e sofisticação, com o tocado pelos grandes nomes do blues norte-americano. Podemos encontrar no som de Traoré um pouquinho do lendário Robert Johnson, de Muddy Waters, de Blind Willie McTell e outros nomes do Mississipi Blues.
O Mali, depois de muitos anos de colonização francesa, conseguiu enfim a independência em 1960. Apesar de o novo regime ser baseado nos moldes socialistas, com apoio da União Soviética, uma geração de jovens artistas teve espaço para colocar sua arte livre no mundo.
Boubacar Traoré foi um desses músicos que inspirou o Mali pelas ondas do rádio, cantando a liberdade, a cultura malinesa e trazendo mais esperança ao povo.
Apesar do regime, havia uma certa liberdade aos artistas, devido ao sentimento de pertencimento a um Mali independente culturalmente e à valorização, em certa medida, de uma identidade nacional.
Foi muito popular nessa época o twist, ritmo influenciado pelo rock ’n roll dos EUA, e o Mali Twist de Boubacar Traoré e outros artistas, como Ali Farka Touré, tocou uma geração inteira naquele país que descobria e aproveitava o momento.
Apesar do regime ditatorial, os anos seguintes foram vividos com certa alegria e liberdade, mas em 1968 um golpe militar abalou o país e mudou tudo. O gosto doce da autonomia virou saudade para os malineses.
Com o regime militar instaurado, não havia espaço para o som “agitador” e libertador de Traoré, e ele é obrigado a voltar, sem um tostão no bolso, para sua cidade natal, Kayes, tendo que virar agricultor para sustentar a família. A nova ditadura duraria até 1991.
Em 1987, alguns jornalistas, passando por Kayes, se surpreendem ao encontrar Boubacar Traoré e o convidam a ir à público na televisão nacional. Era a oportunidade que ele precisava. E o próprio povo do Mali também, que cresceu ouvindo Traoré no rádio e agora podia vê-lo na TV e reviver algumas boas lembranças.
Mas a volta ao cenário musical não aconteceu como deveria, quando sua mulher padece ao dar à luz o último filho do casal. Traoré se desestabilizou muito e foi embora para Paris, à procura de trabalho. Viveu um período duro como imigrante na Europa, mas perseguiu sua música, sempre se apresentando nos bairros de Paris.
Foi quando um produtor britânico o encontrou e gravou “Mariama” o primeiro álbum de Traoré, em 1990.
Não era mais a música alegre do jovem de 20 anos, mas ainda era Traoré. Com um som mais melancólico, mais saudoso, mais realista, doloroso e poético. A expressão artística de um homem maduro que passou por várias experiências.
Apesar do conteúdo carregado, o talento e a poesia de Boubacar Traoré o estabilizaram no cenário e, de 1990 a 2005, ele gravou mais seis álbuns: “Sécheresse”, “Les Enfants de Pierrette”, “Sa Golo”, “Maciré”, “Je Chanterai Pour Toi” e “Kongo Magni”.
Finalmente o mundo o descobre em plena atividade, e ele conquista as cenas musicais da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá.
Em 2011, gravou “Mali Denhou” pelo selo Lusafrica. Quatro anos depois, lançou “Mbalimaou”, já dominando sua expressão artística e fazendo experimentações com outros ritmos e percussões, mas sem perder a sutileza e a simplicidade do seu estilo, nem o toque da Corá.
Boubacar Traoré fez parcerias com vários artistas do sul dos Estados Unidos, uniu em arte o blues dos antigos rios Níger e Mississipi. No Mali, ele é um dos artistas mais conhecidos, principalmente pelos jovens que o tem como fundador da moderna música mandinga, a qual ele é embaixador até hoje, aos 79 anos de idade.
Através da arte e da música tradicional dos povos do Mali, esperamos que ele possa ser visto, ouvido e possa se desenvolver como deve.
Já conhecia esse artista? O que achou? Que outro(s) artista(s) negro(s) a gente precisa conhecer?
Foto de capa: Divulgação.
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Formado em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza (Unifor), mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), na linha de pesquisa fotografia e vídeo. Redator, roteirista e editor de podcast e peças em áudio. Profissional do marketing, trabalha com comunicação digital e comunicação política.