Narrativas

Combate à Intolerância Religiosa e a realidade ainda é essa: “Eles nos matam em nome de Jesus”

Anualmente, em 21 de janeiro, se celebra no Brasil o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Instituído pela Lei nº 11.635/200, o dia foi criado em homenagem à Mãe Gilda, do terreiro Ilê Abassá de Ogum (BA). A Ialorixá foi vítima de intolerância religiosa e teve um agravamento nos seus problemas de saúde depois de sofrer ataques de ódio e agressões verbais e físicas de um grupo de pessoas de outra religião. Intolerância que Mãe Gilda ainda sofre mesmo após a sua morte. Um busto, que homenageia a Ialorixá, localizado no bairro de Itapuã, em Salvador (BA), já sofreu vandalismo duas vezes. 

O Brasil é um país miscigenado, com uma diversidade de religiões. Entre elas, o Candomblé e a Umbanda. O Candomblé é uma religião afro-brasileira com diferentes elementos culturais africanos, trazidos na época da Escravidão (1500-1888). Há informações que afirmam que a Umbanda foi criada no Brasil, no ano de 1908. A religião sincretiza elementos dos cultos africanos com elementos de religiões indígenas, do catolicismo e do espiritismo kardecista. 

As crenças afro-brasileiras são o principal alvo de intolerância religiosa em nosso país. Adeptos do Candomblé e da Umbanda, além de ter que lidar com olhares de julgamento e em muitos casos com violência física também, ainda lidam com a possibilidade de terem seus templos invadidos e vandalizados. 

Vivências

Marcílio Júnior, 20, natural do Rio de Janeiro (RJ), é Ogan no terreiro Kwe Ogbànlá Sají, em Salvador (BA). O jovem afirma que está na religião desde que nasceu, já que sua família toda é do Candomblé: “Eu cresci no terreiro”. Apesar de nunca ter sofrido ou presenciado agressão física, ele confessa que os olhares são algo muito comum. “Já houve casos de eu estar com roupa de santo e receber aqueles olhares de julgamento, o que não deixa de ser um ato de intolerância…”.

Marcílio Júnior, 20 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

No primeiro semestre de 2019, houve um aumento de 56% no número de denúncias de intolerância religiosa, quando comparado ao mesmo período do ano anterior. E a maior parte das denúncias foram feitas por adeptos do Candomblé e da Umbanda. Os dados são do Balanço Disque 100 –  Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Danilo Rodrigues, 23, empresário, é Yawô de Ossain, iniciado pelo Babalorixá Papaizinho Anderson de Oxoguian, no Ilè Asé Omi Oyin Ogyiàn, descendente do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o 1º terreiro de candomblé de Ketu no Brasil, localizado no Rio de Janeiro (RJ). Danilo diz que sofre intolerância no transporte público, quando sai do terreiro vestido de macumbeiro (como ele gosta de dizer) é recorrente no seu dia a dia.

Além dos olhares, ele afirma que é muito comum que o motorista, assim que o vê entrando no transporte, coloque uma música cristã para tocar. “Eu lido muito bem com essas questões, o preconceito é problema do outro, não meu. Mas a partir do momento que ele invade o meu espaço, isso dói”, completa ele. 

Danilo Rodrigues, 23 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

Realidade

No Rio de Janeiro (RJ), os “Traficantes de Jesus” é um grupo que tem crescido e disseminado violência e intolerância religiosa. Danilo conta que os traficantes não permitem que na região que eles tomam “conta” tenha qualquer outra religião que não seja a protestante. “Terreiro de Umbanda ou de Candomblé eles não aceitam, eu já tive uma vizinha que tinha um terreiro de Candomblé há mais de 25 anos e foi expulsa da favela porque eles ameaçaram quebrar o terreiro todo se ela não saísse de lá. Esse é um de muitos casos que aconteceram. Eles nos matam em nome de Jesus”. 

Apesar de toda violência que sofrem, simplesmente por exercerem a sua fé, Marcílio e Danilo afirmam o quanto a religião é uma peça importante em suas vidas. “Eu vivo para a religião. O candomblé é a paz, a união, a fé, o amor e sobretudo a ancestralidade. Só queremos respeito, as pessoas não têm que nos tolerar, elas têm que nos respeitar”, completa Marcílio.

Já para Danilo, reafirmar que é do Candomblé é também um ato político. Por isso, ele faz questão de usar seu fio de conta, que é sua guia de proteção, que para ele, de certa forma inibe a intolerância das pessoas nos ambientes em que ele circula.

Foto: Ogan Marcio de Xangô.

“Desde criança nos ensinam que Exu é o demônio da religião Cristã, e não é nada disso, uma vez eu falei: “ensinem para as crianças que Exu não é um demônio” e o meu pai de santo me respondeu: “Não precisa ensinar que não é o demônio, é só não ensinar que ele é, porque se você não ensinar que ele é o demônio, ninguém vai associar à imagem dele”, finaliza Danilo.

Denuncie!

Para denunciar qualquer tipo de violação de direitos humanos – incluindo aqueles que são de natureza Intolerância Religiosa, o governo criou em 2011 o Disque 100. O número funciona 24 horas por dia.

Foto de capa: Ogan Márcio de Xangô.

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