Em 20 de novembro de 1971, o Grupo Palmares — conhecido pela luta em prol direitos da população negra em Porto Alegre (RS) — realizou um ato para discutir a luta contra o preconceito racial. Na época, os estudos sobre a história e a importância de Zumbi dos Palmares (1655-1695) era tema de discussão e a data escolhida para o ato marcava o dia em que Zumbi havia sido executado.
Em São Paulo (SP), sete anos depois dessa reunião, o Movimento Negro Unificado (MNU) usou como referência o ato realizado em Porto Alegre e realizou manifestações com o mesmo objetivo: lutar por direitos para a população negra no Brasil. Assim, em uma das assembleias desse grupo, foi estabelecido o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, que foi institucionalizado apenas em 2011, por meio da Lei nº 12.519.
Desde então, celebramos o 20 de novembro, como homenagem à figura de Zumbi e também como forma de relembrar a trajetória de lutas e resistências do povo negro no Brasil.
Entendendo a importância de evocar a Consciência Negra não só nos dias 20 de novembro, mas durante todo o ano, elaboramos uma lista com cinco indicações de livros para refletir não apenas sobre essa data, mas conhecer diferentes visões de pessoas negras sobre experiências próprias e estudos acadêmicos a respeito do que é ser negro.
Confira as indicações a seguir:
Tornar-se negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social (Neusa Santos Souza)
Publicado originalmente em 1983, Tornar-se negro foi pioneiro ao conectar a psicanálise com a questão racial. De forma inovadora e potente, a psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza (1948-2008) dedicou um estudo acadêmico à vida emocional de negros e negras, justificado pela absoluta ausência de um discurso nesse nível elaborado pelo negro acerca de si mesmo.
Partindo da própria experiência de ser negra numa sociedade de hegemonia branca, Neusa analisa uma série de depoimentos dados a ela, assinalando neles as consequências brutais do racismo e da introjeção do padrão branco como o único caminho de mobilidade social para o negro. São histórias de vida de 10 personagens que se autodefinem e falam das estratégias para a ascensão, cujo custo emocional é o da sujeição, da negação e do apagamento de suas identidades, sua cultura e seus corpos.
Na minha pele (Lázaro Ramos)
Movido pelo desejo de viver num mundo em que a pluralidade cultural, racial, étnica e social seja vista como um valor positivo, e não uma ameaça, Lázaro Ramos, 44, divide com o leitor suas reflexões sobre temas como ações afirmativas, gênero, família, empoderamento, afetividade e discriminação. Ainda que não seja uma biografia, em Na minha pele (2017), Lázaro compartilha episódios íntimos de sua vida e também suas dúvidas, descobertas e conquistas.
Ao rejeitar qualquer tipo de segregação ou radicalismos, Lázaro nos fala da importância do diálogo. Não se pode abraçar a diferença pela diferença, mas lutar pela sua aceitação num mundo ainda tão cheio de preconceitos. Um livro sincero e revelador, que propõe uma mudança de conduta e nos convoca a ser mais vigilantes e atentos ao outro.
Quando me descobri negra (Bianca Santana)
“Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes, era morena”. É com essa afirmação que Bianca Santana, 38, inicia uma série de relatos sobre experiências pessoais ou ouvidas de outras mulheres e homens negros. Com uma escrita ágil e visceral, denuncia com lucidez – e sem as armadilhas do discurso do ódio – nosso racismo velado de cada dia, bem brasileiro, de alisamentos no cabelo, opressão policial e profissões subjugadas.
Quando me descobri negra (2015) fala com sutileza e firmeza de um processo de descoberta inicialmente doloroso e depois libertador. Bianca Santana, através da experiência de si, consegue desvelar um processo contínuo de rompimento de imposições sobre a negritude, de desconstrução de muros colocados à força que impedem um olhar positivo sobre si. Caminhos que aos poucos r evelam novas camadas, de um ser ressignificado. Considero este livro um presente, é algo para se ter sempre às mãos e ir sendo revisitado. Bianca, ao falar de si, fala de nós.
O pacto da branquitude (Cida Bento)
Diante de dezenas de recusas em processos seletivos, Cida Bento identificou um padrão: por mais qualificada que fosse, ela nunca era a escolhida para as vagas. O mesmo ocorria com seus irmãos, que, como ela, também tinham ensino superior completo. Por outro lado, pessoas brancas com currículos equivalentes ― quando não inferiores ― eram contratadas.
Em suas pesquisas de mestrado e doutorado, a autora se dedicou a investigar esse modelo, que se repetia nas mais diversas esferas corporativas, e a desmistificar a falácia do discurso meritocrático. O que encontrou foi um acordo não-verbalizado de autopreservação, que atende aos interesses de determinados grupos e perpetua o poder de pessoas brancas. A esse fenômeno, Cida Bento deu o nome de pacto narcísico da branquitude.
Neste livro, a co-fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) reúne sua experiência para apresentar evidências desse acordo tácito e nos convidar a deslocar nosso olhar para aqueles que, a fim de se manter no centro, impelem todos os outros à margem.
Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (Sueli Carneiro)
Entre 2001 e 2010, a ativista e feminista negra Sueli Carneiro, 72, produziu inúmeros artigos publicados na imprensa brasileira. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (2011) reúne, pela primeira vez, os melhores textos desse período. Neles, a autora nos convida a refletir criticamente a sociedade brasileira, explicitando de forma contundente como o racismo e o sexismo têm estruturado as relações sociais, políticas e de gênero.
Foto de capa: Tima Miroshnichenko/Pexels.
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Apaixonada por livros, filmes, séries e podcasts. É formada em Letras – Licenciatura em português e inglês pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), especialista em Literatura brasileira pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE), assistente editorial e autora do livro “O céu não é azul” (2020).