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Depois do sonho

Eu sempre fui muito sonhadora. Na infância, gostava de imaginar mundos. Imaginava diversas realidades além da que eu vivia. Amava brincar de boneca porque eu inventava a vida delas. Era divertido imaginar.

Quando minha mãe me fazia a pergunta: “O que você vai ser quando crescer?”, eu listava, no mínimo, cinco profissões: atriz, cantora, médica veterinária, dentista, professora, modelo, estilista… Eu sentia que a vida poderia ter muitas possibilidades, cresci num ambiente onde eu tinha o mínimo para sonhar.

“Ninguém te avisou
que as mulheres que tiveram seus pés
impedidos de correr
dariam à luz
filhas com asas”
Ijeoma Umebinyuo

Recentemente, todas as perspectivas profissionais idealizadas se realizaram. As coisas que eu me movia diariamente pra conquistar estavam ali. De repente, as atividades que preenchiam minha rotina em busca desse sonho, não estavam mais lá. O pensamento e foco voltados pra realização desse objetivo também não eram mais necessários: pois já tinha acontecido! Eu já estava no horizonte que prometia ser a morada da felicidade. E agora?

“E depois que o meu sonho for realizado, quem é quem acorda? […] eu depois do sonho realizado, vou continuar sendo eu?”
Liana Ferraz

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Foi nesse momento que entendi que “o preço do sonho é o próprio sonho”. E é um preço caro a se pagar quando era ele que estava ali te fazendo suportar os momentos de angústia e aflição. Era ele que te amparava em cada etapa realizada, era aquela companhia inconsciente, mas consistente. E o que fazer então quando aquilo que sonhamos se realiza?

“Eu não herdei o trono, eu recuperei e pronto
Perdi noites e noites de sono
Entre foices da corte e sangue derramado de quem veio antes
E o resultado tu não quer que eu cante? Eu canto”

BK’ e JXNV$

Hoje eu parei pra reverberar no meu corpo e na minha mente tudo que tinha acontecido, e o que seria a partir dali. Me perguntei se havia uma forma de saciar o sonho sem devorá-lo. Fechei o olho e me senti criança novamente, imaginando mundos. E mundos que só eram possíveis, porque o sonho não era mais sonho, ele era realidade! Ele era o novo chão que eu pisava e, lá longe, eu conseguia ver novos horizontes. Eis a beleza da vida: Reinventar o sonho!

Enquanto mulher negra, entendo que imaginar horizontes quando meus ancestrais foram trazidos na clausura de um navio negreiro, com sua capacidade de sonhar sendo arrancada; é um compromisso ancestral. A alegria é uma resistência em um mundo que somente nos quer tristes e a semente da liberdade é o sonho!

Foto de capa: Clement Eastwood/Pexels.

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