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Por que bebês negros cuidados por médicos negros vivem mais nos EUA?

Estudo recente feito nos Estados Unidos mostra que bebês negros americanos tem três vezes mais chances de viver, quando assistidos por médicos negros. Jornais, como The Guardian, CBC, USA Today, Sciencenews, entre inúmeros outros, resolveram falar sobre esse assunto, que repercutiu em mais de nove diferentes portais.

Como correspondente do Negrê nos Estados Unidos, é natural que eu escreva sobre o assunto. Mas como mulher negra e mãe, dói, e muito… Falar sobre isso. Então, embora a princípio a ideia fosse escrever sobre, da maneira mais informativa possível, senti de forma latente a necessidade de escrever um artigo como não só correspondente, mas mãe do bebê preto mais lindo (desculpa mamães) do mundo.

Não é fácil, mas vamos aos fatos. Bem, pra quem não sabe, existem alguns rankings liderados pelos Estados Unidos que, além de não serem nada atraentes, não são de conhecimento da grande massa. Um deles, é a taxa de mortalidade infantil. Países, como Turquia, Chile e Estados Unidos lideram quando o assunto é morte prematura. Ou seja, morte causada nos primeiros dias de vida.

Para você ter ideia, o jornal norte americano CDC publicou no ano passado, um relatório no qual descobriu que mais de 22 mil bebês morreram em 2017, antes dos 12 meses de vida. Todavia, o número de morte de bebês pretos, é mais que o dobro do número de latinos, asiáticos e brancos. Muitas dessas mortes aconteceram um pouco depois do parto, o que mostra que muitas mães, não sabem se poderão levar seus filhos para casa. Torna-se crucial os primeiros dias do recém-nascido no hospital. 

Foto: Tolu Bamwo/Nappy.

Mas, Rhaissa… Por que esse número exorbitante diminui quando o bebê é cuidado por um médico preto? 

Antes, peço licença para falar um pouco de como estou surpresa (de forma negativa) com o sistema de saúde desse país que, antes de morar aqui, eu pensei tratar-se do “paraíso”. De forma rápida, deixa eu contar um relato que me surpreendeu. A filha de uma colega de trabalho, por morar em um lugar bastante frio acabou contraindo pneumonia e, logo em seguida, foi a óbito. Em pleno século 21, vir alguém jovem, falecer com uma doença tão “fácil de tratar” na maior potência mundial, foi algo que me impressionou, confesso. 

A questão é: o sistema de saúde americano é muito caro e chega a ser arcaico em alguns pontos. Embora isso atinja a população de modo geral, fica nítido que, no momento do atendimento, o racismo prevalece e o tratamento dos médicos brancos com pessoas brancas, latinas ou asiáticas, é totalmente diferente do tratamento dado aos afro-americanos. A questão racial fica tão perspetível, de modo que, médicos negros, ao cuidarem dos bebês da mesma raça, acabam “fazendo” com que tais “seres humaninhos” tenham mais chance de continuar vivendo. Do contrário isso, não acontece; quando estudos mostram que o tratamento ofertado por pediatras negros é o mesmo para toda e qualquer linhagem.

Os afro americanos, ao perceberem que seus filhos correriam mais risco de vida, ao depender da “origem” do pediatra, passaram a tentar agendar as consultas dos filhos com médicos pretos. O problema, é que segundo a Associação dos Médicos Americanos, apenas 5% dos médicos no país são negros. O que impossibilita limitar o atendimento. Para muitos, a solução não seria limitar as consultas aos médicos pretos, mas “ensinar” aos médicos brancos como tratar as crianças pretas. O que soa absurdo pra mim, já que no final do dia, só queremos ser tratamos como seres humanos que somos; pedido esse que para muitos, parece utópico, infelizmente.

Foto: Sandy Torchon/Pexels.

O racismo estrutural existe não só no parto, mas no pós; estudos afirmam que a problemática começa ainda na gravidez. Isso porque, sistema público de saúde não é algo que exista por aqui. Na realidade, o governo até custeia as despesas hospitalares do cidadão. Mas para isso, ele deve ser um “morador de rua”, sem nenhum tipo de condição financeira, trabalho, enfim. É tão complexo que parece inexistente. O seguro de saúde raramente cobre tudo e as mulheres muitas vezes precisam pagar boa parte dos gastos médicos durante a gestação. Infelizmente, muitas mulheres negras aqui não tem as mesmas condições financeiras das brancas e a gravidez acaba sendo bem mais precária. 

Economicamente, tal questão fica muito visível por aqui. Pessoas com um nível maior de escolaridade, cargos profissionais de maior destaque, acesso à alimentação saudável, muitas vezes, são pessoas brancas. Por mais que a população preta seja cerca de 13% população americana, essa situação de desigualdade, ao meu ver, fica cada vez mais notória. E isso faz com que tais crianças muitas vezes já nasçam um pouco mais debilitada (uma vez que a mãe desde a gravidez já não tinha hábitos saudáveis ou devido ao cuidado médico). A situação vai virando uma “bola de neve” e a criança torna-se mais uma na estatística.

Entretanto, se vocês me perguntarem como solucionar essa lástima… Com muito pesar no coração eu não saberei responder. Precisamos estudar mais, se dedicar mais, lutar mais… E assim, quem sabe, sonhar com um lugar de destaque. Talvez o primeiro passo seja a união, a luta, a revolução, o protesto… Tudo isso que já estamos fazendo. Na Flórida eu presenciei o #BlackLivesMatter (Vidas Negras Importam). No Brasil, estamos unidos com esse portal de mídia negra nordestina e, pouco a pouco, mostramos ao mundo que nosso povo existe e merece ser tratado como gente.

Obviamente a ideia de lutar por igualdade é tão tola que chega a ser insana pra mim. Lutar por algo tão óbvio, é tão triste. Mas, infelizmente, a realidade é outra e estamos aqui para fazer parte de uma geração que irá transformar a próxima. Dar a geração futura a oportunidade de viver, dar aos bebês futuros a oportunidade de sonhar. 

*Correspondente internacional do Negrê nos Estados Unidos

Foto de capa: Fly View Productions/Getty Images.

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