Escrita Negra

Estrelas

Onde vivo vejo estrelas todo dia
Daquelas que, olhando pra cima, nenhum de vocês veria
Tipo seu zé no roçado, suor na testa ao meio dia
ou um balaio de roupa sobre as tranças grisalhas de dona maria

É o brilho no olhar do pequeno joão
no sítio catando frutas, côco, cajá, melão
Ao invés de tá na rua com os amigos segurando um oitão
ou no noticiário, corpo estendido no chão

É o jovem emanuel que mesmo em dificuldades
Não passar bucha nem toca, e sim pra universidade
Aos 25 contrariando a taxa de mortalidade
Não terminando sua vida, mas terminando a faculdade

É o carinho de vozinha, mãe, benzedeira, mulher
Relembrando ensinamentos da memória e da fé
da arte de sua mãe, da cura com ervas finas
que a ciência não entende, e nem cabe à medicina

Essas estrelas brilham logo cedo, ao amanhecer
Acordam, preparam o café e antes do sol nascer
se amontoam, todas juntas, formando uma constelação
no balanço, na poeira e na ferrugem do busão

Chegam, vestem a farda, batem o cartão
trabalham, almoçam, depois voltam pra função
No fim do dia, algumas cansadas, se vão
Umas voltam pra casa, outras, às vezes não

Cochilam na condução, todas amontoadas
na lotação, dormindo apertadas, em pé, sentadas
Algumas, dormem de dia pra trampar na madrugada
enquanto a família reza pra que ele ao fim da jornada

A maioria delas “são até pessoas decentes”
Umas perderam os sonhos e o brilho, infelizmente
Outras ainda resistem, retornam para o batente
realizando os próprios sonhos (são estrelas cadentes)

Onde vivo contemplo estrelas todo dia
Daquelas que, olhando pra cima, nenhum de vocês veria
Sobrevivemos anos luz, com suor e valentia
Sonhos, amores, dores, crenças… e alguma poesia

Esse brilho que só existe nessa terra estrelada
se escreve em algumas linhas por estrelas inspiradas
Uns ignoram esse brilho, acham que não somos nada
Mas nossa constelação é foda, e o nome dela?
É Quebrada!

*A poesia é de autoria de Kleyton Souza (RN).
MC, produtor cultural, articulador no movimento hip hop potiguar, graduanda em Produção Cultural pela Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e integrante do Coletivo Quinto Elemento.

Foto de capa: Kleyton Souza.

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