Mulher negra, nascida no Rio de Janeiro, fundadora e diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR). Além de ser mãe da Alice de dois anos. Luana Génot, 32, é ainda mestra em Relações Étnico-Raciais pelo CEFET-RJ e autora do livro Sim à Igualdade Racial, da Editora Pallas. Na semana, ela é colunista do Jornal O Globo e aos domingos, escreve para a Revista Ela.
Fluente em francês e inglês, ela tem atuado como palestrante em diversos países, como Brasil, França, Estados Unidos e Sri Lanka. Para a editoria Pretassa – voltada para mulheres negras – dessa semana, a reportagem do site Negrê entrevistou Luana Génot que esteve na cidade de Aquiraz (CE) durante esses dias em um parque de diversões do Ceará, o Beach Park. Confira na íntegra!
Negrê – Luana, vejo que você tem uma trajetória linda de vida e, como mulher negra, sabemos que foi construída de forma muito árdua, enfrentando diversos desafios e dificuldades para ocupar lugares. Quais foram os principais desafios e as dificuldades que faziam você dizer a si mesma enquanto mulher negra: “Eu não vou desistir”?
Luana Génot – Primeiro que sendo a primeira mulher negra da minha família ter tido acesso ao ensino superior, eu entendo que não foi uma conquista só minha. Obviamente, me esforcei, fiz tudo aquilo que deveria fazer, passei nas provas, estudei muito, sempre me esforcei muito pra chegar em determinados lugares enfim. E reconheço esse esforço, mas não é só mérito meu, é um mérito coletivo. É um mérito de tantas e tantos outros que lutaram pra que portas se abrissem com políticas públicas e oportunidades especialmente pra pessoas negras, pra jovens negros, entendendo todo um processo de escravização no Brasil. Então, eu acho que quando você, por exemplo, entende o tamanho da tua responsabilidade é como se isso também fosse um grande motor pra você não desistir. Mesmo com todas as dificuldades, né… Você entende que, pelo fato de você estar em determinado lugar, é fruto dessa conquista de muitas lutas, existe, pra mim, pelo menos um fator motivação pra não desistir. Porque eu entendo que o fato deu estar aqui é responsabilidade de tantos outros. Eu também tenho responsabilidade de abrir portas pra tantos outros e tantas outras. Então, eu acho que é esse conhecimento da história que faz ter mais forças pra não desistir, mesmo com as circunstâncias.
N – Sabemos que enquanto mulher negra ocupar lugares nunca tem sido fácil, mas é transformador para a nossa comunidade. No mercado literário, não seria diferente. O que você gostaria de destacar sobre a construção do seu livro e o que enfrentou para jogá-lo no mundo?
L.G. – Eu sempre entendi o livro, né, como uma obra que eu não queria que ficasse engavetada. Obviamente, respeito todo tipo de decisão quando você publica uma dissertação ou uma tese e você tão somente quer provocar uma reflexão que, eventualmente, vai ficar restrita a um grupo, que vai ser importante de qualquer forma. Mas no meu caso, desde quando eu fiz o mestrado, eu sabia que eu queria publicar. E aí, eu fiz um plano de trabalho né em relação a isso. Eu sabia que, pra que eu pudesse publicar de uma forma mais ampla, não como uma publicação estritamente acadêmica mas que também fosse de possível alcance pra um público maior, eu precisaria adaptar isso. Então, eu já tinha isso em mente. Eu sabia que eu precisaria procurar uma editora, então, desde do meio do mestrado, eu comecei a procurar editoras. Eu fiz um planejamento, comecei ali no meio, tentar saber como é que eu poderia publicar, enfim. A virada de chave foi quando eu falei pro Lázaro Ramos e ele me apresentou a uma das editoras dos livros dele, que foi o pessoal da Pallas. Ele falou assim: “Luana, procure essas pessoas que elas vão poder te dar um norte”. E essas pessoas leram o que eu tinha escrito, acharam muito bom e aí me nortearam pra “ah, vamos tentar adaptar por esse caminho” e aí, eu dei a ideia das 16 entrevistas e eles me apoiaram nisso. Justamente me direcionaram: “ah, tenta fazer as 16 entrevistas nesse prazo com essa pegada”, ajudaram a fazer um processo de edição e corte desse livro. Então, digo que ter acesso ao mercado literário é uma questão de oportunidade. Talvez, se não fosse a figura do Lázaro me abrir essa porta, eu talvez não tivesse conseguido o contato certo da pessoa certa pra publicar o meu primeiro livro. E nem a possibilidade de ser indicada ao Jabuti [Prêmio de Literatura]. Então, tudo é uma questão de oportunidade. E meu sonho e minha responsabilidade eu entendo seja expandir a possibilidade de oportunidades pra que tantas outras e outros autores tão qualificados possam também ter a oportunidade de publicar seus livros. E escrever, compartilhar as suas escritas pro mundo. Eu acho que isso é fantástico, é transformador e o mundo tem muito a ganhar ao ouvir mais mulheres e homens negros que tenham narrativas que vão causar tanto impacto e identificação com tantas outras pessoas que não necessariamente conseguem ter acesso àquilo que elas escrevem. Porque elas não tão inclusas no mercado literário. Muitas vezes, só escrevem em blogs ou em espaços mais restritos. Então, acho que se a gente dar mais oportunidades pra autoras e autores negros, a gente pode transformar o mercado literário brasileiro.
N – Além das conquistas aqui no Brasil, você construiu uma trajetória no exterior também. O que você diria para outras mulheres negras que sonham e buscam impulsionar a carreira profissional fora do nosso país?
L.G. – Eu diria que é absolutamente fundamental poder se abrir a novas culturas, poder se permitir a estar em outros espaços. É óbvio que não é fácil, né… pra muitas que não tem necessariamente poder aquisitivo como eu também não tinha. O que me permitiu ter uma vida profissional fora, especialmente em um período mais recente, foram políticas públicas. Então, a gente sabe que nem sempre elas estão disponíveis pra gente. No caso, quando eu fui morar nos Estados Unidos, já como publicitária, fazer parte da campanha do Barack Obama, trabalhar numa agência de publicidade, eu era bolsista do Programa Ciências sem Fronteiras. Então acho que, obviamente, a gente tem que combinar o querer e o planejar com também a incidência sobre a esfera pública pra que hajam mais oportunidades em massa, em cadeia, coletivamente, pra que mais pessoas como nós possamos ter acesso as essas oportunidades. Como eu falei, tudo é uma questão de oportunidades. Eu tive a possibilidade e a oportunidade de poder aplicar pra estudar fora, ter todo esse período custeado com verba pública. O que é nada mais justo. E eu desejo que mais oportunidades como essas sejam dadas especialmente à população negra. Tanto que na minha época, do Programa Ciências sem Fronteiras, eu era a única mulher negra naquele espaço entre os bolsistas que foram pra minha universidade. Então, pra mim, foi fundamental essa oportunidade que eu recebi. Agora, a minha responsabilidade é eu tentar obviamente fazer uma incidência na esfera privada, sobretudo, que também pode fazer seu papel. Com menos poder de generalização da esfera pública, mas também pode fazer em complementariedade com a esfera pública. E mudando a esfera privada pra fazer uma incidência sobre a pública pra que a gente possa multiplicar essas oportunidades. Pra que elas não sejam mais algo isolado. Eu acho que meu maior sonho é não ser uma história única. Eu não quero que isso seja uma história única.
N – Você tem projetos com a juventude periférica aqui no Brasil. De que forma você visa um futuro melhor para jovens negros no nosso país?
L.G. – Eu acho que o futuro do jovem negro deveria ser prioridade como um projeto de governo. Acho que é muito isso, né… já é lei, previsto no Estatuto da Igualdade Racial e deveria ser um projeto de governo. Mas nem sempre a gente vai ver isso refletido como algo que, de fato, é um projeto em curso, né. Em algumas instâncias, a gente vai ser bem representado, em outras não… E é isso, a gente precisa lidar com isso. Agora, onde eu acho que a gente pode fazer uma incidência direta e de imediato, independente do governo, é na esfera privada. Então, eu acredito muito que jovens negros possam incidir cada vez mais sobre a esfera privada. E, justamente, cobrar as marcas e as empresas um posicionamento ativo em relação a pauta da promoção da igualdade racial. Por exemplo, a gente pode cobrar isso pras empresas que a gente segue no Instagram, nas postagens que a gente vê no Twitter. A gente pode fazer essa incidência acontecer de uma forma mais direta e imediata. E, obviamente, sempre olhando a esfera pública também porque a esfera pública e privada se complementam. Então, dito isso, eu acho que nós, jovens negros, podemos fazer essas esferas olharem mais intensamente pra pauta racial. E assim, a gente vai construir um futuro de muito mais oportunidades pra nós. Eu acho que é isso, a gente tem a responsabilidade de cobrar e fazer com que as oportunidades se multipliquem. Pra que a gente não viva só na lógica da escassez, mas na da oportunidade pra permitir abrir portas pra que a gente tenha outras possibilidades e narrativas.
N – Você é também co-fundadora do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil. Quais as suas inquietações para a existência de um comitê dessa natureza dentro de um grupo feminino? Quais transformações ele pode trazer?
L.G. – Olha, o Grupo Mulheres do Brasil é um dos maiores grupos políticos apartidários do Brasil. Eu acho que só de você entender que fazer política não é só tá afiliado a um partido, é a forma como você se posiciona, é a forma como você se agrupa com outras pessoas que têm interesses em comum… isso também já é uma forma de dialogar mais sobre seu espaço cívico, sobre os seus direitos e os seus deveres. Então, o grupo tem uma extrema importância ao meu ver. A gente é capitaneado pela Luiza Trajano, que tem também esse diálogo com o poder público e o poder privado, né… e entende seu lugar de privilégio como uma mulher que é herdeira de grande fortuna e tá a frente de um grande conglomerado de varejo… mas que também aproveita esse espaço pra abrir outras fontes, então acho que a gente tem nela uma grande aliada. Tenho nela como uma grande aliada. Tem um grupo de pessoas em que temos muitas aliadas pra fazer pautar questões a partir do uso dos seus privilégios, questões que não necessariamente ganham reverberação na boca de outras mulheres da boca dessas mulheres ganham. Então, o poder de grupos como esses é de achar as aliadas potentes e que estejam dispostas a fazer a diferença na incidência de causas que não necessariamente ganham espaço como deveriam. Então, eu acredito muito no aliamento com mulheres que entendam seus espaços de privilégio. Agora, quando eu cheguei no Grupo Mulheres do Brasil, não tinha um Comitê de Igualdade Racial. Então, a grande diferença foi a abertura da Luiza pra falar: “Opa, não dá pra falar sobre mulheres do Brasil, não pautando mulheres negras”. Então, quando eu cheguei lá e a gente conversou sobre isso, eu falei: “Não dá pra ter um grupo de mulheres sem falar de mulheres negras” e ela foi super aberta a isso… eu senti que com essa abertura a gente poderia construir algo em conjunto e em comum e aí nasceu o Comitê de Igualdade Racial! E a partir daí, tem comitês de Igualdade Racial no Brasil inteiro agora. E mais mulheres falando sobre o assunto. A gente tá num momento perfeito? Não! Mas a gente tá num momento de maior discussão e de núcleos de mulheres em diversas partes do Brasil, podendo discutir essa temática com outras mulheres que não necessariamente olhavam pra essa pauta antes. Então, eu acho isso muito poderoso. Eu acho que isso já é uma conquista, é óbvio que a gente quer ver conquistas muito mais práticas tipo… imediatamente o número de mulheres negras aumentando nas empresas de outras mulheres, mulheres brancas por exemplo. Mas eu acho que só discutir mais abertamente a temática, a gente já ganha. Eu acho que cada vez mais a gente poder pautar a igualdade de gênero, não só pela ótica de mulheres brancas, todo mundo ganha. Porque a igualdade de gênero, ela deve ser interseccional pra que seja, de fato, democrática. Pra que, de fato, muitas mulheres sejam representadas. Porque pra falar sobre mulheres, não dá pra falar somente de mulheres brancas…
Foto de capa: Hei Nascimento e Tamara Lopes.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2023 e 2024. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.