A engenheira de produção Tauana Souto Garner, 31 anos, embarcou nos Estados Unidos para o programa de Au Pair [intercâmbio de trabalho e estudo] entre 2015 e 2017 e realizou o sonho de viajar para o exterior, tendo conhecido cerca de oito países. Nascida na Penha, no Rio de Janeiro, ela viveu boa parte de sua vida no município de Rio das Ostras (RJ), o qual se refere com muito carinho. Atualmente, mora na região de Annandale, situada no estado de Virgínia (EUA), onde cursa mestrado em Information Technology Management em Washington University of Virginia.
Na editoria Pretassa (mulheres negras) e Percursos (viagens) dessa semana, a reportagem do Negrê conversou com Tauana Souto sobre suas experiências e perspectivas no exterior enquanto mulher negra e periférica. Confira a seguir!
Negrê – Por quê você decidiu ingressar no programa de Au Pair? Quais foram as principais motivações?
Tauana Souto – Eu decidi fazer o Au pair nos Estados Unidos após voltar de um intercâmbio na Irlanda em 2013 quando percebi que o mundo tinha muito a oferecer. Nascida numa família humilde, criada apenas pela minha mãe que foi doméstica e a vida quase inteira junto com a minha irmã mais nova, eu sempre tive sonhos grandes que não eram compatíveis com a minha realidade mas sempre tive Deus no coração e muita fé de quem um dia viveria meus sonhos. Sempre fui apaixonada por Inglês e sempre tive vontade de morar fora e, logo assim que comecei a trabalhar aos 18 anos, comecei a poupar meu dinheiro para fazer meu intercâmbio. Após 1 mês e meio em Dublin, eu vi que sim era possível sonhar e realizar com determinação. O pouco tempo que passei naquele país foi o suficiente para ver que era aquilo mesmo que eu queria, me aventurar, ter a experiência de morar fora e aprender o Inglês de verdade. Foi assim que descobri o Au pair, procurando no Google formas “baratas” de fazer intercâmbio, pois eu não tinha nem o inglês nem dinheiro. E o programa de Au pair foi a melhor opção pois além de morar fora eu iria aprender inglês e trabalhar. Então, em 2 anos fazendo meu MBA e trabalhando muito, comecei a juntar meu dinheirinho, dei entrada no processo e iniciei um dos meus grandes sonhos.
N – Você sempre teve vontade de morar nos Estados Unidos? Você comentou que sua mãe tinha receio devido ao racismo… como você se sentia em relação a isso? Ficou insegura em ir morar no exterior por ser negra?
T.S. – Sempre foi um sonho conhecer lugares e pessoas diferentes. Morar fora sempre foi parte dos meus planos. Sempre fui minoria (preta) em quase tudo que fiz. No início, me incomodava. Hoje, sinto um orgulho enorme quando sou a única mulher ou a única negra. Desde a faculdade fazendo Engenharia, MBA [Master of Business Administration] e hoje no mestrado, vejo cada etapa como um degrau a mais para o sucesso de uma pobre favelada (nascida na favela) mulher e negra. E sim, a cor da minha pele quando fechei o processo de Au pair era uma barreira e um medo interno que eu não queria externar pois também era um grande medo da minha mãe. Tínhamos um certo receio principalmente se tratando dos Estados Unidos em uma situação em que eu iria morar e não somente passear. Mas, mais uma vez, Deus me surpreendeu e tomou conta de tudo e fechei o processo com uma família militar onde o pai era negro e a mãe branca e as meninas que tomei conta eram as crianças mais lindas que eu já vi. Isso me deu segurança de uma certa forma e sem dúvida foi a experiência mais incrível que vivi baseada com muito respeito e admiração pela família linda em que os meus hosts formavam e ainda formam diante de tudo o que já enfrentaram. Por outro lado, vi o preconceito de frente em outros lugares em que visitei na rua, lojas, restaurantes. Vivi a primeira cena explícita no Havaí onde morei por 1 ano, foi horrível. Senti na “pele” a fúria de ser discriminada.
N – Como era a rotina quando você era Au Pair com a família e as crianças? Suas experiências nos Estados Unidos foi mais positiva do que negativa? Quais vivências você pode destacar?
T.S. – Eu fui ser Au pair numa família com 2 crianças e éramos 2 Au pairs. Sim, éramos 2 Au pairs para 2 crianças. O meu host era militar, o pai viajava muito e ficava alguns dias fora, e a mãe era pediatra e atendia emergências. Então, eles precisavam de ajuda extra sempre. Como Au pair trabalha no máximo 45h na semana, nós nos dividíamos durante o dia entre acordar as crianças, arrumar e dirigir para a escola, alimentar, brincar, dar janta, banho e cuidar de tudo o que envolvia as crianças como organizar e limpar os brinquedos, o quarto, as roupas etc. Minha experiência foi incrível, a melhor que eu já pude vivenciar. Meu primeiro ano foi na Virgínia sendo Au pair com outra brasileira maravilhosa e no meu segundo ano, a minha host family mudou para o Havaí e lá outra Au pair veio me ajudar, sendo ela uma polonesa fantástica que virou minha irmã até tatuamos nossos laços. O programa de Au pair me deu vários grandes amigos(as), uma “irmã” polonesa, conhecimento e lembranças inesquecíveis. Uma experiência indescritível de vida, um excepcional crescimento pessoal e várias carimbos no passaporte. Nesses 2 anos de Au pair, eu pude visitar 5 países diferentes e 27 dos 50 estados que os Estados Unidos possui.
N – Por quê você decidiu permanecer no exterior após o desligamento do programa de Au pair? Surgiram outras oportunidades? Quais?
T.S. – Depois de viver 2 anos como Au pair, eu estava certa que o Brasil não era mais um lugar onde eu iria me sentir inclusa. Eu AMO o meu Brasil e o meu Rio de Janeiro, tenho orgulho de ser brasileira e carioca, de ter minhas raízes na beira da praia ao som do samba funk comendo meu biscoito. Mas aqui, nos Estados Unidos, eu tenho segurança, eu não tenho medo de sair na rua com meu celular na mão. Aqui, mesmo sendo pobre, eu consigo viajar para outros países duas, três ou mais vezes no ano. Aqui, eu tenho meu carro sem ter que parcelar em 986 vezes parcelas, aqui eu consigo almoçar e jantar fora sempre que quiser, aqui eu não tenho medo de ter e criar meus filhos. A bíblia na qual eu creio em Eclesiastes 3, diz que: “grande sabedoria é viver bem cada coisa a seu tempo”. E aqui, eu não vivo para trabalhar, mas trabalho para viver. Então, eu sabia que após o Au pair eu queria tentar a vida se não fosse aqui seria em outros país. Então, decidi juntar dinheiro para aplicar para o meu mestrado aqui, para enfim ter a oportunidade de trabalho no futuro. E nesse intervalo, eu conheci meu melhor amigo, meu gringo, meu esposo. Hoje, estou recém casada fazemos planos para o futuro.
N – O que você diria para outras mulheres negras que querem buscar oportunidades e tentar uma vida no exterior, mas que se sentem inseguras?
T.S. – Eu sempre digo pra todo mundo que o mundo é gigantesco e assim deve ser seus o tamanho dos seus sonhos porque o Deus que eu acredito não tem limites. A cor da nossa pele não nos faz menor ou pior que ninguém. Você é linda da forma que você é, forte em todos os aspectos porque viver na sociedade em que vivemos não é para qualquer um. Somos todos iguais e precisamos lutar contra o preconceito onde quer que estivermos. Ser mulher e preta é desafio em dobro mas por experiência própria com determinação, garra e coragem, a gente pode chegar aonde quiser. Se é seu sonho viajar, morar fora ou qualquer outra coisa que seja… só faça! É seu sonho e só você pode ir atrás dele e realizar. Seja você, faça por você, mostre pra você mesma que você pode e é capaz. Assim, automaticamente, outros verão o quão forte e determinada você é. Quando fazemos por nós para nós, refletimos para outros um fenomenal exemplo de vida.
Foto de capa: Arquivo pessoal/Instagram.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2022 e 2023. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.