Arquivo Negrê Atlântico

Independente há 60 anos, a distância entre Nigéria e Brasil é menor que um oceano

A República Federal da Nigéria é um país da África Ocidental, que faz fronteira com a República do Chade, Camarões e Níger. Ao sul, o país conta com seu litoral no Golfo da Guiné, no Oceano Atlântico. Com quase 200 milhões de habitantes, a Nigéria é um dos mais importantes países do Continente Africano, sendo o mais populoso e muitas vezes chamado de “o gigante da África”. A história nigeriana conversa muito com a do Brasil: o país africano é habitado por mais de 500 grupos étnicos, dentre os quais, os igbos e iorubás – etnias que foram muito presentes no Brasil Colonial (1500-1815), em decorrência da violência do tráfico de negros africanos escravizados.

Antes da colonização

Antes da invasão europeia, o norte da Nigéria foi dominado pelos Impérios de Canem e Bornu, cuja sede ficava próxima ao Lago Chade. Durante esse período, a região prosperou como uma rota de comércio, ligando o norte do Continente Africano às florestas do Sul.

No começo do século XIX, a maior parte das áreas do norte da Nigéria ficaram sob o controle de um império islâmico. A presença de muçulmanos em reinos e impérios na África Central e no norte do Continente é muito comum na história de África, especialmente a partir do século XI. Em relação à outra porção do território que hoje corresponde à Nigéria, as regiões do sudoeste e do sudeste foram locus dos reinos de Oió e Benim, respectivamente, onde foram desenvolvidos sistemas bastante elaborados de organização política a partir do século XV.

O historiador e diplomata brasileiro Alberto da Costa e Silva, 89, no sétimo capítulo do livro “A Enxada e a Lança: a África antes dos portugueses” (1992), fala sobre a união de um sem-número de povos do Continente Africano por meio de um fio: o das línguas bantas. Ele estuda o modo como esses grupos se aproximavam nos mais diversos sentidos por meio do tronco linguístico.

Ilaro, Nigéria. Foto: Tope A. Asokere/Pexels.

Analisando os idiomas bantos, é possível perceber que suas origens muito provavelmente se dão em áreas de floresta, característica marcante do sul nigeriano. Assim, as imediações a leste e sudeste do Rio Níger, indo até as florestas do centro do Continente Africano, onde hoje fica a República Democrática do Congo, são tidas como um dos prováveis locais de surgimento das línguas bantas.

Essa aproximação não é meramente linguística. Por meio da língua é que esses povos criam, leem e interpretam a realidade ao seu redor, de modo que todos os aspectos da vida se encontram na linguagem. A pesca, a agricultura, a produção de artefatos e a religiosidade, a mediação de conflitos e guerra, as formas de organização política… tudo isso se conecta pela linguagem e esses povos apresentam várias semelhanças em seus modos de vida.

Boa parte dos escravizados trazidos para o Brasil são oriundos da costa ocidental do Continente Africano. Muitos deles falavam línguas bantas, como os iorubás, de presença muito forte na história brasileira, e os elementos vindos desse idioma que teve na Nigéria um de seus berços podem ser vistos até hoje. Para além de palavras, como “dengo”, “cafuné”, “fubá”, “dendê” e muitas outras, tradições, como os Maracatus e as festas de reisados são uma forma de encenação de um passado ancestral africano de povos de línguas bantas, que se estendiam da Nigéria ao Congo.

Estrada na Nigéria. Foto: Kureng Dapel/Pexels.

A invasão europeia e a exploração dos homens e das terras

Desde o fim do século XV, os portugueses estavam presentes no delta do Rio Níger. A partir da década de 1480, emissários da Coroa Portuguesa estreitaram relações com o Benim. Lá mantiveram o monopólio comercial até o fim do século XVI.

Durante o tempo em que se sucedeu, porém, a Nigéria foi, como quase todo o Continente Africano, violentada pelo mercado do tráfico internacional de escravizados. Vários portos costeiros foram criados para o transporte, para as Américas, dos escravizados que os portugueses compravam (geralmente prisioneiros de guerra) dos reinos e povos do Continente.

Esse mercado internacional da desumanização desestabilizou vários reinos da África, que guerreavam cada vez mais para conseguir mais escravizados e, assim, vendê-los aos europeus. Na região da Nigéria, há relatos de reinos cuja economia ficou profundamente dependente do comércio de escravizados.

Somente no século XIX é que a violência da exploração de corpos humanos transformados em mercadoria é substituída, por ocasião da proibição do tráfico internacional de escravizados. Nesse cenário, a exploração dos recursos naturais dos países africanos, saqueados pelos europeus no contexto da Conferência de Berlim e da Partilha da África.

Desde 1886, foi instituída a Companhia Real do Níger pelo governo britânico, que passou a ter os direitos de exploração do território nigeriano. A partir do início do século XX, o território da atual Nigéria foram bipartidos, dando origem aos protetorados britânicos do Norte da Nigéria e do Sul da Nigéria. Esses protetorados foram unidos em 1914, criando-se, assim, a colônia britânica da Nigéria.

Como outras colônias europeias, a nigeriana foi uma colônia de exploração. Rica em petróleo, minérios variados e produtos agrícolas, a Nigéria foi, durante o seu Período Colonial (1900-1960) mais recente, aquilo que Eduardo Galeano (1940-2015), falando da colonização da América Latina, associaria a uma espécie de “fazenda do mundo capitalista” – teve, portanto, os seus recursos sugados para suprir o centro do capitalismo (à época, a Europa).

Sul de Egbado, Nigéria. Foto: Tope A. AsokerePexels.

Independência e República

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), movimentos nacionalistas cresceram, somados aos movimentos de independência e descolonização iniciados em vários países africanos que estavam sob o domínio europeu. Nesse contexto, o governo britânico iniciou uma gradual transição para um governo próprio com base federal, concedendo, aos poucos, mais autonomia para a colônia. A independência total foi alcançada em 1º de outubro de 1960.

Seis anos após a independência, o país sofreu com profundas instabilidades políticas desencadeadas por uma série de golpes militares e guerras civis entre os grupos étnicos que compõem sua população. Desde a independência, a busca por estabilidade política no país é uma constante, mesmo com o forte crescimento econômico.

Economia, religião e cultura

A Nigéria é uma potência regional no Continente Africano. Sua presença é hegemônica na África Ocidental. Em 2013, seu Produto Interno Bruto (PIB) foi o maior do continente, superando a economia da África do Sul e alcançando o posto de 26ª maior economia do mundo. Boa parte dessa riqueza tem sua origem nas reservas de petróleo nigerianas. O país é, inclusive, membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

No que diz respeito à religiosidade da população, a maior parte das pessoas é cristã (49,3%) ou muçulmana (48,8%). Apenas uma parcela pequena (1,9%) ainda pratica religiões tradicionais e locais das etnias igbo e iorubá. Isso conforme o relatório da Pew Research Center, em dezembro 2012.

A indústria cinematográfica da Nigéria (Nollywood) é a terceira maior produtora de filmes do mundo e a maior do Continente Africano. Os recentes avanços nas tecnologias de produção e edição audiovisual seguem acelerando o crescimento.

Na música, a Nigéria é muito marcada tanto por estilos como o rap e o reggae como também por música tradicional iorubá, como é o caso do músico King Sunny Adé, 74. O multi-instrumentista Fela Kuti (1938-1997), considerado pioneiro do gênero musical Afrobeat, é nigeriano. O cantor e compositor Jacob Banks, 29, nascido na Nigéria faz carreira internacional na Inglaterra. A arte como um todo na Nigéria ainda é muito atravessada pelas tradições iorubás.

Foto de capa: Mcbarth Obeya/Pexels.

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