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Lar de um grande império da África Pré-Colonial, Burkina Faso completa 60 anos de independência

Burkina Faso é um país do Oeste do Continente Africano. Com quase 16 milhões de habitantes, o país faz fronteira com Mali, Níger, Benin, Togo, Gana e Costa do Marfim. Lar de um importante império da África Pré-Colonial, o Mossi, Burkina Faso foi dominada pelo Império Francês a partir de meados do século XIX. Hoje, 5 de agosto, completam-se 60 anos desde a sua independência.

Antiguidade

Estima-se que desde os anos 14.000 a.C. o território hoje correspondente a Burkina Faso foi ocupado por povos de caçadores-coletores. Os primeiros assentamentos agrícolas parecem ter surgido por volta de 3.600 e 2.600 a.C, conforme indicam alguns vestígios de estruturas edificadas relativamente permanentes. Alguns objetos escavados também denotam uma espiritualidade bem desenvolvida e o uso de materiais mais complexos, como ferro e cerâmica, além de pedra polida.

Período medieval e os povos Mossi

Entre os séculos III e XIII, o território do atual Burkina Faso era repleto de assentamentos agrícolas que, acredita-se, cobriam todo o baixo vale do Rio Níger. Entretanto, a partir do final do século XI, povos Mossi começaram a migrar do norte de Gana em direção a Burkina Faso. Nesses movimentos migratórios, foram deslocando as populações originais, estabelecendo controle sobre o território e formando estruturas estatais complexas e dotadas de grande poderio militar.

De acordo com a lenda, grandes cavaleiros Dagomba vieram cavalgando do sul em direção à região fértil próxima à nascente do Rio Volta. Esses cavaleiros se estabeleceram no platô ao sul do Saara, casaram-se com as mulheres locais e os filhos dessa união foram chamados Mossi.

Os Mossi governaram, até meados do século XIX, as regiões norte, central e leste do que hoje corresponde ao território de Burkina Faso, cuja tradução, das línguas more e diúla, quer dizer “terra natal de homens íntegros”

Suas sociedades eram bastante complexas, combinando pequenas anarquias/comunas rurais familiares e complexas monarquias. A partir do século XVI, os povos Mossi organizaram estados e reinos cada vez maiores, cobrindo boa parte do território de Burkina Faso. Dada a sua excelência militar, os Mossi originaram vários outros reinos, como o de Ouagadougou, Yatenga, Mamprusi e Gurma.

Ainda que isso pareça relativamente disperso, todos esses reinos reconheciam a soberania da autoridade espiritual e política do Moro Naba, nome dado para o cargo que ocupava aquele escolhido entre os herdeiros reais. A designação, embora restrita à linhagem real, não era automática e hereditária. Um, dentre todos os herdeiros possíveis, era eleito, e sua escolha havia de ser ratificada pelo alto escalão da estrutura governamental Mossi. Esse alto escalão nem sempre era proveniente da nobreza e frequentemente representavam diferentes estratos da sociedade, de modo que a validação da escolha do líder simbolizava também uma aceitação por parte da sociedade Mossi.

A sociedade Mossi era bastante variada. Além das aristocracias por sangue (hereditária, que compõe a linha sucessória para o cargo de Moro Naba) e por ofício (de homens livres que desempenhavam funções em outros setores da estrutura dos estados), existam os homens livres, o exército e os escravizados.

Instrumento de percussão Mossi, datado do início do século XX. Foto: Reprodução.

Entre os homens livres, tínhamos agricultores, comerciantes, soldados e artesãos. Os escravizados eram, quase sempre, prisioneiros de guerra. Existiam escravizados domésticos (empregados na agricultura), públicos (que serviam diretamente ao rei) e aqueles destinados à venda. A escravidão, porém, não era uma condição permanente desses sujeitos, dado que haviam formas de serem libertos e se integrarem à sociedade como homens livres. Uma delas era o alistamento no exército.

O exército Mossi foi um dos mais poderosos de todo o Continente Africano. Os cargos mais altos, como o da cavalaria, eram sempre ocupados pela nobreza e pelos homens livres com maior prestígio dentro da sociedade Mossi. A infantaria, por ser de menor crédito dentro das forças, era formada majoritariamente por uma mistura de pessoas mais pobres e escravizados, e costumava ser mobilizada em caso de invasão de território.

Lança Mossi de ferro e ouro. Foto: Hannover Laatzen.

Durante o período em que os Mossi conseguiram manter o domínio sobre o seu território, eles foram um dos grandes responsáveis por barrar o avanço dos muçulmanos para o sul. Com o seu declínio, porém, sobretudo a partir do século XIX, muitos Mossi acabaram se convertendo ao Islã e, após a invasão francesa, ao Cristianismo também.

Mesquita em Bobo-Dioulasso. Foto: Reprodução.

Declínio dos Mossi e a colonização francesa

O declínio dos Reinos Mossi se acentuou com as sucessivas incursões militares do Império Francês, a partir do final do século XIX. Essas invasões se deram na esteira das decisões unilaterais da Conferência de Berlim (1884-1885), feita somente com e por países europeus no sentido de dividir entre a Europa todo o território da África.

Após diversas expedições militares, com um verdadeiro massacre perpetrado pelos franceses, o reino Mossi de Uagadugu se tornou um protetorado francês, em 1896. Em outra decisão exclusivamente europeia, França e Reino Unido delimitaram entre si as possessões britânicas e francesas na região do Níger.

Mesmo após o estabelecimento das fronteiras coloniais, os franceses continuaram as guerras de conquista com vistas a impor o seu domínio sobre esses povos por mais cinco anos. Após muito sangue ser derramado, a maior parte do que viria a ser Burkina Faso já havia perdido a soberania e estava agora sob controle francês. Esse domínio se deu por meio de incursões que ocorreram até 1904, na qual os franceses devastaram planícies, incendiaram casas e mataram não somente homens, mulheres, crianças, mas também seus animais.

A instabilidade na colônia e a Independência

O domínio francês nessa região nunca foi tranquilo. Durante a segunda década do século XX, várias etnias originárias se articularam em movimentos anticoloniais, visando combater abusos, como a tributação pesada, que drenava as riquezas do território africano, e o recrutamento forçado às forças armadas coloniais.

A França conseguiu reprimir os movimentos, mas sofreu diversas baixas e foi obrigada a reunir forças militares expedicionárias de tamanho sem precedentes na história colonial. Ainda assim, essa revolta, conhecida por Guerra Volta-Bani, reorganizou as fronteiras do território.

A colônia vivia sob condições bastante adversas. O plantio de algodão, imposto pela França, fracassou. A crise de 1929, seguida de uma seca em 1932, agravou ainda mais as condições de vida na colônia, levando a um estado endêmico de fome. As duas guerras mundiais fragilizaram ainda mais o governo francês.

Após a II Guerra Mundial (1939-1945), os mossis sobreviventes voltaram a exercer pressão sobre o governo francês. Alguns novos arranjos foram experimentados, passando por uma tentativa de conceder maior autonomia ao território sem se desfazer da dependência francesa. Por volta de 1958, mesmo ainda sendo vinculada ao governo francês, a colônia se tornou a República de Alto Volta, autônoma dentro da Comunidade Franco-Africana, adotando sua própria Constituição em fevereiro de 1959.

As primeiras eleições de Alto Volta colocaram no poder a União Democrática Voltense/Coligação Democrática Africana (UDV-CDA), um partido que representava, em sua maior parte, comerciantes e proprietários de terra. Em dezembro de 1959, o parlamento da república autônoma designou Maurice Yameogo como presidente. Ele foi o responsável por negociar o fim da dominação francesa, conquistada, finalmente, em 5 de agosto de 1960.

De República de Alto Volta a Burkina Faso: a instável política pós-Independência

Após a independência, a República de Alto Volta enfrentou períodos de instabilidade. Maurice Yameogo (1921-1993), responsável pela negociação da Independência, renunciou em 1966 após uma série de greves operárias. Ele entregou o poder a Sangoule Lamizana (1916-2005), um tenente-coronel do exército, que permaneceu no poder até 1980, quando foi derrubado pelo major Dr. Jean-Baptiste Ouedraogo, 78 anos.

Algumas lutas internas levaram em outros golpes de estado, liderados por militares. Em 1983, Thomas Sankara (1949-1987) e Blaise Compaoré, 69 anos, criaram a Comissão Nacional Revolucionária, com a intenção de mobilizar as massas. Foi nesse contexto que o nome da República de Alto Volta teve seu nome mudado para Burkina Faso, ou, como já dito anteriormente, “terra natal de pessoas honradas”.

Sankara foi morto em um golpe que levou o capitão Blaise Compaoré ao poder, em outubro de 1987. Compaoré manteve-se no poder por mais de 27 anos dentro de um regime autoritário. Seu governo passou a ser fortemente acusado de corrupção e impunidade em relação aos crimes cometidos contra a oposição política. Blaise Compaoré foi deposto em 2014, após tentar alterar mais uma vez o artigo 37º da Constituição de Burkina Faso, que versa sobre a limitação dos mandatos presidenciais. A oposição popular à manutenção de Compaoré no poder se somou a uma insatisfação generalizada sobre a desigualdade econômica no país, visto que os lucros com a exportação de ouro, algodão e gergelim beneficiam apenas uma pequena elite.

 Burkina Faso. Foto: Luc Gnago/Reuters.

Após a deposição de Compaoré, Burkina Faso compôs um governo de transição com o objetivo de restabelecer a ordem constitucional no prazo de doze meses. Em 2015, Roch Kaboré, 63 anos, foi eleito Presidente de Burkina Faso, sendo o terceiro chefe de Estado Civil dentre os nove que já passaram pelo país.

Kaboré deve permanecer no cargo até este ano, podendo ser reeleito e governar o país por mais cinco anos. Mais recentemente, porém, uma série de ataques terroristas e um crescimento da violência tem apresentado forte ameaça à estabilidade recém-conquistada do país.

Burkina Faso ainda é o lar de mais de sessenta grupos étnicos, sendo, portanto, um país culturalmente muito diverso. Dentre essas etnias está a mossi, composta por sobreviventes do principal reino pré-colonial da região.

Foto de capa: Uagadugu, capital de Burkina Faso/Reprodução.

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