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Mais um corpo negro no chão

Que corpo é esse jogado no chão? Que corpo é esse lavado de sangue? Que corpo é esse que já não respira? É mais um corpo negro que cai sem vida no chão de um país que mata, diariamente, dezenas de pessoas negras. Um corpo que agora faz parte das taxas de homicídios da população negra que só crescem, como mostram os dados do Atlas da Violência, levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A pesquisa afirma que o número de homicídios de pessoas negras cresceu em 11,5% nos últimos 11 anos, em contraponto, aos índices dos demais que vem caindo em 13%. 

Dados que não fazem eco nas ruas das cidades e estados que naturalizam os assassinatos destes corpos negros. Corpos com nome, idade e endereço que carregam histórias e memórias, mas que estão, em maioria, empilhados nos empregos precarizados, nos bancos dos postos de saúde que aguardam atendimento e nas valas dos cemitérios. Essa é a realidade da população negra que tiveram poucos avanços no acesso aos seus direitos básicos no Brasil. Uma realidade de muitas as famílias que perderam suas mães, pais, filhas, filhos, netas, netos e tantos outros que compõem essa biografia.  

Esse corpo dor e de raiva que leva as marcas de um racismo que estrutura toda uma sociedade desde os tempos da escravização, e mesmo após a abolição, continua levando a cabo a tarefa de decidir que corpos podem respirar ou viver. Isso nos faz recordar as palavras de Mbembe quando fala sobre a necropolítica, ou seja, a política da morte ao dizer que “matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais, Ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação da morte”¹. 

Foto: Wilhan José Gomes/Pixabay.

Com isso, é escolhido “a dedo” quem pode acessar plenamente seus direitos e quem não pode, quem pode sonhar e quem não pode, quem pode viver e quem não pode. E nesta dança da vida, os corpos negros são subjulgados e aprisionados ou mesmo (re)modelados neste emaranhado de padrões que ditam como devem se comportar, caso queiram viver. “Alisa esse cabelo”, “não corre na rua”, “fale baixo”, “seja cordial”, “não responda”, “não reclame”, “não faça isso”, “não faça aquilo”, “não”. E assim esses corpos evitam problemas e deixam tudo mundo tranquilo, no entanto, continuam a cair no chão sem respirar e sem vida

Desejo que esses corpos negros tenham força para quebrar as regras impostas e criem sua forma de bailar no mundo escolhendo o seu ritmo e seus passos. Que esses corpos negros se olhem no espelho e se vejam refletidos com as marcas de uma ancestralidade que leva alegria e esperança. Que esses corpos busquem a força para mudar essa realidade que os assombra. E que esses corpos dancem para denunciar toda forma de opressão e para anunciar um novo tempo de amor e coragem. 

Foto: Clarence Alford/Pixabay.

Referências bibliográficas

¹ Trecho retirado do livro de Achille Mbembe. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018, p.08.

*Este artigo colaborativo foi escrito por Luizete Vicente.
Jornalista, militante do movimento negro, mestre e doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Foto de capa: Paolo Trabattoni/Pixabay.

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