Algo fundamental para o meio educacional que é fortemente reiterado pelos movimentos negros é a urgência por pensar qual educação vem sendo construída para nós. E falando de educação institucional, por qualquer modelo que ela se apresente, se pensada historicamente a partir de uma visão eurocêntrica, não irá incluir, assim como não incluiu em todo seu processo histórico, uma troca de aprendizados que caminhe lado a lado com a realidade cultural, social e política das pessoas negras e indígenas no país. O que ressalta a necessidade de pensar, por exemplo, qual educação está sendo direcionada para nossas crianças e como essa educação as afeta durante suas trajetórias.
Para pessoas negras, desde a infância, passar pela Escola pode ser um dos processos mais dolorosos. Momento inicial nos passos para uma vida coletiva, para o entendimento de mundo, das pessoas que nos cercam e, também um dos primeiros contatos com o racismo. Esse racismo pode estar relacionado inclusive aos conteúdos ofertados no cotidiano em sala de aula. Na história da população negra e indígena que não é tratada em sua totalidade nos livros didáticos e na frequente desvalorização ou invisibilização dessas populações. Indícios que reforçam a não identificação de estudantes pretas(os/es) com a Escola.
Com dados de 2019, é possível observar que o índice de analfabetismo é recorrente entre a população preta e parda no país (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), assim como o abandono escolar entre jovens de 14 à 29 anos (71,7%). Além dos problemas causados pelo racismo estrutural fora da Escola, os conteúdos e discursos reforçados dentro dela também podem resultar em abandonos e dificuldades de aprendizagens. O que se busca é um ensino que não desvalorize referenciais negros em suas diferentes áreas de conhecimento. O acesso, a permanência, a garantia do aprendizado devem fazer parte desse processo.
Ainda que tenhamos leis educacionais conquistadas por reivindicações dos movimentos negros, como a lei nº 10.639/03, que trata da obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira e africana nas matrizes escolares, continuamos constantemente buscando aplicabilidade e problematizando a construção do ensino público e privado. São problemas estruturais que não são recentes. Beatriz Nascimento (1942-1995) já destacou a necessidade de vermos as pessoas negras como parte de resistência, construção e crescimento, mesmo em meio a escravizações e demais exclusões sociais. Sendo essas exclusões os únicos destaques que ouvimos nas Escolas.
Em sua tese intitulada A construção do outro como não-ser como fundamento do ser (2005), a pesquisadora Sueli Carneiro, 70, demostra como a educação na vida das pessoas negras no Brasil é marcada por trajetórias de desigualdades e desumanizações. Os primeiros exemplos dessas ações partiram da Igreja Católica, com o jesuitismo, passando anos mais tarde pelo impedimento do acesso à educação e posteriormente, com o acesso das pessoas pretas à educação institucional. Mas sem reconhecimento intelectual e humano da pessoa negra por parte das instituições de ensino.
Essa tentativa de decidir quem tem ou não o direito ao ensino foi reformulado por diversas vezes com a mesma tentativa de controle sobre determinados corpos e mentes. Hoje, podemos considerar que, epistemologicamente, esse controle ocorre por meio do conhecimento seletivo e embranquecido que chega até nós nos meios ditos formais.
Por isso, pensar em educações efetivamente antirracistas no nosso cotidiano não pode ser considerado algo utópico. E sim, uma urgência pela compreensão da realidade racial, social, cultural e política que vivemos, em um país que é preto, que é indígena. Não é de modo algum, majoritariamente branco. Educação que não deva continuar partindo de um viés de controle colonial, pois se representado por este modelo, as educações nunca serão antirracistas. A quem serve uma educação que não dialogue com a realidade das(os/es) estudantes e do país? Falar sobre currículos e conteúdos didáticos também é repensar educações.
Vale lembrar o sentido de educações, no plural, para que não nos limitemos com a compreensão de que educar parte unicamente de uma instituição escolar. É pensando nas diversidades em formas de conhecimentos que pessoas pretas conquistam meios de movimentação educacional entre si. As educações e trocas de saberes que ocorrem cotidianamente em nossas vidas, nas conversas do dia-a-dia com nossas (os/es) mais velhas(os/es), nos projetos culturais autônomos das periferias, bibliotecas coletivas, são trocas e ensinamentos diários.
Ainda assim, a educação formal precisa ser observada, pois como modelo legitimado de detenção de saber e poder, pode estar representada por conhecimentos que mais dominam do que libertam, e essa é uma característica histórica. Pensar educações antirracistas é pensar em educações que caminhem com o crescimento e reconhecimento das populações não brancas. Tendo essas populações como reais e não como recorte. Estar nos livros, estar nas falas, estar em memórias. É também reeducar toda uma sociedade sobre a história da construção das relações étnico-raciais no país, que nunca foi harmoniosa, nem silenciosa.
Foto de capa: Pexels.
Cientista social e mestra em Sociologia, ambos pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Cursa o Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Tem como experiência principal as pesquisas voltadas para as relações étnico-raciais, com foco em Educações antirracistas, Descolonização epistêmica e Afrocentricidade.