Atualizado às 22h16 do dia 30/10/2020
Todo ano de eleição acontece o mesmo movimento, candidatos e candidatas a cargos políticos apresentam seu ‘’jingle” ao ritmo do pagodão. É um tal de não sei quem é do povo, ela é barril, tal pessoa é da periferia e a swingueira rolando. Esse ano, a história tem se repetido na disputa da prefeitura e vereança em Salvador (BA), diversas candidaturas tem se utilizado da cultura negra e periférica para impulsionar suas campanhas eleitorais.
O grande problema dessa movimentação é que boa parte dessas candidaturas são de homens brancos que não possuem nenhuma relação pessoal, histórica e política com a cultura negra e de periferia. São pessoas que servem ao empresariado, aos bancos e ricos da cidade, mas quando chegam as eleições precisam convencer a população soteropolitana que são “gente como a gente”. Mesmo morando em prédios de luxo, frequentando restaurantes caros e desfilando seus helicópteros particulares e iates, esses candidatos constroem a narrativa de que tiveram uma vida difícil, que venceram por méritos próprios ou que possuem a negritude em seu sangue.
As formas de aproximação com o povo, na tentativa de construir uma identificação, vem das formas mais bizarras possíveis, é aquela foto clássica abraçando crianças negras na periferia, é comendo o pastel na feira, é trazendo uma história de infância pobre (às vezes inventada), é se utilizando de gírias e expressões populares e também trazendo a musicalidade negra na sua campanha. Essa estratégia de falsa identificação popular tem como um dos objetivos conquistar o voto das pessoas negras de Salvador, que representam 82,1% da população total da cidade. Isso segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017.
Essa estratégia parece ter dado certo até agora, pois vemos candidatos majoritariamente brancos ocupando cargos políticos em Salvador. Pessoas que não possuem nenhum comprometimento com as pautas do povo negro, mas quando chegam às eleições querem procurar associações de bairros, grupos de capoeira e se utilizar dos signos da negritude para dizer que são aliados. Com uma maior visibilidade midiática relacionada às pautas antirracistas, a exploração desse conteúdo tem sido aproveitada pelos setores de marketing das campanhas. Hoje, assistindo a uma campanha à prefeitura me assustei, pois em um episódio da campanha eleitoral só tinham pessoas negras, tirando o candidato.
Mas não nos enganemos, podemos estar nas propagandas, nos outdoors, na música, na dança e nos programas de governos, mas nunca estaremos na centralidade política dessas pessoas. O pacto delas é com o projeto genocida do povo preto, seja pelo braço armado do Estado, ou pela educação branca e ocidentalizada que aniquila nossos ensinamentos ancestrais. Os que hoje dançam o jingle ao som do pagodão, amanhã ordenam batida e prisão em paredão e isso nem é sobre partido político ou alternância de poder entre direita e esquerda. Até porque “alternância” entre pessoas brancas não altera nada, só mantém.
Foto de capa: Pexels.
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Formado em Psicologia e Especialista em Saúde Mental e Atenção Básica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). É pós-graduado na especialização em Direito Humanos, Saúde e Racismos pela Fiocruz. Homem cis preto de Salvador (BA) que gosta de compor histórias e sentimentos. Já atuou profissionalmente na política de assistência social junto à população em situação de rua, na área da saúde mental, clínica psicológica e garantia dos direitos da criança e adolescente em contexto de vulnerabilidade. Escreve e se interessa por temas relacionados à saúde mental da população negra, masculinidades negras, relações não-monogâmicas, relações raciais e política.