Hoje, eu resolvi dividir o meu espaço com Pedro, companheiro de uma amiga muito querida e um amigo que ganhei esses tempos também. Pedro Rocha é homem negro, educador social e cria do Titanzinho, periferia de Fortaleza (CE). Além disso, Pedro também é poeta e escreve em versos inquietações ligadas às suas vivências, entre o contato com as crianças e a importância da cultura popular como parte da educação. Hoje, os textos dessa coluna serão escritos por ele. É provável que ele apareça mais vezes aqui, mas de todo modo, vocês podem encontrar Pedro no Instagram (@pedro.rykiel). Aqui me despeço, fiquem com Pedro!
I
Periferia não é paz mas é berço,
Lugar de todos, de branco e preto.
Cresci entre becos e vielas e nas
Ruas estreitas, desde pequeno
Corro pra ver o mar.
Nos meus vinte e poucos anos, sento
Na calçada pra ver o que falta e sobra.
Noto o desequilíbrio que nasce da
Teoria, e na prática é falha. Não
Procuro mais culpados porque me
Perco entre as vítimas.
Pra burguesia a periferia é a ferida aberta
Da cidade e os curativos não saram
Mais tanta desigualdade. Eles esquecem
Que a favela é origem, os guetos ainda
Sobrevivem.
Os capitães do mato surgem a cada
Esquina, os mesmos que deviam proteger
E servir são os que mais matam. Marginal
É o seu preconceito, viver acima da lei
É pra quem tem dinheiro no bolso e
Juíz ao seu favor.
A mesma escravidão que aboliram ainda
Assola milhões, aos milhares a massa
Ainda reproduz o preconceito fazendo
Piada. A mídia não diz, porque ela também
Acha graça. É assim que nossa voz é calada.
II
Ser humano é ser criança e
Ser criança não cansa. Não
Perde o fôlego, brinca, corre,
Pula e ainda sim são nossa
Esperança.
Com o brilho no olhar de quem
Enxerga as cores mais vivas e
Vive melhor por isso, por um
Mundo melhor que as proteja
De todo risco.
No papel tá escrito a Declaração,
As leis protegem nossos meninos e meninas
De tudo que é vil e não é em vão, é um
Direito igual pra todos, como o céu que
Nos cobre
A pureza das crianças nos faz pensar, brigam
Mas logo estão ali a brincar, não conhecem
Rancor nem preconceito e muito menos ódio,
A vida pra elas é aventura, um mundo a explorar,
Trilhando o caminho certo ao som da aquarela.
Arte e cultura deveria ser como um prato de arroz
E feijão, todo dia uma porção, crescendo com a
Mente e coração, isso é ser criança, nas diferenças
É mais feliz quem compreende.
III
Quem veio primeiro:
a dúvida ou a duna?
A cidade tomou o
espaço e a duna se
viu soterrada.
Moro na esquina do
mundo, vejo o mundo
da Ponta Mar.
O que há de mais
sagrado o Porto já
vendeu. Vamos invadir
sua praia trajados a
rigor.
O mar que preenche
cada milímetro é expulso
pela cidade deus, o
progresso toma tudo,
até a razão.
.
.
.
.
.
os três poemas perpassam
pela vida e escrita do autor,
amante do rap e do reggae,
o mar sempre acaba sendo
o plano de fundo, a pé ou
pedalando,
filho do Titanzinho convicto,
sendo minha mãe o
que mais me aproxima da
criação.
Até a próxima.
*Com colaboração de Pedro Rocha.
Foto de capa: Davidson Rodrigues/Behance.
Historiador pela Universidade Federal do Ceará (UFC), atuando como professor de História. Tem experiência com Patrimônio Histórico e Cultural (SECULTFOR) e estuda trauma em literatura de testemunho na Ditadura Civil-Militar, racismo ambiental e necropolítica. Gosta de música, café e outras artes, tem interesse em temas relacionados à política e cultura e uma paixão inexplicável por aviões.