Atualizado às 11h56 do dia 25/01/21
O ano de 2020 passou devagar, mas ao mesmo tempo rápido. Digo isso pois, quando menos esperamos, ele estava terminando. Minha percepção de tempo mudou, principalmente por ter começado a observar mais o sol, a lua, o mar, a chuva e as estrelas durante o Lockdown. Observar a passagem do tempo através da natureza me fez ter maior consciência da minha pequenez diante de tudo que acontecia em 2020.
Não saber se sobreviveria à pandemia do Covid-19 me fez refletir sobre coisas que as pessoas geralmente pensam quando se deparam com a morte. Minha memória revisitou arrependimentos, conquistas, medos, escolhas, sentimentos de culpa e minhas motivações para viver. Repensei diversos aspectos da minha vida: desde a relação com meus pais até minha relação com dinheiro, espiritualidade, namoro, escolha de carreira, enfim, minha história de vida. A partir daí, duas perguntas surgiram à medida que eu ponderava sobre cada um desses aspectos: Quem eu realmente sou? O que quero de verdade?
Essas perguntas ocuparam minha cabeça por dias. Enquanto tentava respondê-las, eu me perdia em um misto de fantasia e ansiedade. Isto porque eu não conseguia me enxergar pelos meus próprios olhos. Estava perdida entre as concepções que os outros tinham de mim, entre o que eu queria ser e não era, e entre quem o colonizador ditou que eu seria. Eu poderia dizer quem eu não era ou como eu gostaria de ser, mas não sabia quem eu era de verdade. Sem pessoas, sem câmeras, sem redes sociais, quem eu era quando estava sozinha comigo mesma?
Eu não sabia responder. Isso me trouxe melancolia, pois me senti sem essência, como um frasco de perfume vazio. Os dias pareciam ter menos cor e eu me questionava se viver era só estar viva. Por acaso, viver era nascer, crescer, reproduzir e morrer como eu havia aprendido na escola quando criança? Por acaso, viver era trabalhar para comprar coisas que o mundo dizia que me preencheriam? Por acaso, viver era sobreviver a todo custo para ver meu povo ser assassinado friamente em frente às câmeras? Eu me sentia pequena, impotente e fragmentada. Fragmentada como um quebra-cabeças mal montado e com peças faltando.
Eu estava mergulhada em uma profunda crise existencial, mas ela não culminaria no fim da minha vida. Em nenhum momento, pensei nisso. Ao contrário disso, reconhecer que eu estava perdida me fez buscar os caminhos que me devolvessem ao meu eixo, ao meu equilíbrio e à minha casa. Essa jornada de volta para casa me faria grande, potente, plena e relevante novamente.
Se você está se perguntando se eu encontrei as respostas que buscava, lhe digo que encontrei sim, apenas em partes, pois a vida é um mistério. E, desvendando pequenas partes dele, encontrei respostas que preencheram meu corpo, minha mente, meu coração e meu espírito numa sinfonia holística.
Respostas
As respostas vieram através de mensagens do universo, da natureza, dos guias, dos Orixás, mas algumas delas não foram respostas diretas às perguntas que fiz, mas sim o caminho para encontrá-las. Aprendi que esse caminho envolve curar algumas feridas infligidas pela colonização no meu corpo-mente-coração-espírito, pois tratando delas voltarei ao meu eixo e poderei entender quem eu sou de verdade, qual o meu propósito no mundo, o que realmente quero, sem me deixar levar pelo meu sabotador interno, o branco interior, o colonizador alojado na minha psique que tentar ditar quem sou, o que quero, do que gosto etc.
Por isso, sigo em direção ao meu propósito no mundo nutrindo autoconhecimento, autocuidado e espiritualidade como chaves para destrancar qualquer porta que se feche. Afinal, a ancestralidade maravilhosa que me guia me deu acesso a diversos métodos de autoconhecimento e autocuidado que têm me auxiliado na cura de feridas, no alívio das dores e na libertação de traumas da colonização, do racismo e das demais opressões que vivencio.
Alguns desses métodos ajudam a me libertar de traumas sexuais vividos por mim e minhas antepassadas. Outros, auxiliam a curar meu corpo através de medicinas naturais e ancestrais, ou ainda, meios de fortalecer meu poder e concretizar meus desejos. Algumas são ferramentas que me fazem compreender minha ciclicidade, respeitar meu corpo e meu tempo; outras, leituras que me acrescentam, abrem meus horizontes, expandem minha consciência sobre o mundo e eu mesma. Elas também são tecnologias de proteção e fortalecimento do meu espírito e campo energético, além de alquimias que afetam meu sistema límbico me auxiliando a vencer barreiras internas.
Ainda pretendo destrinchar mais acerca dessa minha jornada, das tecnologias de cura que tem me ajudado e dos métodos de reencontro comigo mesma nos próximos artigos. Por enquanto é só. Espero que tenham gostado.
Foto de capa: Joshua Abner/Pexels.
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Cientista social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Militante do Coletivo Ibilé, em Fortaleza-CE. Criadora do movimento Black Twitter Nordestino. Pesquisa sobre descolonização e pensamento afrodiaspórico com ênfase em comunidades tradicionais de matriz africana. Escreve sobre nordestinidades negras.