O samba de roda resiste, vive e pulsa em Baixa Grande, no interior da Bahia. Mais do que uma expressão musical, é uma manifestação cultural que reúne pessoas de todas as idades, raças e histórias em um só ritmo. O Grupo de Sambadores Raízes de Baixa Grande, que mantém viva essa tradição, entoa um canto de resistência e pertencimento na cultura popular brasileira.
À frente dessa missão, o historiador e sambador Washington Lima Araújo Filho se destaca como um dos grandes responsáveis pela valorização e continuidade do samba de roda no município, dedicado ao resgate e fortalecimento da tradição através da promoção de eventos, incentivo à participação de jovens e da luta por reconhecimento para os grupos culturais da região.
Seu envolvimento vai além das apresentações, ele conecta antigos mestres aos novos talentos e garante que a essência do samba de roda permaneça viva nas ruas, praças e na memória. “Eu acredito que a inclusão já é algo natural da essência do samba de roda, porque essa manifestação nos transmite uma ancestralidade cultural muito forte, através dos cantos das chulas e dos batuques, que naturalmente convidam a variedade de pessoas de todas as idades, raças e classes sociais a se divertirem e participarem do samba de roda”, diz o historiador e sambador Washington Lima.
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Com mais de 30 anos, o grupo é composto por 14 sambadores, divididos entre as zonas rural e central de Baixa Grande. O nome só foi oficializado em 2018, como forma de homenagear aqueles que iniciaram e construíram o movimento artístico na comunidade, mas que já não estão mais presentes em vida. Atualmente, os sambadores realizam uma série de eventos culturais, incluindo festas, feiras, visitas a escolas e presença em encontros da agricultura familiar.
O relato de Washington, revela que a recepção da população é positiva e de grande gratidão: “O que mais fica marcado em minha memória é quando nós fazemos a cantoria do reisado ao chegarmos em alguma casa, ou a cantoria de despedida. Os donos das casas ou o público presente se emocionam e choram com a nossa cantoria. Acho que esse é um dos registros que mais marcam a minha memória, ver o sentimento de gratidão das pessoas pela nossa resistência para com a existência dessa cultura”, afirmou.
Sinval de Jesus, sambador há 56 anos, começou sua caminhada aos 12 anos e, desde então, nunca mais parou. Ele se orgulha de ter formado novos sambadores ao longo dos anos e de ver o grupo crescer, conquistando espaço e reconhecimento não apenas em Baixa Grande, mas também em cidades vizinhas: “É uma alegria muito grande apresentar o samba para a comunidade local e para a nossa juventude, para que eles se interessem a participar conosco e dar seguimento ao samba de roda, nas próximas gerações”, conta.
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O democrático “Samba na Praça” de Baixa Grande
O Projeto Samba na Praça surgiu para fortalecer e expandir o samba de roda em Baixa Grande, reunindo gerações em torno da manifestação cultural. Idealizado por Washington e o Grupo de Sambadores Raízes de Baixa Grande, o projeto tem o propósito de manter viva a tradição e ampliar seu alcance, promovendo encontros abertos ao público e acessíveis a todas as pessoas.
A praça municipal foi escolhida como palco desse evento por ser um espaço democrático, onde sambadores veteranos e novos participantes compartilham cantos, histórias e batuques. A iniciativa tem um forte compromisso com a inclusão, destacando a presença de idosos e pessoas com deficiência, como o veterano Cosme Oliveira, sambador de 75 anos, que, mesmo com a perda de uma perna, segue ativo e inspira novos talentos.
Além de proporcionar lazer e integração, o Samba na Praça desempenha um papel fundamental na transmissão oral do conhecimento sobre o samba de roda e, inspirado em iniciativas de cidades vizinhas, o projeto busca consolidar um calendário fixo de apresentações, garantindo que a tradição continue a ecoar pelas ruas e praças de Baixa Grande.
“Eu acredito que a participação em um projeto cultural como esse é de grande valia em suas vidas, pelo fato de estarem demonstrando publicamente seus talentos, sua arte e sua cultura através do samba de roda, que lhe foi transmitido pelos seus antepassados”, destaca Washington Lima, apontando a importância da participação popular nas iniciativas realizadas pelos sambadores de Baixa Grande.
Um vídeo apresentando o projeto e o Samba de Roda de Baixa Grande foi disponibilizado:
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Com paixão, mas sem apoio: sambadores enfrentam dificuldades para preservar a tradição
Apesar da força e resistência do samba de roda em Baixa Grande, manter a tradição viva não é uma tarefa fácil. A falta de incentivo do poder público é um dos principais obstáculos enfrentados pelo Grupo de Sambadores Raízes de Baixa Grande, pois os sambadores dependem de convites esporádicos da comunidade e do esforço próprio para garantir apresentações e manter viva a manifestação cultural.
Outro grande desafio está na obtenção de recursos para viabilizar projetos como o Samba na Praça. O financiamento, quando ocorre, vem de editais, como a Lei Aldir Blanc, responsável pelo patrocínio da iniciativa. Além disso, a falta de apoio logístico dificulta o deslocamento dos sambadores, que muitas vezes arcam com custos de transporte, alimentação e estrutura para os eventos.
A renovação do grupo também é um ponto de atenção. Embora alguns jovens tenham se interessado em aprender e integrar o samba de roda, ainda há uma necessidade maior de engajamento das novas gerações. Para isso, iniciativas como a maior visibilidade nas redes sociais e eventos periódicos em espaços públicos são essenciais. Mesmo diante dos desafios, o grupo segue firme, provando que o samba de roda é resistência, tradição e um elo entre passado e futuro.
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Para incentivar tanto os novos, como os antigos participantes e realizadores do Samba de Roda, Washington aconselha a busca constante por conhecimento e valorização da arte local:
“Tenham coragem de se desafiar, tenham paciência de buscar aprender com os mais antigos, que são a grande biblioteca do samba de roda. Para os nossos antigos sambadores, que eles não desanimem nos primeiros momentos e se mantenham firmes. Busquem pessoas que estejam disponíveis a ajudá-los e pesquisem também na internet, pois sabendo buscar as referências corretas, é possível usá-la como uma boa ferramenta nesse aprendizado. E, me procurem, que junto comigo nós daremos continuidade para as próximas gerações com o samba de roda. Eu acredito que abaixo do poder de Deus, só a educação e a cultura podem salvar o mundo.”
Foto de capa: Arquivo pessoal.
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