“Se há ódio, racismo e gordofobia fora das redes, eles também existirão dentro delas”, é o que diz Rick Trindade, 29 anos. Ele é natural de um interior na região Sul da Bahia, Itabuna. Sua cidade fica a 436,5 quilômetros da capital baiana, Salvador.
Em 2017, o comunicólogo negro decidiu começar a produzir conteúdo digital nas redes sociais. Em 2018, começou a usar o Twitter de forma mais assídua e seu perfil tem crescido na internet desde 2019. “Conseguir crescer na internet é difícil, mas quando se cresce, nem isso garante remuneração”, reflete quando fala sobre as dificuldades enfrentadas por influencers negros.
Na editoria Vozes dessa semana, a reportagem do site Negrê realizou entrevista com o comunicólogo e produtor de conteúdo baiano Rick Trindade. Confira logo mais a seguir!
Negrê – Por quê escolheu ser um comunicólogo? Como veio a decisão de estudar Comunicação? E qual foi a faculdade?
Rick Trindade – Na verdade, desde a infância eu queria trabalhar com arte, eu amo escrever, cantar e tal. Mas acho que a comunicação sempre esteve presente. No ensino médio, quando a gente fica naquele processo e pressão de entrar numa Universidade (que até então eu nem via como um lugar pra mim) eu pensei na possibilidade de fazer comunicação. A princípio, eu queria fazer Jornalismo, mas na Universidade mais próxima não tinha, só Rádio e TV. Entrei no site da Universidade, dei uma olhada na grade do curso, e me interessei. Sou formado em Rádio e TV pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
N – Você tem bastante visibilidade no Twitter e está crescendo no Instagram. Como começou esse processo de se tornar um influencer?
R.T. – Eu acho que não me vejo como influencer (risos). Me vejo como um produtor de conteúdo. Então, eu uso o twitter há dez anos já. Antes, eu entrava pra comentar pontualmente coisas que eu assistia. Em 2017, eu decidi começar a produzir conteúdo, focando no Youtube mesmo, mas de maneira muito natural, acabei conhecendo o nicho “black twitter”, fui seguindo e interagindo com as pessoas. E aí, eu vi no twitter também um lugar onde eu poderia produzir meu conteúdo, falar das minhas vivências etc. Lembro que a primeira vez que algo meu hitou no twitter foi uma tag pra algumas coisas sobre a minha vida. A partir daí, comecei a ganhar visibilidade, de maneira muito orgânica, mas também com a ajuda de muitos amigos e amigas.
N – Na sua experiência como homem negro e gordo, quais são as principais dificuldades de ser influencer digital ou produtor de conteúdo? E quais os maiores desafios?
R.T. – Eu acho que o primeiro é conseguir ser influencer, até mesmo produzir conteúdo e ter um retorno financeiro. Maior parte dos produtores e influencers negros e negras, fazem tudo por conta própria, do roteiro à edição. Conseguir crescer na internet é difícil, mas quando se cresce, nem isso garante remuneração. Pra mim, os maiores desafios são os mesmos que enfrento fora da internet: racismo e gordofobia. A gente às vezes tende a achar que a internet é um lugar mais democrático. Por um lado é, porque a gente pode produzir por conta própria e colocar nas plataformas, o que não é possível em outros meios. Mas por outro lado, a dinâmica é a mesma: se fizer parte de qualquer grupo marginalizado, vai enfrentar muitas dificuldades. Mas eu sigo produzindo apesar das dificuldades, dos ataques, das portas fechadas. Acho que meu trabalho é importante, porque muitas pessoas prestam atenção no que eu falo, e acho que consigo dialogar diretamente com as pessoas que me seguem.
N – Você fala que sofre muitos ataques virtuais que são, provavelmente, racistas e gordofóbicos. Como você lida com isso já que trabalha diariamente pra ser e se consolidar cada vez mais como produtor de conteúdo digital?
R.T. – Olha, acho que eu não fazia ideia de que poderia sofrer ataques. Quando comecei, comecei porque queria praticar o que havia aprendido na faculdade, e queria também ter um lugar pra falar sobre as minhas vivências, eu tinha acabado de perder meu pai. Acho que a questão é: se há ódio, racismo e gordofobia fora das redes, eles também existirão dentro delas. A questão é que eu nunca imaginei a dimensão que poderia ser. Eu poderia até me estender na resposta, mas recentemente eu escrevi uma carta aberta sobre como é ser um produtor de conteúdo preto, acho que vale a leitura porque falo muito sobre esse lado mais cruel.
N – Do seu lugar e pelas suas vivências, como proteger a saúde mental diante dessas situações? Quais são suas formas de autocuidado? Alguma rotina ou momento especial na semana para se autocuidar?
R.T. – Sobre o cuidado e a proteção, eu ainda não faço terapia, mas está nos meus planos. Sou cercado também de muito amor, mas é necessário esse autocuidado, porque as pessoas vão ser cruéis sem nenhuma piedade. Eu aprendi a silenciar sempre que um conteúdo viraliza, a bloquear quem tem coragem de falar o que quiser, mas não mostra o rosto. Eu também me afasto das redes quando eu acho necessário, vou ler, escrever, assistir… Mas eu acho que uma das coisas que eu consegui “conquistar” foi uma rede de afeto com pessoas pretas. Hoje, eu tenho muitos amigos pretos e amigas pretas que fiz pelas redes sociais, pessoas que entendem melhor sobre as minhas dores. E tive a sorte de encontrar quem hoje é meu melhor amigo (eu nunca tive isso haha). Eu descreveria muito essa relação de amizade como autocuidado, é uma das poucas pessoas que, de fato, me compreende, e quando não, não me coloca num lugar de alguém que vai ser julgado, é sempre um caminho de diálogo, aprendizado e crescimento. É bom ter uma relação de amizade que me humaniza.
No dia 25 de agosto, Rick Trindade foi um dos convidados do Negrê no último ciclo de lives no nosso Instagram para falar sobre Masculinidades Negras. Confira:
Foto de capa: Reprodução/Instagram.
Jornalista profissional (nº 4270/CE), preocupada com questões raciais, e graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.