“Ser mãe é uma construção, você constrói uma relação com o seu filho e essa relação é construída diariamente”. É o que nos conta a assistente social e modelo Jéssica Campos, 26, sobre a maternidade. “Estou num caminho de fazer com que eles sejam melhores que eu e o pai deles. Porque eu acredito que filho precisa ser a nossa evolução, sabe? A gente tem que criar algo melhor pro mundo também!”. Ela é mãe de duas crianças, Maya, 5, e Ravy, 8 meses, fruto do relacionamento com o futebolista Matheus Jussa, 27.
Bacharel em Serviço Social pela Universidade Nove de Julho (Uninove) há quase quatro anos, ela conversou com o Negrê e compartilhou um pouco sobre sua visão e seus medos enquanto mulher negra e mãe de duas crianças negras. Confira um pouco da história de Jéssica e suas perspectivas com a maternidade.
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Negrê – Como mulher negra, por que você escolheu a maternidade? Foi um plano que sempre fez parte da sua vida?
Jéssica Campos – Eu acho assim, a maternidade é uma escolha mesmo. Você escolhe. Porque gerar… muitas mulheres conseguem sustentar uma gestação, mas escolher ser mãe e lidar com isso diariamente é uma escolha de tempo integral e não de meio de turno, sabe? Então, quando você escolhe trazer isso pra sua vida, tudo muda. Porque as escolhas precisam ser mais responsáveis e mais pensadas. A maternidade é uma escolha diária porque se você acordar um dia não querendo ser mãe isso vai impactar diretamente no psicológico e no desenvolvimento daquela criança, entendeu? Mas pra mim, foi um susto porque… o Ravy não foi planejado, a Maya menos ainda. Eu recebi eles já com essa missão, né? Não planejei nenhum dos dois…
N – E como era a vida antes da maternidade?
J.C. – A minha vida antes da maternidade era extremamente profissional. Eu sou capricorniana, nascida no dia 16 de janeiro, então eu sou extremamente correta e justa assim em questões financeiras e logísticas de trabalho, sabe? Então, a minha vida antes das crianças era completamente ligada ao trabalho. Eu sabia que a moda poderia dar certo na minha vida e eu não ia descansar enquanto eu não fizesse aquilo acontecer, sabe? Eu tinha um sonho assim dentro do meu coração e era um lugar em que as pessoas me olhavam de uma forma diferente. Porque eu sempre fui alta e magra. Então, eu fiz dar certo… assim eu acredito que tive uma persistência, uma coragem de persistir porque eu escutei muitos ‘nãos’, nãos de grandes marcas, nãos de agências e eu não desistia. Eu falava: “Uma hora vai dar certo…”.
N – Como mãe de duas crianças negras, quais são os medos que você tem perante a realidade da sociedade brasileira?
J.C. – Meu maior medo é o estado, a polícia. Esse é o meu maior medo! Porque em relação a todas as outras questões, eu potencializo muito os meus filhos. E o Ravy, ele ainda é um bebê mas ele dorme e eu falo assim no berço dele: “Você pode estar onde você quiser, você é forte, você pode ser o que você quiser”, sabe? Eu sempre espero a Maya dormir e sempre afirmo isso pra ela o tempo todo. Se você falar metade da frase, ela já vai completar pra você. Então eu tô sempre falando: “Você é linda, filha. Você é forte. Você pode estar aonde você quiser, você pode ser o que você quiser, você não precisa se preocupar se não tem outras pessoas tão parecidas como você“. Então eu potencializei ela nessa questão da vaidade e da autoestima, mas o que mais me assombra e me assusta é a polícia, esse poder que a gente tem ainda de defesa do estado, sabe? Tanto a mim quanto ao meu marido, a gente teme muito essa questão principalmente pelo Ravy ser homem, sabe? Pelo Ravy ter nascido menino. Ele vai ser um homem negro, um homem de pele escura, de cabelo escuro e isso socialmente ainda é taxado como marginal. Então o que mais me assusta é a polícia, o armamento, essa relação de perseguição que eles têm com a nossa característica, com o nosso estilo, com a potência que nós somos. E eu quero que meus filhos sejam potência, eu não quero que eles abaixem a cabeça!
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N – Você faria tudo outra vez? Seria mãe de novo? Colocaria seus outros projetos de lado pelos teus filhos? Ou se pudesse voltar atrás, não faria ou faria de uma outra forma ou de um jeito melhor?
J.C. – Eu faria tudo outra vez. Eu tenho vontade de engravidar de novo, que meu marido não ouça (hahaha). Mas eu tenho, eu tenho vontade. Porque eu acho que é o melhor, sabe? É o melhor que a gente pode ser, é a nossa melhor parte. Eu acho que ser mãe pra mim hoje é a minha melhor parte. Todas as outras eu consigo colocar defeito, mas essa minha profissão mãe eu exijo excelência… assim, eu pesquiso, eu vou atrás do que eu não sei, eu vou atrás de profissionais pra poder me ajudar, pra ajudar a minha filha. Então eu exijo muito porque mãe é a profissão que tem o maior impacto na vida de todo mundo. E eu quero impactar meus filhos de uma forma muito positiva. Então, eu faria tudo outra vez de uma forma ainda melhor porque eu acho que a gente pode evoluir todos os dias, né? Se eu puder fazer tudo de novo, eu faria e com mais criatividade.
N – O que você diria para outras mulheres negras que desejam um dia ser mães e formar uma família negra num país como o Brasil? Porque falar sobre família negra é muito importante…
J.C. – Eu diria que você pode ser a potência que você quiser, então você pode potencializar seus filhos, seu marido, da melhor forma. Quando uma mãe negra engravida, ela fica com medo ali. “Ah, como vai ser o cabelo do meu filho? Como vai ser o cabelo da minha filha? Como vai ser a boca?”. Vai ser lindo! Afirma isso dentro de você! Porque quanto mais você afirma, quanto mais você se potencializa, quanto mais você se blinda daquilo que você acredita ser lindo, correto e certo, você faz com que todos ao seu redor enxerguem isso em você, enxerguem na sua família. E eu diria que o amor negro é lindo, né? A gente chama muita atenção, nossa! E se você tem essa vontade de ser mãe, eu diria: tenha! Porque o amor ele impacta as pessoas também, sabe? E o amor quando se multiplica ali e aquela coisa nasce e você consegue se potencializar e potencializar a sua família, você impacta outras vidas assim, sabe? Então, ame. Só ame. E se potencialize porque o mundo vai tentar te apedrejar e te menosprezar de alguma forma. Então, esteja bem potencializada. Acredite no que você acha lindo, acha correto, acredite na sua essência. Potencialize ela e viva. Porque isso de alguma forma vai impactar outras pessoas. Acreditar que o amor é lindo de qualquer forma. O amor negro então é ainda mais. Porque poxa, meu marido sabe das coisas que eu passei, ele passou pelas coisas que eu passei, ele reconhece meu cabelo porque ele reconhece o cabelo da mãe dele. Ele diz que a nossa relação é de muita familiaridade porque ele é tão negro quanto os homens da minha família e eu sou tão negra quanto as mulheres da família dele. Então, eu já era casa dele antes de ser o lar. E ele já era minha casa antes de ser o lar.
Foto de capa: Arquivo pessoal.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2022 e 2023. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.