Abri os olhos. Seis da manhã. Mais cedo do que costumo acordar normalmente (e, principalmente, no primeiro dia útil da semana). Mas foi um acordar automático, sem alarme. Afinal, como uma apaixonada pelo futebol, como eu, pode dormir enquanto o principal evento desse esporte acontece a todo vapor?
O último dia 24 de julho pode ter sido mais uma segunda-feira como qualquer outra para muita gente, mas, para quem acompanha e vivencia o esporte foi dia de presenciar mais um imponente capítulo da história do futebol feminino acontecer. Dia de vestir a amarelinha, vibrar muito e preparar a garganta para os xingamentos e gritos de gol típicos de mais um dia de futebol. Dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo Feminina.
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Durante anos (e ainda hoje), a empolgação não era a marca registrada dos jogos femininos. Muitos homens questionam a qualidade do futfem e cobram resultados imediatos, sempre comparando com a modalidade masculina. Dizem que “ninguém liga para o futebol feminino” ou “elas não têm técnica”, “o jogo é feio”, “claro que o futebol feminino não dá audiência”…
Imagine que o futebol praticado por mulheres foi proibido por lei no Brasil durante 30 anos. Apenas em 1983 foram permitidos os primeiros times, que se concentraram em maior número no eixo Sul-Sudeste. Como compensar tantos anos de atraso de investimento e mentalidade em relação à modalidade praticada por homens?
Felizmente, nos últimos anos, consigo perceber certos avanços reais relacionados ao futebol de mulheres, tanto dentro quanto fora dos gramados. E o mais importante disso tudo é o olhar direcionado às necessidades desta categoria, que é um produto próprio, único e que não deve ser relacionado com o futebol masculino. A começar por esta Copa.
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Recordes e conquistas da Copa do Mundo
Com exclusividade de transmissão na TV, o Grupo Globo montou a equipe de cobertura da Copa do Mundo com o maior número de mulheres da história da empresa na competição, 16: in loco estão Cintia Barlem (produtora), Franciane Dahm (repórter cinematográfica), Bárbara Coelho (apresentadora), Renata Mendonça (comentarista), Gabriela Moreira (repórter), Denise Thomaz Bastos (repórter), Letícia Marotta (repórter cinematográfica), Roberta Nomura (Chefe da Cobertura) e Stephanie Buckley (produtora de planejamento). Aqui no Brasil, estão: Renata Silveira (narradora), Natalia Lara (narradora), Isabelly Moraes (narradora), Ana Thaís Matos (comentarista), Aline Callandrini (comentarista) e Rafaelle Seraphim (comentarista).
Apesar de ser uma competentíssima equipe, ainda faço a ressalva da pouca presença de mulheres negras nesse momento histórico. Espero apenas que, a exemplo do aumento de 2019 pra cá, a quantidade de jornalistas negras nessa e em outras coberturas esportivas cresça e promova a diversidade dentro do próprio jornalismo, ainda tão branco.
Os números do Mundial também se mostram muito empolgantes até aqui: o jogo de abertura, entre Nova Zelândia e Noruega, teve o recorde de público no futebol de mulheres neozelandês, com 42.137 torcedores no estádio. Além disso, segundo informações divulgadas pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), o público da rodada inicial da Copa foi 54% maior do que o da mesma rodada da última competição, em 2019.
Na própria estreia do Brasil, contra o Panamá, as transmissões bateram recordes de audiência por aqui. A Cazé TV, canal que detém os direitos no digital, registrou mais de 1 milhão de aparelhos simultâneos conectados. A TV Globo também teve a maior audiência para a faixa de horário (8h às 10h) desde 2008, com 16 pontos, segundo o Painel Nacional de Televisão.
Projeções
Os dados são animadores, mas ainda há muito o que conquistar, seja no futebol feminino, que especialmente aqui no Brasil (e no estado do Ceará) precisa de mais apoio e investimento do que o que recebe no momento, seja na existência de mulheres negras na cobertura deste e de outros tantos grandes eventos. Os números vêm crescendo, mas precisamos cobrar de todos os lados para que os anos de atraso para as nossas sejam minimamente compensados com as oportunidades que chegam.
Espero que o hype deste Mundial não suma junto com o final do torneio. Espero que sigamos apoiando e mostrando a modalidade e as nossas jogadoras em outros momentos do ano e em outras competições.
Foto de capa: Thais Magalhães/CBF.
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Jornalista graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Editora-adjunta do Site Negrê e autora do livro-reportagem “Passa a Bola pra Elas” (2021). Apaixonada por basquete, automobilismo e futebol; produz conteúdos sobre a vivência de atletas negros e negras no esporte. É ainda repórter do Novo Basquete Brasil (NBB) em Fortaleza (CE).