O fashion filme Acumulô é um curta-metragem produzido por artistas pretos nordestinos LGBTQI+ e que traz em sua essência um apanhado de sentimentos e referências para a moda do futuro e de agora: preta, ancestral, consciente e responsável. O roteiro do filme, a produção criativa, a montagem e todo o espírito do projeto foram executados a partir de referências visuais cyber ancestrais com o hackeamento do sistema para a nova moda que reflete sobre os impactos do consumismo e que resgata a ancestralidade do povo preto. Acumulô tem como referência a Performance do Tempo Espiralar, de Leda Maria Martins, escritora negra poetisa. Esse conceito de tempo espiralar compreende o tempo com espiral, onde passado, presente e futuro estão sobrepostos e conectados. O regionalismo também está muito presente no cenário icônico de Morro Branco, Litoral Sul do Ceará, e nos tecidos e acessórios das roupas com muita cor, renda e crochet.
O filme é dirigido por Matheus Dias, o ‘M. Dias Preto’, artista visual que trabalha com fotografia, colagem, designer gráfico, audiovisual e moda utilizando linguagens que fujam da estética global. O curta também traz a crítica sobre os excessos e consumismo que a indústria da moda produz e como reutilizar o que já existe. A produção de Acumulô foi realizada pelo artista de cena e performer Juan Monteiro, que também é corroteirista, junto com M. Dias Preto. A stylist do projeto responsável pelo conceito e composição dos looks é Carlota, que também encena com os artistas Júnior Meireles e Juan Monteiro.
Com uma paleta de cores marcantes e a ancestralidade refletindo sobre os acúmulos, corpos pretos entram em cena para ocupar espaço na moda e mostrar um formato responsável que reutiliza o que já existe, não desperdiça e resgata a cultura regional. Segundo Matheus Dias, o conceito de tempo espiralar está em todos os processos de Acumulô que teve total entrega da equipe. “Os acessórios feitos de pedrarias à mão e as roupas de retalhos ilustram essa percepção de Leda Maria. Todo mundo tava junto produzindo e coexistindo para que tudo funcionasse”, conta.
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Afrofuturismo
Um outro forte conceito presente no filme é a estética visual cyber ancestral/afrofuturista com a concepção de ‘Hackeamento do Sistema’, de Jota Mombaça, mulher trans preta e pesquisadora. O conceito traz a ideia de roubar o atual sistema opressor para a verdadeira transformação do futuro. “Nós, pessoas pretas, trans e corpos dissidentes, devemos pegar o sistema opressor e hackear para criar realidades que nos representem”, conclui Matheus Dias.
Ainda de acordo com o diretor, a ideia inicial era trazer o futuro regionalista, e as ideias que surgiram foram criando essa atmosfera cyber ancestral e afrofuturista. “A partir das nossas referências, fomos nos aproximando do conceito visual afrofuturista e questões mais pertinentes sobre o que a indústria da moda produz, daí vieram as noções e imagens de acúmulos, de roupas, coisas e sentimentos. Nós, pessoas pretas, temos acúmulos enquanto pessoas pretas dentro da arte e da moda”, conta.
Produção
A produção de Acumulô foi um verdadeiro garimpo, onde se buscou trazer a mensagem central baseada na moda ancestral, responsável e regional, mas construir o projeto dentro das referências de conscientização de que as nossas ações reverberam no passado, no presente e no futuro. O produtor, corroteirista e ator Juan Monteiro falou um pouco sobre a experiência do projeto e de como eles absorveram as referências para a construção do fashion filme. “A gente pensou em um roteiro inicial, mas tinha pouco recurso financeiro. Então, a partir das referências e das nossas vivências, nós fomos atrás do que tínhamos em casa, o que dava pra ser feito com as nossas próprias mãos e utilizamos o que estava à nossa disposição sem precisar comprar”, explica.
Juan Monteiro explica que na construção do roteiro, quando os atos eram escritos, as peças eram pensadas e buscaram como apoio o acervo de roupas da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Nós não compramos roupas e nem tecidos, fomos na UFC e fizemos um garimpo escolhendo as peças que remetessem e ilustrassem a nossa cultura local e também a mensagem do reinventar e reutilizar as roupas para criar novos looks”, conta.
Cenário
O espaço e o local escolhido para a gravação de Acumulô foi outro ponto representativo do curta. Além de Morro Branco ser uma praia icônica e um cartão-postal internacional do Ceará, o litoral é bastante simbólico para o povo nordestino, que possui uma extensa orla marítima. Além disso, cada um dos integrantes de Acumulô são oriundos de terras litorâneas. O artista da cena, Júnior Meireles, é de São Luís (MA), a stylist Carlota é de Aracati (CE), o diretor Matheus Dias é de Fortaleza (CE), e o artista Juan Monteiro é natural de Aquiraz (CE). Júnior Meireles conta que essa atmosfera litorânea influenciou na inspiração do cenário e na conexão do grupo. “O espaço, a praia, desperta as nossas vivências e é uma característica em comum que nos aproxima. Existe toda uma atmosfera e uma experiência individual de cada integrante em seu local de origem, que é o litoral”, revela.
O fashion filme Acumulô faz parte do II Movi Moda exibido na 21º edição de Dragão Fashion Brasil House. Esta edição, devido à pandemia causada pelo coronavírus, ocorre em formato totalmente digital. O curta está disponível nas plataformas digitais e redes sociais do evento. O grupo de artistas responsáveis por Acumulô já atuaram juntos na primeira edição do Movi Moda do DFB, em 2019, com o trabalho “Ponto”. O trabalho foi campeão na categoria talento estudantil.