Carolina Maria de Jesus (1914-1977) ou Bitita, como gostava de ser chamada na infância, cresceu com a dura realidade que todo negro era destinado a ter no século XX. Pobre, filha de uma lavadeira analfabeta, neta de escravizados e com um olhar sobre a vida que sofrimento nenhum pôde roubar, apresentou à literatura brasileira escritas que escancararam as desigualdades vividas dentro da favela. No dia em que lembramos a data de falecimento da escritora, ocorrido há 46 anos, separamos frases suas que refletem sobre a vida, arte e fome.
Ainda criança, teve que sair da escola em seu 2º ano do primário para ajudar a mãe a criar seus outros sete irmãos, passaram fome e frio em vários locais onde tentaram reconstituir a vida. Quando chegou em São Paulo (SP), sua sede por educação e curiosidade sobre o mundo nunca a deixaram se acostumar com serviços domésticos, e foi na biblioteca de um dos patrões que passava suas folgas se deliciando com os livros que nunca pôde ter.
Infelizmente, ao engravidar de um português que a abandonou, foi demitida e voltou a morar na rua até chegar à favela de Canindé, terreno à margem esquerda do rio Tietê, onde todo morador em situação de rua foi mandado pelo então governador Adhemar de Barros (1901-1969).
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Foi lá que Carolina construiu seu próprio barraco e criou seus três filhos sozinha, João José (1948), José Carlos (1950) e Vera Eunice (1953), cada um de um relacionamento diferente. Ela dizia que homem algum ia entender sua necessidade literária, pois estava sempre à frente com suas leituras e escritas, o que havia se tornado um hábito.
Foi lá também que estava quando um jornalista, que foi em busca de material para uma reportagem sobre favela, a encontrou e junto a ela, o que viria a ser um dos maiores sucessos literários dos próximos anos. “Quarto de despejo” foi lançado em 1960 e retratava detalhadamente e com uma propriedade que só Carolina com sua vivência como uma mulher negra, favelada, mãe solteira/solo e poetisa conseguiriam construir.
A obra vendeu 10 mil exemplares em uma semana, tendo oito edições no ano de seu lançamento, mas não lhe deu garantia de estabilidade, pois é muito difícil um Brasil acolher para a eternidade uma preta favelada, ainda que genial. Assim, Carolina Maria de Jesus morreu pobre e cansada, e com o passar do tempo sua obra não foi envelhecendo, as denúncias sociais de fome, miséria, racismo e machismo continuam fortes ainda hoje e suas escritas são referência de força e determinação.
A escritora veio a lançar quatro obras em vida, “Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada” (1961), “Pedaços da fome” (1963) e “Provérbios” (1965), mas seus conteúdos e talento eram tão grandes que após seu falecimento, em 13 de fevereiro de 1977, ainda foram lançados “Diário de Bitita” (1986), “Meu estranho diário” (1996), “Antologia pessoal” (1996) e “Onde está a felicidade?” (2014). Fora os diversos manuscritos que não tiveram lançamento.
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Agora, vejamos seis citações da escritora que valem a pena ler e refletir:
– “As crianças ricas brincam nos jardins com seus brinquedos prediletos. E as crianças pobres acompanham as mães a pedirem esmolas pelas ruas. Que desigualdades trágicas e que brincadeira do destino.”
– “Quando eu não tinha nada o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que, quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário.”
– “Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade.”
“Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.”
– “Eu pensava: ‘Meu Deus! quem foi que começou esta questão? Foi o preto ou foi o branco? Quem procurou o preto? Se foi o branco quem porcurou o preto, ele não tem o direito de reclamar. O negro não invadiu suas terras, foram eles que invadiram as terras dos negro.”
– “Quando havia um conflito, quem ia preso era o negro. E muitas vezes o negro estava só olhando. Os soldados não podiam prender os brancos, então prendiam os pretos. Ter uma pele branca era um escudo, um salvo-conduto.”
Foto de capa: Marília Camelo/Pinacoteca.
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Estudante de Jornalismo na Universidade de Fortaleza (Unifor). Vê no fazer jornalístico o poder de tocar e conscientizar as pessoas através de histórias e vivências, principalmente as que não costumam ser o foco da sociedade: vindas da periferia. Sempre fui próxima da escrita, mas para além disso, busco escrever para o meu povo, para quem quer ler sobre afro referências, cultura da favela, manifestos raciais. Por isso, o jornalismo negro é o caminho que busco percorrer em minha carreira.