Colunas

Afrocentricidade: ameaça para uns, perspectiva de vida para muitos

Primeira reflexão: Afrocentricidade como ameaça para quem?

Em um debate que estive como convidada, falei sobre minha decisão política em utilizar majoritariamente referências pretas em meus escritos, me baseando nos estudos da afrocentricidade. Expliquei por meio de estudos como as criações de pessoas negras são atingidas por tentativas de apagamento. Mesmo assim, no final do debate, como de costume, fui questionada por uma pessoa branca: “você disse que não utiliza brancos nas referências, mas nem aqueles clássicos que têm contribuições para as questões que você discute?”

Ao responder que eu poderia utilizar qualquer considerado clássico, mas que a intenção é justamente valorizar o que historicamente passa por tentativas de apagamentos. Posteriormente, me veio em mente duas considerações: 

1. como pessoas brancas se defendem entre elas, até na menor necessidade de defesa. Um comportamento que evidencia o medo de perder seus espaços nos lugares de disputa de conhecimento. Ou seja, enquanto estamos buscando reorganizar nossas referências tomadas pelo epistemicídio, se cria uma perseguição contra os considerados clássicos que nem nós mesmos temos tempo de realizar;
2. como pessoas brancas não fazem a escuta sobre o que falamos, mesmo que falemos da forma mais didática possível. Se estamos nos momentos de fala, não há reflexão sobre o que apontamos. 

Estando hoje na pós-graduação, me mantenho atenta, pois estar em âmbitos embranquecidos não garante que haja escuta e compreensão de minhas falas. Por isso, para pessoas pretas, esperar pela compreensão da branquitude deva ser a menor preocupação dentre outras urgências. Como dialogar quando não há escuta?

Mesmo pensando que um impacto real de um povo preto não seja ocupando espaços brancos e sim construindo seus próprios caminhos, é nítido que ainda há um impacto quando esses corpos se movimentam nos lugares consolidados pelos saberes hegemônicos. Há um medo por parte de uma branquitude de que destruamos suas leituras intocáveis. Assim, afrocentrar nosso cotidiano pode ser considerado uma ameaça à zona de conforto daqueles que desfrutam de diversos privilégios raciais, até mesmo o “simples” privilégio de entrar em uma sala de aula e se enxergar nas leituras compartilhadas.

Afrocentricidade como possibilidade de vida

Tendo influências do pensamento de Cheikh Anta Diop (1923-1986), a afrocentricidade articulada como paradigma pelo professor Molefi Kete Asante (77 anos) por volta de 1980, foi uma das perspectivas que mais repercutiram pelo mundo. Primeiramente tendo como base a compreensão de que a humanidade se inicia em África, assim como as primeiras formulações de conhecimentos de diferentes áreas. 

Pensar África como primeira detentora da vida humana parece distante para muitos, pois há uma supremacia branca que se coloca historicamente como criadora e dominadora, desconsiderando a existência daquilo que não a detém como centro e perspectiva. O que se sabe sobre África? Qual identificação ancestral as pessoas pretas possuem com o continente africano?  Com a afrocentricidade é possível repensar tudo o que nos foi contado sobre nossa própria história. É a reorganização de uma narrativa da história africana que inclui toda afrodiáspora.

Para as pessoas pretas de toda diáspora, existe a possibilidade de reconhecer a afrocentricidade como maneira de buscar uma localização, é o que propõe Asante. Se localizando como uma pessoa preta, localizando a ancestralidade africana ao centro de nossas vidas, cotidianamente. Existe algo hegemônico que nos destrói ao mesmo tempo que busca nos reconstruir à sua maneira por meio da deseducação colonial, que é o eurocentrismo, e isso não nos cabe. 

Dentro de uma perspectiva afrocêntrica, o que cabe é a conscientização de que há algo para ser construído entre nós que possível, nossas referências existem e não somente entre muros de instituições, mas para além deles. Não somente nos escritos, mas em todas as formas de estar no mundo. Ou seja, em meio a diversas violências raciais, buscar reverenciar a ancestralidade africana entre as pessoas que se parecem conosco, se ver como agente de sua própria imagem e distante daquilo que busca tirar nossa humanidade. 

Foto de capa: Divulgação/Pexels.

Compartilhe: