Inspiração. É por esse caminho que se dá início a concepção de um processo artístico e criativo. A coreografia neoclássica We Pray (Nós Oramos) teve como principal inspiração o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), movimento indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021. A performance foi coreografada pelo bailarino brasileiro e co-fundador do Blacks in Ballet (BIB), Ruan Galdino, e interpretada pelos bailarinos, a cubana Cláudia Monja e o brasileiro Gabriel Fernandes – todos da Companhia de Ballet Profissional Joburg Ballet –, de Joanesburgo (África do Sul).
A coreografia fez parte de um conjunto de performances – coreografadas por bailarinos profissionais da Joburg Ballet – e apresentadas entre os dias 20 e 21 de março – data em que marca o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. Além de We Pray, Joburg Ballet apresentou as coreografias Legae, por Tumelo Lekana, Omega 3, por Armando Barros e Le Roux Variations, por Thabang Mabaso.
Motivos para se inspirar
Há um conjunto de experiências que deu forma e corpo a coreografia We Pray. A música Pray for You (Rezar por você) do artista musical sul-africano Leon John é um dos pontos principais de inspiração.
Ruan Galdino conta que a ideia da coreografia surgiu quando ouvia música do Leon John, enquanto estava em casa antes do Lockdown. “Ele é meu amigo. Fui apresentado por outro amigo para ele e também quando a música dele “Pray for you” seria lançada. Então eu imaginei coreografia no palco. o que me tocou na música foi que ele nela ele fala que continuará orando pela pessoa que machucou ele. Eu fiquei pensando sobre a música e acabei tendo um sonho com um casal dançando com esse som”. É o que afirma Galdino em entrevista ao Site Negrê.
“Além disso, o fato de ter bailarinos negros muito bons foi uma inspiração para imaginá-los reproduzindo algo que estava na minha cabeça. A presença deles foi muito importante”, acrescenta Galdino.
O projeto Blacks in Ballet – que torna visível a presença de bailarinos negros em companhias de danças ao redor do mundo – também foi outro motivo para sua inspiração. “Os quais não tem voz ou dança valorizados, pelo fato de serem negros”, diz.
Não menos importante, a própria família do brasileiro também o inspirou para esse processo criativo. “Mesmo quando nós estamos sofrendo, sempre desejamos o melhor para as outras pessoas”. Muito da proposta da canção do cantor sul-africano.
Processo criativo
O movimento Black Lives Matter – que ganhou mais força no ano passado após o assassinato do norte-americano George Floyd (1973-2020) – se encaixou perfeitamente no objetivo da coreografia. “Então, para mim, o processo criativo foi tentar simbolizar através de uma coreografia a dor e o sofrimento que os negros sofrem por falta de privilégios na sociedade em geral. E também como, mesmo sentindo essa dor, nós desejamos o melhor para os outros e para nós mesmos”. É o que diz Ruan Galdino.
Com o uso de movimentos clássicos, a coreografia teve um caráter neoclássico. Uma arte para sensibilizar. Porque as pessoas que assistiram choraram. “Pensar que a dança pode impactar e sensibilizar as pessoas sobre o movimento Black Lives Matter, sobre racismo estrutural, racismo político, racismo histórico, tudo que envolve essa questão de cor, de raça e blackground, de passado”. E uma coreografia para enaltecer corpos negros. “Os corpos do Gabriel e da Claudia que são corpos lindos”, declara.
Para o bailarino e intérprete da coreografia, Gabriel Fernandes, não foi um processo criativo difícil. “Na verdade foi muito gostoso, por sinal. Primeiro que além de ser um colega de trabalho, é um grande amigo. Eu já conheço e sei qual é o estilo, o que ele sente e tenta passar”, disse ao Site Negrê.
E como bailarino negro, Gabriel Fernandes percebe a importância de fazer parte de coreografias que expressem essa ideia. “Mostrar o que de fato a gente sente, o que eu sinto, o que eu passei. A possibilidade de mostrar a minha história e o que eu passei. Porque nesse mundo não existe um único negro que não tenha sofrido preconceito, por menor que seja. Nunca é bom. Então, enquanto bailarino e artista, isso é importante”.
“Os meus movimentos contam: ‘Olha, foi isso que aconteceu comigo’, e também é o que meu coreógrafo quer passar porque isso também aconteceu com ele. Isso está acontecendo e vem acontecendo há muito tempo. Mostrar o que anda acontecendo no mundo, que nós negros sofremos muito preconceitos e muitas vezes estamos sozinhos e precisamos de alguém ali com a gente. Às vezes, não temos”, finaliza.
Ouça a música “Pray for You”, de Leon John:
Foto de capa: Donavin Cicatello.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE), preocupada com questões raciais, e graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.