A redação do site Negrê atravessou o Oceano Atlântico (sem sair do Nordeste brasileiro – pois ainda estamos vivenciando a pandemia do Covid-19) para realizar a primeira série de reportagens, o especial África Sustentável. Damos início ao nosso percurso pelo extremo Sul do Continente Africano com África do Sul, para ampliar o seu olhar sobre Sustentabilidade na África e desmistificar discursos errôneos sobre territórios africanos.
Situado na região Meridional, o País lista 11 línguas oficiais (de seus grupos étnicos, além do inglês) e tem como extensão um território de 1.221.037 quilômetros quadrados. Fora do comum da realidade de outras nações, há três capitais: Pretória (executiva), Cidade do Cabo (legislativa) e Bloemfontein (judiciária). No entanto, Joanesburgo é a cidade mais populosa. O atual Chefe de Estado é o presidente Cyril Ramaphosa (ANC), 67, desde 2018.
Sua população é estimada em 57,78 milhões, conforme dados recentes (2018), disponibilizados pelo Banco Mundial. Já o site Country Meters* estima a população sul-africana em 57,68 milhões, com população feminina um pouco mais da metade (50,5%) e masculina um pouco menos da metade (49,5%).
A nação sul-africana, conhecida a nível mundial por tantos pela história do regime ditatorial de segregação racial Apartheid (1948-1994), é considerada hoje a segunda economia da África, ficando apenas atrás da Nigéria, de acordo com dados do Banco Mundial. Durante um longo tempo, a África do Sul foi a maior economia do Continente. E ocupa hoje a 25ª maior economia do mundo com Paridade de Poder de Compra (PPC). Seu Produto Interno Bruto (PIB) anual por pessoa é $ 14,978 (R$ 83.288)**, conforme levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI). Sua moeda é o Rand sul-africano.
O que para muitos pode não parecer, mas a terra do ativista anti-Apartheid Nelson Mandela (1918-2013) aponta para caminhos sustentáveis. Seja na alimentação, nos produtos presentes nos supermercados para quem busca uma alimentação sustentável, a exemplo de pessoas vegetarianas e veganas. Seja no acesso da água para o consumo humano, bem como no conhecido localmente como corte de carga de energia, quando há uma restrição no seu fornecimento. Ou até mesmo quando a população segue uma cultura de evitar o uso do plástico nos supermercados e demais estabelecimentos de compra. Já que nos espaços comerciais, as sacolas são feitas de materiais ecológicos, como o papelão.
Estar inserido no contexto sul-africano é perceber esses detalhes no cotidiano, no modo como a população lida com o consumo de bens naturais e na busca por uma sustentabilidade dentro das atividades humanas. É poder beber a água da torneira – própria para o consumo humano – desde o aeroporto até o local de hospedagem. É ir ao supermercado e encontrar uma variedade nos produtos – para quem é vegano(a/e) ou vegetariano(a/e)*** ou apenas busca uma alimentação mais sustentável – com preços acessíveis. É realizar compras e não levar consigo sacolas de plásticos, já que pouco se vê lá. E há alternativas para levar as compras para casa.
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Acessibilidade e experiências
África do Sul é o país africano listado com mais restaurantes veganos, vegetarianos e com opções veg no cardápio. Está no topo da lista, ocupando o primeiro lugar (388), conforme dados fornecidos pelo Happy Cow – aplicativo que fornece informações para viajantes veganos(as/es), presente em mais de 180 países. A ferramenta online disponibiliza uma lista com fontes de comida saudável, vegetariana e vegana ao redor do mundo e próxima à localização do(a/e) usuário(a/e). Já no Continente Africano todo, foram registrados 768 estabelecimentos com refeições veganas, vegetarianas e opções veg nas refeições.
A brasileira Gabriella Major, 22, graduada em Relações Públicas, esteve na Cidade do Cabo em julho de 2019, onde permaneceu por 32 dias para estudar. Ela é vegana há um ano e veggie há quase cinco anos. “Eu me surpreendi muito quando eu cheguei porque eu sabia que teria opções nos lugares, talvez não em todos, mas eu me surpreendi com a quantidade de restaurante vegano que tinha. Além da quantidade de opções veganas, de fácil acesso que tinha em supermercados”, diz. Major se refere a esse fácil acesso em relação aos produtos que não são encontrados facilmente no Brasil.
O País está entre os 30 principais países (em 23º no ranking) no qual o veganismo tem ganhado cada vez mais popularidade, segundo informações do Google Trends. Entre as localidades mais indicadas para quem busca opções veganas – pensando em um parâmetro que vai de 100 a 54 pontos –, estão Stellenbosch, Randburg, Cidade do Cabo, Sandton (na Região Metropolitana de Joanesburgo) e Porto Elizabeth. A realidade não reflete na cidade mais populosa, Joanesburgo.
“Eu lembro que tinha um supermercado bem pequeninho na esquina da minha casa e, assim, tinha absolutamente tudo, sabe? Se eu quisesse um queijo vegetal tinha lá e era mega acessível. Hambúrguer, tudo… E eu lembro que as opções nos restaurantes eram muito boas. Todos os lugares eu tinha pelo menos umas cinco opções para escolher. Eu lembro que cada prato tinha uma versão vegana”, relata. Gabriella Major lembra ainda que trouxe alguns produtos para o Brasil no seu retorno. Sem dúvidas, a alimentação foi algo que a surpreendeu bastante.
Em março do ano passado, a Cidade do Cabo sediou o primeiro festival de comida vegana do país, na 14 Hope Street Gardens, no bairro Gardens, conforme noticiou o site Plant Based News. O evento viu a necessidade devido ao aumento da demanda por alimentos, comidas, bebidas e variedades de produtos sem origem animal.
O sul-africano e vegano há pouco mais de seis anos Sascha Dubrovo, 27, acredita que a África do Sul é um país bastante sustentável. “Certamente criamos consciência sobre práticas como reciclar, menos resíduos, cuidar melhor do planeta, mas sempre há mais a fazer”, diz o representante de marca para uma companhia de nutrição esportiva. Em entrevista, ele menciona que há uma grande conscientização sobre a reciclagem e muitas empresas estão tentando encontrar maneiras de embalar seus produtos em materiais mais sustentáveis.
“Existem também os restaurantes veganos e vegetarianos, que por existirem inspiram mais pessoas a viver dessa forma. Também vi alguns supermercados com “desperdício zero”, que são muito úteis para criar um modo de vida mais sustentável”, relata. Dubrovo ainda diz que se você segue uma dieta baseada em vegetais e alimentos integrais, será bastante fácil ser vegano na África do Sul.
“Isso significa comer apenas alimentos não processados, como frutas, vegetais, etc. que estão em seu estado mais natural. Isso é fácil porque geralmente esses alimentos são acessíveis”, diz o sul-africano.
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Economia ou escassez de recursos
No início deste ano, a população sul-africana passou por cortes na energia elétrica durante algumas horas e alguns dias da semana determinados, conforme apurou a reportagem do Negrê. O fato é que há uma crise energética na África do Sul. A redução da carga de energia feita pela concessionária nacional de energia e o gerador de energia primário Comissão de Fornecimento de Eletricidade (ESCOM) ocorreu em quatro períodos. O último e mais recente teve início em dezembro de 2019 e foi até março de 2020.
Para uns, isso pode ser lido como precariedade. Para outros, sustentabilidade. E, ainda, para outros, como um problema. O economista agrícola e economista-chefe da Câmara de Negócios Agrícolas da África do Sul, Wandile Sihlobo, 29, pontua essa ação de corte de energia como uma preocupação para a economia na África do Sul.
“A escassez de fornecimento de energia, que geralmente leva à redução de carga ou racionamento de energia, é uma preocupação fundamental para a economia, pois tem um impacto negativo na produtividade econômica. Este foi um desafio antes da pandemia e poderia restringir o crescimento após a pandemia se não fosse abordado”, diz o sul-africano Sihlobo.
No entanto, o racionamento de eletricidade foi reduzido neste mês de setembro, conforme noticiou o site Bloomberg.
*Fonte: United Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações
**Conversão: Aplicativo Xe Moeda feita no dia 27/09/2020 às 18h34
***Linguagem inclusiva: O Negrê opta por usar os termos vegano ou vegetariano com a adição da vogal “e” para contemplar aqueles que não identificam o seu gênero com as vogais “a” ou “o”.
Nos próximos dias, não deixe de acompanhar a primeira série de reportagens do Negrê, o especial África Sustentável!
Ilustração de capa: Suellem Cosme.
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Jornalista profissional (nº 4270/CE), preocupada com questões raciais, e graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.