Alagoas Vozes

Fotógrafo preto radicado em Alagoas vence microbolsa EL PAÍS e Artisan

O fotógrafo e historiador preto, Roger Silva, 40, radicado em Alagoas, venceu em primeiro lugar o concurso de microbolsa EL PAÍS e Artisan que selecionou quatro trabalhos fotográficos realizados nas comunidades periféricas do Brasil nesta semana.

Morador do Eustáquio Gomes, bairro periférico da parte alta de Maceió, Silva é professor de história formado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), dá aulas numa escola privada da capital alagoana e complementa a renda trabalhando com plotagem.  

O trabalho selecionado é intitulado Banzo e foi idealizado a partir da morte de uma empregada doméstica pelo novo coronavírus, no Rio de Janeiro. Traz um sentimento de melancolia em relação a ausência à terra natal, aversão à privação da liberdade oriunda da escravidão da população negra no Brasil, além de ser resistência aos maus tratos e os trabalhos forçados. 

As máscaras usadas no ensaio foram confeccionadas pelo artista plástico alagoano, Gilbef. Sobre os autorretratos, o fotógrafo pontua: “Quando comecei a pensar Banzo, estava pensando nas minhas dores enquanto preto periférico que precisava sair para trabalhar mesmo em meio a uma pandemia de proporções mundiais. Pensei que poderia perder minha mãe que é empregada doméstica, e precisava ir trabalhar. Depois, quando comecei a ver as mortes aumentando, entendi que Banzo não era só sobre mim”. 

O professor de história que fotografa profissionalmente desde 2014, começou a ter contato com a profissão aos 12 anos, fotografando amigos e familiares no interior de Pernambuco. Mas só após o ingresso na Ufal a fotografia passou a fazer parte de sua vida de uma maneira “visceral”.

“A fotografia me ajudou a entender mais sobre mim e os outros. Ela é tão forte na minha vida que meu trabalho de conclusão foi feito tendo-a como fonte principal”, defende. 

O prêmio de uma microbolsa no valor de mil reais foi destinado ao melhor eleito pelo júri entre os finalistas da convocatória e teve como foco mostrar ao grande público os trabalhos fotográficos concluídos ou não.

As fotografias contemplam desigualdade econômica, social, saúde, transporte, trabalho, discriminação racial, direitos LGBTQIA+ e outros temas de justiça social e direitos humanos, focado na crise ocasionada pela Covid-19. Além da premiação em dinheiro, os trabalhos agraciados irão compor um fotolivro com tiragem de 60 cópias, cada finalista receberá 10 livros. 

O site Negrê conversou com o fotógrafo e historiador preto, Roger Silva, e o bate papo você confere abaixo. 

Negrê Recentemente você ganhou em primeiro lugar a microbolsa EL PAÍS e Artisan. Me fala um pouco sobre o processo de produção do ensaio. 

Roger Silva Na verdade, Banzo não foi pensado para o concurso, quando soube da inscrição, já estava com ele pronto. Resolvi inscrevê-lo porque estava dentro dos parâmetros pedidos no regulamento. Desenvolvi Banzo na sala da minha casa no Eustáquio Gomes. Foi um ensaio intenso, me cobro muito e me isolo para fazer minhas fotografias. Como essas foram autorretratos, tive ainda mais dificuldades. Não costumo posar para câmeras, embora esse seja meu terceiro trabalho nessa categoria. Fiz nas madrugadas, nesse período não estava conseguindo dormir devido a diversos fatores, um deles a pandemia. 

N A série fotográfica de autorretrato vencedora é intitulada Banzo e discute as dificuldades da população negra periférica no período de isolamento da Covid-19. Como você percebe o isolamento social em seu bairro?

R.S. Transito muito entre alguns bairros periféricos e moro em um também. É muito complexo falar sobre esse tema, porque têm os que acreditam no vírus e os que não. Banzo fala da parcela que tem medo, e o medo muitas vezes é camuflado pelos sorrisos diários. Na periferia é assim, nem sempre quando estamos sorrindo é porque estamos felizes. Quando comecei a pensar Banzo, estava pensando nas minhas dores enquanto preto periférico que precisava sair para trabalhar mesmo em meio a uma pandemia de proporções mundiais. Pensei que poderia perder minha mãe que é empregada doméstica, e precisava ir trabalhar. Depois, quando comecei a ver as mortes aumentando, entendi que Banzo não era só sobre mim. Estamos nessa onda de resistir e sobreviver há bastante tempo. Hoje se fala muito em empoderamento negro, mas no fundo estamos cansados, tendo que dar conta de se autoafirmar em meio a dores e angústias produzidas há centenas de anos por um sistema racista e desigual que continua nos empurrando para baixo. 

N O trabalho vencedor foi realizado fora do eixo Rio de Janeiro x São Paulo. Me fala um pouco da importância de trazer uma outra narrativa para além do Sudeste. 

R.S. As narrativas estão aí a todo o momento, só falta alguém prestar atenção nelas. O Nordeste é uma potência em arte e cultura, assim como o Norte e etc. Acredito que muitos não gostaram de um nordestino ter vencido. Isso não me importa, penso que estamos aqui produzindo e dando nosso melhor faz tempo. Espero que mais Banzos se destaquem no meio da multidão. A fotografia é um mar de possibilidades, eu usei algumas técnicas, mas o principal foi acreditar nela e na sua potência. 

N Os boletins epidemiológicos do estado de Alagoas revelam que as mortes por Covid-19 têm maior incidência na população negra. E o seu trabalho vencedor justamente foi influenciado pela notícia da morte de uma empregada doméstica por Covid-19, no Rio de Janeiro, no começo da pandemia. Qual a importância do seu trabalho nesse sentido?

R.S. Espero que Banzo seja visto além da estética, sei que é difícil quando se trata de imagens, mas desejo que ele ajude as pessoas a refletirem sobre as dores, angústias e tristezas. Banzo é sobre essas perdas e mortes ao longo da história do povo preto. Lembro de quando estava fazendo as fotos, e em alguns momentos rememorei as angústias dos nossos irmãos atravessando o Atlântico nos porões dos tumbeiros. Por trás das máscaras escorreram muitas lágrimas. Sei que não fui capaz de sentir uma fração do que eles sentiram, mas só o fato de pensar sobre essas histórias já é pesado demais. Daí eu me deparo nesse cenário, onde irmãos e irmãs continuam morrendo a todo instante. A gente está falando de pandemia e tal, mas uma parcela imensa de nós continua sendo assassinada a luz do dia. Penso que Banzo possa ser importante nesse quesito de reflexão sobre quem é que continua sofrendo e morrendo, e com isso, quem sabe entendermos um pouco mais sobre quem somos e o que devemos fazer.

N Ao menos, percebo que existem poucos fotógrafos negros em Alagoas e, principalmente, aqueles que trabalham com a questão racial em sua fotografia. Foi uma decisão desde os primeiros trabalhos abordar essa temática? 

R.S. Penso que não tenham poucos, talvez eles não sejam vistos, ou são vistos e ignorados. Viver de fotografia sendo negro e periférico não é fácil, minha primeira câmera foi de segunda mão e tive que parcelar em dez vezes. Identifiquei-me com a fotografia por me sentir incomodado em não ver representação negra nas imagens alagoanas. Hoje, já conheço vários que fazem um trabalho massa, não só homens, mas mulheres também. Não tem como fugir do tema racial, a fotografia é parte de nós, então não dá para fugir disso. Para viver de foto periférica já é outra questão. Faço porque é o que me mantém realizado. Amo a cultura negra. 

N Qual a importância de trabalhar com a temática da negritude na fotografia produzida em Alagoas? 

R.S. Precisamos produzir sobre nós. Ao longo da História, quem fez isso foi o homem branco, acredito que já deu. É claro que temos fotógrafos brancos que têm boa intenção, que fazem trabalhos importantes sobre o negro, isso é bom! Não gosto de segregar, isso já fazem com a gente e não é legal. Contudo, se faz necessário uma produção negra sobre a negritude, inclusive para entendermos quem somos a partir da nossa ótica. A referência da nossa imagem precisa ser a partir de nossas reflexões e experiências. 

N Você é professor de História. A sua formação contribui de alguma forma no seu trabalho? Fala um pouco a respeito.

R.S. Minha formação em História foi o divisor de águas na minha vida. Me reconheci negro na universidade, minha fotografia é fruto dessa descoberta. Sem a História talvez estivesse mergulhado na escuridão ainda.

Foto de capa: Pedro Leão.

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