We Race as One. Foi com essa frase (em tradução livre, “Corremos como um”) que a Fórmula 1 deu início a uma campanha que busca atuar em prol da diversidade em um dos esportes mais elitistas, racistas e machistas do mundo. A iniciativa (também voltada para o combate da pandemia de Covid-19), juntamente com as palavras End Racism (“Fim do Racismo”), estampa carros e boxes desta temporada de 2020.
Além disso, a Fórmula 1 também se prontificou a criar uma força-tarefa para aumentar a diversidade no esporte. Com isso, o presidente e CEO da categoria, Chase Carey, contribuiu com 1 milhão de dólares para a criação de uma fundação que pudesse garantir que grupos minoritários na F1 consigam ter uma potencial carreira no esporte.
Porém, quem acompanha de perto a categoria sabe que essas situações acontecem muito mais de maneira protocolar do que como um apoio real à diversidade e ao fim do racismo. Podemos ver isso quando Lewis Hamilton, o único piloto negro do grid, torna-se o grande responsável por tomar à frente em protestos, em usar a enorme plataforma que tem para falar sobre o assunto e é amplamente criticado por isso.
Desorganização nos atos antirracistas
A partir da primeira prova do ano, ocorrida na Áustria no dia 5 de julho, houve um momento antes de cada corrida em que os 20 pilotos do grid se ajoelhariam em protesto contra o racismo. Vestidos com uma camisa com a frase “End Racism”, os atletas se dividiram quanto ao posicionamento. Na Áustria, seis pilotos não ajoelharam: o italiano Antonio Giovinazzi , o espanhol Carlos Sainz Jr., o monegasco Charles Leclerc, o russo Daniil Kvyat, o finlandês Kimi Raikkonen e o holandês Max Verstappen. Do Grande Prêmio da Grã-Bretanha, no dia 2 de agosto, em diante, o dinamarquês Kevin Magnussen também parou de se ajoelhar.
Porém, entre uma corrida e outra, era nítido que a adesão dos pilotos estava se tornando menor. Na Hungria (onde foi realizada a 3ª corrida do ano), houve apenas 30 segundos para que todos se posicionassem para o ato, que estava visivelmente desorganizado. Hamilton afirmou que a questão não havia sido discutida na reunião anterior e criticou o piloto francês Romain Grosjean, diretor da Grand Prix Drivers’ Association (GPDA): “Ele não acha que é importante [protestar]. Ele é um dos que pensa que já foi feito e é isso.”
Na ocasião, o inglês também cobrou mais da categoria. “Precisamos falar com a Fórmula 1. Eles têm que fazer um trabalho melhor. Fizemos tudo muito apressados. Eu não sei porque fizeram isso apenas na primeira corrida.”
Justiça para Breonna Taylor
No último domingo, 13, Hamilton chegou ao autódromo de Mugello, na Itália, e participou do ato antirracista vestindo uma camisa com a frase “Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor” na parte da frente e com os dizeres “Diga o nome dela” e a foto da jovem atrás. Taylor, uma mulher afro-americana, foi morta com oito tiros por policiais dentro da própria casa, em março deste ano em Louisville, no estado do Kentucky, nos Estados Unidos.
Logo após vencer o 90º Grande Prêmio da carreira (a duas vitórias de se tornar o maior vencedor da história da categoria), o piloto britânico vestiu novamente a camisa antes de subir ao pódio. Nesta segunda-feira, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), afirmou que existe a possibilidade de abrir uma investigação contra Hamilton pelo uso da camisa, por se tratar de um “ato político” e a FIA ser considerada uma “organização não-política”.
Uma das várias perguntas que ficam é: de que adianta criar hashtags, dizer estar ao lado da diversidade no esporte, mas punir o único piloto negro por usar da visibilidade que tem para pedir justiça para os seus? Quem dissocia esporte de política, definitivamente não entendeu nada do papel social que ele tem na nossa sociedade.
Depois de a declaração da FIA se tornar pública, vários usuários no Twitter utilizaram a hashtag #IStandWithLewisHamilton (#EstoudoLadodeLewisHamilton), como forma de apoiar o piloto e criticar a atitude da federação de automobilismo.
Lewis Hamilton não é somente um atleta com inúmeros recordes alcançados nas pistas; é, acima de tudo, um grande ser humano, que, assim como muitos de nós, passou por muitas dificuldades para atingir o principal objetivo da vida. Como homem negro, ele entende a necessidade de se manifestar em prol dos muitos irmãos e irmãs que sofrem diariamente com o racismo. Como uma pessoa pública, ele sabe a importância de se posicionar perante os milhões de seguidores e fãs.
Só que dentro do universo preconceituoso da Fórmula 1, Hamilton luta sozinho. Fazer campanhas e estampar camisetas e carros com hashtags e frases de efeito é bem fácil. Difícil mesmo é estar presente verdadeiramente na luta antirracista, e parece que disso a Fórmula 1 ainda está longe.
Foto de capa: Getty Images.
Jornalista graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Editora-adjunta do Site Negrê e autora do livro-reportagem “Passa a Bola pra Elas” (2021). Apaixonada por basquete, automobilismo e futebol; produz conteúdos sobre a vivência de atletas negros e negras no esporte. É ainda repórter do Novo Basquete Brasil (NBB) em Fortaleza (CE).