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Princesinha de Favela e o valor de nossas produções

Qual é o valor de recuperar nossa autoestima? Qual é o valor de reconstruir coletivamente a ideia do espaço em que vivemos com as memórias que agregamos? Flávia Almeida, Helen de Sá, Georgia Pinheiro, Mabel Castro e Marley chegaram com a Produtora Princesinha de Favela (PPDF). E reuniram apenas princesinhas de favela para uma roda de conversa e produção, abrindo caminhos para saídas criativas. Estas que transpassam o desfecho predestinado de subordinação da juventude periférica, principalmente o lado artístico que nasceu pra brilhar e ser estrela na própria cidade

A Princesinha de Favela é uma agência criativa formada por mulheres independentes, negras e faveladas de Fortaleza (CE). Depois de tanta desvalorização no mercado de trabalho, Helen, Flávia e Georgia decidiram unir tudo o que tinham: uma câmera, alguns tecidos, maquiagens, talento e muita vontade de produzir! 

Indo além, o coletivo age nas periferias de Fortaleza desde 2018, desenvolvendo meios de dialogar com a juventude sobre a força da representatividade, aquela com o propósito de combater opressões e fortalecer a rede de apoio enquanto jovens negras e produtoras em diversas áreas.

O projeto atua no agenciamento de modelos, na fotografia, moda, beleza, direção de arte e audiovisual com foco no empoderamento da estética e identidade cultural do povo periférico.

Realeza: um sonho ancestral

O “Realeza” foi o primeiro desfile de moda periférica da Capital cearense. Realizado na praia da leste em dezembro de 2021, a PPDF contou com uma superprodução, envolvendo cenário, atuação, dança, música, grafite e uma produção de moda que ia do autoral ao brechó, do casual ao conceitual. Apenas com modelos que não caberiam no padrão eurocêntrico, a produtora ressignifica o conceito do “belo”, conseguindo afirmar que dentro da favela tem beleza, bom gosto, muita arte e cultura. 

O desfile Realeza contou apenas com marcas de roupa e modelos de periferia. Foto: Naya Oliveira.

Apesar do sucesso dentro das comunidades, a produtora ainda é subestimada. Como empreendedoras negras e faveladas, as diretoras da PPDF sentem o peso de terem que trabalhar duplamente para provar seu valor e conseguir investimento. Apesar disso, seguem na caminhada para nutrir seu sonho e o de várias jovens que também sonham parecido.

Momento do início do desfile, encenação representando  ancestralidade, afeto e respeito pelas gerações de mulheres negras. Foto: Naya Oliveira.

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O valor de nossas memórias

Na mais recente oficina da produtora, ocorrida no último dia 25 de março no Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar (MAC), o tema “O valor de nossas memórias” direcionou a roda de conversa preenchida por meninas trans, cis, travestis e meninos gays majoritariamente pretes* e de corres independentes. 

Despertados pelas memórias da infância, quando se atravessa a cortina de contas que divide os cômodos da casa como quem diz “não se passa de um canto para o outro sem movimentar-se”, e estando na sala vazia de um museu, a provocação foi levantada: quais memórias são valorizadas? 

O contexto da oficina era o encerramento das atividades do Curso De-Curadoria – edição Fortaleza, promovido pelo Instituto Dragão do Mar. Na ocasião, a PPDF foi convidada para apresentar a perspectiva de Curadoria Decolonial, aquela que a produtora já faz quando prioriza a beleza e as produções fora do padrão hegemônico colonial

Então, foi refletido como trazer à tona as memórias bem como olhar o passado para mudar o futuro. Entender como o padrão imposto pela colonização e todo o racismo estrutural prejudicou nossos antepassados de tais formas que nos afetam até hoje e, a partir disso, desenvolver formas de desconstruir essas opressões, criando e fortalecendo nossas próprias comunidades

Reconhecer como o mercado de trabalho pode nos judiar, quando nossa representatividade é exposta de forma sensacionalista, muitas vezes manipulada por superiores brancos apenas usando a afroconveniência -quando alguém se utiliza da negritude para fim de obter vantagem própria, esvaziando a luta. E ainda que nosso posicionamento à frente do nosso próprio trabalho pode ser questionado e nossa voz silenciada, porque sistematicamente os patrões não querem dar o que merecemos.

Com tudo isso é justificável “ser movido pelo ódio, não pelo amor”, expressado por Chris Rodrigues, ou Poesia Viva, multiartista participante do casting PPDF que desabafou e interpretou sua poesia geralmente apresentada nos ônibus:

Querem apagar a nossa história da história
mas seremos marcas tão profundas 
cicatrizes tão escuras 
que nem cicatricure pode clarear  
eu sou guerreiro do gueto
sobrevivo nos becos e vielas
sou preto
eu tenho peito
eu sou do meu jeito

Vivência PPDF

Todos esses tópicos foram depoimentos das princesinhas reunidas no MAC antes da segunda parte do encontro, a vivência em produção de moda. Separadas em dois grupos, as participantes dispuseram de roupas, maquiagens e acessórios levados por elas mesmas. Sob a orientação das diretoras, a ideia foi produzir um ensaio fotográfico no qual cada pessoa do grupo assumiria uma função da produção de moda, como styling, direção, fotografia, beleza e modelagem.

O resultado foram os ensaios “Quebrada de Monalisas” e “Duquesa”, trabalhos improvisados, mas de qualidade profissional norteados pela capacidade das participantes e o sentimento de coletividade, estavam todas ajudando umas às outras, aumentando a autoestima umas das outras.

Registro do ensaio do grupo 2 “Quebrada de Monalisas”. Foto: Poesia viva.

A Princesinha de Favela é mais do que uma agência, é um projeto que dignifica a existência do corpo negro, do cabelo afro bem como da estética favelada. E como obras de arte – literalmente – ocupando o Museu, é possível se enxergar, como Flávia começa a falar: “se enxergar e desenvolver a consciência corporal, descobrir seus melhores ângulos até notar que todos são (os melhores) e se abraçar”. E é completada por Mabel: “porque a Princesinha é esse abraço, é acolhimento e afeto”. 

Registro do ensaio do grupo 1 “Duquesa”. Foto: Luiz Oliveira.

*Uso da linguagem inclusiva: o Negrê opta por usar o “e” para neutralizar o gênero da palavra e incluir àqueles que não se identificam com feminino ou masculino.

Foto de capa: Poesia Viva.

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