Radar Negro

Trajetória e obra de Lima Barreto inspira podcast da Rádio Batuta

O centenário de falecimento do escritor Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) foi lembrado na última terça-feira, 1º. Pensando nisso, a rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, viu na data uma oportunidade para homenagear a trajetória, a produção e o legado do literata negro.

O podcast Lima Barreto: O negro é a cor mais cortante é composto por cinco episódios, mostrando que o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) era um expoente da literatura brasileira quando veio a falecer, e não um artista pouco reconhecido, como continua a se dizer por aí.

O escritor Lima Barreto (1881-1922). Foto: Reprodução.

O conjunto de episódios está disponível, para acesso gratuito, nas principais plataformas digitais, como Spotify e Deezer, e no site da Batuta. A concepção, o texto e a apresentação do podcast são de dois conhecedores profundos da história do escritor: Beatriz Resende, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudiosa de Lima há mais de 40 anos; e Gabriel Chagas, formado na UFRJ e que leciona Literatura e Cultura Luso-Afro-Brasileira na Universidade de Miami atualmente.

Estrutura do podcast

Cada epis´ódio tem um aspecto em destaque e, pelo menos, uma pessoa convidada. No primeiro, A morte e a vida de Lima Barreto, narram-se os momentos finais do literata e as referências feitas a ele na imprensa da época. O capítulo também ressalta como, nos últimos tempos, sua obra vem sendo revista e celebrada em toda a sua grandeza, com a homenagem pela Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2017, a peça Traga-me a cabeça de Lima Barreto, escrita e dirigida por Hilton Cobra, que faz parte do episódio, além do o lançamento de várias publicações sobre ele.

A obra de Lima Barreto sempre ocupou um lugar peculiar e decisivo na literatura brasileira. Foi o primeiro romancista a trazer a periferia do Rio de Janeiro para a literatura. Apesar de estudos fundamentais dedicados a sua obra, só no século XXI foi definitivamente reconhecido. Mais do que isso, despertou um interesse inédito de jovens leitores negros”. É o que afirma a professora universitária Beatriz Resende.

Foto: Divulgação.

O segundo episódio tem como tema o racismo. Desde a fase jovem, Lima Barreto foi alvo de forte preconceito, o que registrou em várias de suas crônicas e em romances como Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909) e Clara dos Anjos (1948). Ele nasceu sete anos antes da Abolição da Escravatura (1888) e foi levado por seu pai para ver a assinatura da Lei Áurea (1888), acontecimento que o marcou muito. Dessa forma, o convidado do capítulo é o antropólogo Júlio Tavares, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e nome importante na luta antirracista. A frase “O negro é a cor mais cortante”, que dá nome ao podcast, está no romance inacabado do autor Cemitério dos vivos, escrito entre 1919 e 1920. 

Lima Barreto teve, ainda na década de 1910, uma percepção impressionante sobre o racismo na sociedade brasileira. Percebeu, com uma lucidez que muitos ainda não têm hoje, que o racismo entre nós está na espinha dorsal do país e que, portanto, assinar a Lei Áurea não seria o bastante. Se hoje discutimos racismo estrutural, encarceramento em massa e segregação, Lima pavimentou há um século esse caminho para nós”. É o que declara o professor universitário Gabriel Chagas. 

Já o capítulo três, O Brasil é uma vasta comilança, discute política. Lima Barreto foi um crítico permanente da república, com seu autoritarismo, seu elitismo e seus conchavos. “A república no Brasil é o regime da corrupção”, escreveu. Quem participa do episódio é a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, professora da Universidade de São Paulo (USP) e autora da biografia Lima Barreto — Triste visionário (2017). 

O quarto episódio é intitulado de O hospício e retrata as duas internações do escritor no Hospício Nacional de Alienados. A obra Diário do hospício é matéria-prima essencial, do qual participa o psiquiatra Paulo Amarante, professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e liderança na luta pelo fim dos manicômios. 

O podcast termina com o episódio Rio de Janeiro, cidade pela qual Lima Barreto era apaixonado. A música se faz especialmente presente neste episódio, que conta com depoimento da violonista Marcia Taborda, professora da UFRJ e estudiosa da história da música do Rio de Janeiro. Outro convidado é o historiador e escritor Luiz Antonio Simas, grande tradutor da vida na cidade. 

Sobre a emissora

Idealizada e fundada em 2010, a Rádio Batuta tem como objetivo principal divulgar o acervo musical do Instituto Moreira Salles. A coleção é formada, em sua quase totalidade, por discos de 78 rotações por minuto, produzidos no Brasil entre 1901 e 1964. Os primeiros documentários da rádio foram sobre Noel Rosa (1910-1937) e João Gilberto (1931-2019). Ao longo dos anos, a Batuta diversificou seu repertório e realizou séries sobre Jorge Ben Jor, 83, Frank Sinatra (1915-1998), Aracy de Almeida (1914-1988), Pixinguinha (1897-1973) e muitos outros. Além de programas regulares de jazz e música clássica. Há dois canais 24 horas, um de música brasileira e outro de clássica.

Confira os episódios

1 – A morte e a vida de Lima Barreto
2 – Racismo
3 – O Brasil é uma vasta comilança
4 – O hospício
5 – Rio de Janeiro

Ouça o podcast:

https://open.spotify.com/show/70jU1lznMk6EoEZb3Rhts8

Disponível no Deezer também!

Ficha técnica

Concepção, textos e apresentação: Beatriz Resende e Gabriel Chagas
Roteiro: Evandro Luiz da Conceição
Coordenação: Luiz Fernando Vianna
Locuções: Junior Vieira, Cridemar Aquino e Yasmin Santos
Edição: Filipe Di Castro
Sonorização e finalização: Janaína Oliveira
Pesquisa: Yasmin Santos
Identidade visual: Mariana Mansur
Trilha sonora: gravações presentes no site Discografia Brasileira, do Instituto Moreira Salles

Foto de capa: Reprodução. 

LEIA TAMBÉM: Museu cearense abre convocatória de fotografia no mês da Consciência Negra

Apoie a mídia negra nordestina: Financie o Negrê aqui!

Compartilhe: