Atualizado às 17h56 do dia 23/07/2020
Hoje, dia 30 de junho de 2020, são completos 60 anos desde a Independência da República Democrática do Congo, um país da África Central. Dentro do cenário de ascensão de diversos movimentos pela descolonização do Continente Africano, o Congo, que até então era uma colônia belga, conquistou sua independência e mergulhou em um cenário de instabilidade política.
Antiguidade e Colonização
O território hoje correspondente ao Congo foi ocupado ainda durante a Antiguidade por povos de línguas bantas oriundos da África Oriental e por povos da região do Nilo. Lá foram fundados, entre outros, os reinos de Luba, Baluba e Congo. O reino do Congo, particularmente, cresceu bastante, e no século XV, já exercia domínio sobre diversos povos do Centro-Oeste do Continente Africano. A partir do século XVI, dada a presença do homem branco europeu no continente, passou a ser sistematicamente violentado pelo mercado de negros escravizados, tornando-se uma das bases do tráfico negreiro.
Em 1878, o colonizador britânico Henry Stanley (1841-1904) fundou entrepostos comerciais no rio Congo sob o mando de Leopoldo II (1835-1909), rei belga. A Conferência de Berlim, em 1885, foi o episódio no qual se deu a partilha da África entre as nações europeias, sendo um marco no neocolonialismo do século XIX. A partilha da África encerrou de vez a divisão do território africano em sua diversidade étnica, estabelecendo fronteiras geopolíticas de acordo com a colonização, pelos europeus, das áreas do continente africano.
Ao fim da Conferência, o território do Congo passou a ser propriedade pessoal do rei Leopoldo II, sob a designação de Estado Livre do Congo. O rei belga escravizou a população da colônia para a produção de borracha. Há relatos de que, caso não atingissem a meta de produção, os escravizados poderiam ter suas mãos cortadas, além de outros abusos ordenados pelo monarca.
Anos mais tarde, em 1908, o território congolês passou a pertencer ao estado Belga, tornando-se colônia da Bélgica e sendo chamado de Congo Belga. Por ter sido uma colônia marcada por profunda exploração econômica, a administração do país tendeu a prejudicar muito fortemente os nativos. A exploração do Congo praticamente construiu a Bélgica — o rei Leopoldo II é considerado o “rei construtor”.
Independência
Em um contexto de organização de movimentos pela descolonização do Continente Africano no pós-Guerra, diversos levantes por independência foram percebidos no decorrer da segunda metade do século XX. No Congo, o Movimento Nacionalista do Congo (MNC), liderado por Patrice Lumumba (1925-1961), teve seu nascimento nos anos 1950. Diante de uma série de conflitos violentos e de uma pressão de diversas entidades nacionais, junto à ONU, pela descolonização do território congolês, o Congo conquistou sua independência relativamente cedo. Em 30 de junho de 1960, foi declarada a independência do Congo e, depois disso, a maioria dos colonos europeus deixou o país.
Essa independência, contudo, foi conturbada e mal preparada. O presidente eleito no mesmo ano, Joseph Kasavubu (1915-1969), e o primeiro-ministro e líder do Movimento Nacionalista, Patrice Lumumba, tiveram muitas dificuldades em manter o país coeso e unido. Um motim do exército contra os oficiais belgas que ainda detinham o controle, ocorrido apenas cinco dias após a independência, e a declaração de independência da província de Katanga, com o apoio dos Estados Unidos e da Bélgica, foram dois episódios que marcaram esse primeiro momento de instabilidade. O Conselho de Segurança das Nações Unidas negou ao presidente do recém independente Congo o envio de tropas internacionais para conter os conflitos.
Lumumba acreditava que a libertação da África não dependia somente da descolonização, mas também da independência econômica em relação ao Ocidente. Declarações nesse teor incitaram um temor anticomunista nos países ocidentais, alimentado pelos ares da Guerra Fria (1947-1991), apesar de o próprio Lumumba ter declarado que também não iria se submeter à influência soviética. Esse temor levou ao sequestro e assassinato de Lumumba em um golpe de Estado financiado e apoiado pelos Estados Unidos, o qual instaurou um regime ditatorial personalista liderado pelo antigo oficial da Força Pública (uma espécie de exército colonial), Joseph Désiré Mobutu (1930-1997).
Mobutu, a ditadura e os tempos de Zaire
Ao assumir o poder depois do golpe de Estado, em 1965, Mobutu mudou o nome do país para Zaire e o seu próprio para Mobutu Sese Seko Koko Ngbendu wa za Banga, que, de acordo com a enciclopédia Britannica, significa, em tradução livre do inglês, “o todo-poderoso guerreiro que, por sua resistência e inabalável vontade de vencer, vai de conquista em conquista, deixando fogo por onde passa”.
O apoio dado pelos Estados Unidos foi fundamental para a manutenção do governo de Mobutu. Os EUA financiaram o seu governo em troca do seu anticomunismo e da liberação dos minérios do Congo para exploração do capitalismo ocidental.
O governo de Mobutu é tido como um dos mais cruéis e corruptos da história do Congo. O ditador passou 32 anos no poder, durante os quais enriqueceu bastante às custas da exploração do país. Foi derrubado em 1997, como um dos homens mais ricos do mundo.
Congo hoje
Mesmo após a promessa de democracia com a derrubada do governo de Mobutu, houve uma série de conflitos oriundos da instabilidade política no país. Estes, somados às graves condições socioeconômicas decorrentes da violenta exploração à qual foi submetida o território e o povo congolês por diversos anos, obrigaram a República Democrática do Congo a conviver com confrontos constantes e governos autoritários.
Desde o fim da ditadura de Mobutu até hoje, o Congo segue sendo palco de profunda instabilidade, com cerca de 20 anos de guerra civil. Congo é um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais (ouro, diamante, cobre, etc.), mas a sua população é uma das mais pobres. A presença de milícias e os interesses externos sobre os recursos naturais do país são os principais motores dessa instabilidade interna nos dias de hoje.
Congo e Bélgica: revisitando o passado colonial
Nem todos os problemas, contudo, têm a ver com as dinâmicas internas da política contemporânea no Congo. Algumas reivindicações são mobilizadas em busca de reparação pelo recente passado colonial do país. Na última semana de junho, cinco mulheres denunciaram o Estado belga por crimes contra a humanidade. Mestiças (nascidas de pais colonos brancos e mulheres negras nativas), essas mulheres alegam terem sido violentamente separadas de suas famílias e postas em um convento.
Na Bélgica, por outro lado, a nova onda de protestos antirracistas colocou mais uma vez o passado colonial do Estado belga em questionamento. Nesse cenário, a figura de Leopoldo II foi particularmente mais atacada. Isso porque, mesmo que a ele atribuam mais de 10 milhões de mortes, existem diversas estátuas em sua homenagem nos espaços públicos. Protestantes belgas denunciaram os crimes por meio de intervenções em algumas das estátuas espalhadas por Bruxelas.
Foto de capa: Reprodução.
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Historiador pela Universidade Federal do Ceará (UFC), atuando como professor de História. Tem experiência com Patrimônio Histórico e Cultural (SECULTFOR) e estuda trauma em literatura de testemunho na Ditadura Civil-Militar, racismo ambiental e necropolítica. Gosta de música, café e outras artes, tem interesse em temas relacionados à política e cultura e uma paixão inexplicável por aviões.