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O Bolsonarismo é um movimento essencialmente masculino e colonial

A partir desse título, quero trazer aqui para a conversa o sociólogo Henrique Restier que, no livro “Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Masculinidades”, afirma que a Colonização foi um episódio tipicamente masculino. Além da compreensão de que as guerras travadas para a conquista de territórios foram realizadas por homens, o autor vai afirmar que a Colonização também valorizava a ideia do homem dominador, forte, heroico e agressivo, principalmente a partir do poder bélico.

Já que os europeus viviam inúmeras guerras a partir de invasão de territórios ameríndios e africanos; era necessário a construção de uma cultura masculina ligada a valorização da violência, da disputa, das armas e da manutenção de uma cultura cristã, branca, cisgênero, heterossexual, dominadora e eurocêntrica.

Não por acaso, o Bolsonarismo compactua com todos esses valores culturais produzidos pela Colonização, apesar do Brasil ter sido violentamente vitimizado pela colonização europeia. Mas o que interessa para o Bolsonarismo é a reivindicação de um suposto lugar de grandeza nacional, na qual só seria possível através de um alinhamento com a cultura europeia e norte-americana.

Para o Bolsonarismo, quem poderia trazer esse falso sentimento de grandeza nacional seria o típico homem branco viril. Aquele que tem autoridade de um militar (apesar de expulso das forças armadas), que ama a pátria (apesar de bater continência à bandeira dos Estados Unidos), defende a família (apesar do divórcio e da fraquejar ao ter uma filha), ser um homem cristão (apesar de defender o armamento da população) e um típico nacionalista (que ama e buscar introduzir a cultura europeia e estadunidense).

O grande lance não é ser como vocês puderam comprovar com o APESAR, mas parecer ser, e nada mais masculino do que isso. A máscara do homem branco, cristão, hétero e cisgênero é uma ferramenta fundamental para que se possa fazer o que quiser sem um prejuízo social. Então esse homem pode se relacionar com outros homens, ter uma outra família, agredir a esposa e ser extremamente machista, que a máscara do homem-normativo irá proteger.

Você pode ser racista, homofóbico, classista, agressor, ter feito uma suruba com divulgação de vídeo, que no final grande parte da sociedade vai passar pano e até afirmar que aquele homem só tem uma personalidade forte, ou que não sabe se expressar muito bem. Você pode até dar tiros contra a Polícia Federal. Mas isso será visto como um ato heroico, pois é tudo pela família e por Deus.

Para fazer esse paralelo entre o Bolsonarismo e a Colonização, irei me ater aos três elementos importantes que unem o Bolsonarismo a uma perspectiva masculina e colonial. São eles: o armamentismo, a figura de um homem macho e a defesa aos valores cristãos (que sabemos que não são tão cristãos assim).

“A minha especialidade é matar”

Igualmente a Colonização, o Bolsonarismo tem implementado uma cultura armamentista no Brasil; atribuindo a arma enquanto um objeto de defesa pessoal e a posse de arma como um direito cívico. É comum ver políticos e seguidores bolsonaristas exibindo a sua arma, como um sinal de proteção e poder, e a grande maioria são homens brancos, que possuem o poder especial da inocência e da humanidade, no qual previamente o torna inocente de qualquer tipo de acusação.

É apenas um homem branco armado deve ter um bom motivo para ter a posse de arma, deve ser responsável, é para defender a sua honra e a família, assim pensa a branquitude. Para a proteção da cultura do homem branco muita coisa é permitida, inclusive o feminicídio, no qual é justificada a partir de argumentações que colocam a mulher no lugar de culpa, seja pela roupa usada, pelo excesso de ciúmes, pela suposta infidelidade e por também ser violenta.

Guerra Anglo-Zulu: a Batalha de Rorkes Drift em janeiro de 1879. Foto: Ilustração de Giuseppe Rava/ bridgemanimages.

A Polícia Militar quando mata, outra justificativas surgem; como a de que quem morreu era ladrão, que se é policial é matar ou morrer, que a instituição só está protegendo o cidadão de bem e de que foi bala perdida. Essa bala supostamente perdida tem trajeto certo, e grande parte das pessoas pretas sabem disso. Sendo assim, é muito assustador o aumento da quantidade de armas no Brasil, a quantidade de clubes de tiros e das pessoas que conseguiram o porte de arma (nos últimos quatro anos). Nesses últimos anos, vimos policiais militares virando influenciadores, atiradores virarem heróis e a posse de arma de pessoas ligadas ao Bolsonaro serem naturalizadas.

O falso nacionalismo bolsonarista que bate continência aos EUA, faz acreditar que tudo é possível por um “bem maior”; até matar, que para eles, seria se defender, mas se defender de quê mesmo? Já que dados doa Anuário de Segurança Pública de 2022 apontaram que, em 2020, a cada um minuto um homem negro foi morto.

Tudo o que foge a uma cultura colonial branca é perseguido e está fadado a obedecer a lógica dominante. Assim como acontecia com os territórios que eram conquistados e colonizados, acontece com a ideia hegemônica de masculinidade, tanto que uma fala corriqueira do presidente é de que: “a minoria deve se curvar a maioria”.

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O “Imbroxável”

A todo o momento a ideia do “homem de verdade” é defendida pelo presidente, e para isso, ele se prende aos valores e às características do homem branco colonizador. Característica como a violência é facilmente percebida nas atitudes do presidente, seja xingando jornalista, agredindo verbalmente mulheres, insultando opositores e vociferando ideias racistas, sexistas, LGBTfóbicas e classistas. A ideia do homem violento traz a falsa impressão de um cara firme, determinado, de pulso firme e autoritário.

Me lembro que, muitas vezes, essa característica do Bolsonaro foi vista como a de um homem com personalidade forte e destemido. O que não me espanta, já que, até hoje, muitos colonizadores assassinos, escravocratas e torturadores são tratados por parte da sociedade e dos livros de histórias como heróis da nação passíveis de homenagens pelo mundo.

A potência sexual também é uma característica que o presidente faz questão de ressaltar; isso pode ser observado em falas que trazem seu histórico de namorador, de como teve capacidade de ter filhos homens e até em alguns discursos, no qual ele se autodenomina como “imbroxável”, pedindo para a plateia fazer coro. A virilidade masculina está intimamente ligada ao poder; seja sexual, político, social e econômico, e é assim que o presidente se comporta.

É nítido a interferência e falta de transparência deste governo, às vezes há uma sensação de que o Bolsonaro pode tudo e que a lei não vale para ele. Caso se tenha investigação sobre seu filho, o delegado responsável é exonerado, caso se comente sobre os gastos do cartão corporativo, é decretado um sigilo de 100 anos sobre ele, caso precise de apoio no Congresso, se modifica a Lei do Orçamento Secreto para que ele o beneficie politicamente.

Ele é símbolo do poder do pai, o poder do homem branco viril, que é capaz de se defender, defende os homens da sua família e a instituição masculina. Sendo assim, tudo o que foge da ordem do homem brancos cis hétero é fortemente combatido. Todas as expressões que fogem de um modelo hegemônico de masculinidade são amplamente excluídas, a exemplo da expressão das mulheres, das pessoas LGBTQIAP+, da população negra, da população indígena e de outros grupos.

Como no processo de Colonização, no qual houve uma tentativa de apagar as culturas dominadas a partir da catequização, do genocídio indígena, da queima de mulheres lidas como bruxas e da escravização, o Bolsonarismo também tenta excluir, não só outras culturas e formas de existir no mundo, mas a própria identidade brasileira, construindo parâmetros culturais a partir de países estrangeiros.

“Deus acima de todos”

No processo de Colonização no Brasil (1500-1815), a religião cristã era tida como aquela que deveria ser seguida por todos, já que Jesus é a verdade e só poderia existir uma. Ao beber do pensamento do intelectual quilombola Nego Bispo (1959-2023), afirmo aqui que o monoteísmo é tipicamente colonial; é limitado e linear, já o pensamento africano é politeísta, plural e circular. E por essa e outras diferenças, as religiões de matriz africana foram e são vistas como a inimiga do Cristianismo ou são tidas como religiões demoníacas que precisam ser combatidas e perseguidas.

O Deus no qual o Bolsonarismo se curva, é o deus cristão, o pai de jesus, o criador, aquele que está acima de todos. Sendo assim, os valores e a cultura cristã passam a ser, mais do que nunca, uma regra a ser seguida, e sendo regra, todas as outras expressões religiosas se tornam exceção. Ser exceção nesse caso é ter a existência e a importância negada, ao mesmo tempo em que a regra (religião) deverá ser ainda mais expandida.

A catequização de indígenas e de negros africanos, ações rotineiras no processo de Colonização, nunca deixaram de existir, porém com o governo de Bolsonaro essas práticas foram institucionalizadas e potencializadas. Hoje se cria uma narrativa ainda mais racista acerca das religiões de matriz africana, permitindo a institucionalização da perseguição e de mentiras sobre estas religiões. Além disso, a prática cristã nas igrejas, tem se tomado um lugar de reafirmar as opressão sociais, a exemplo da violência contra as mulheres, as pessoas LGBTQIAP+, o povo de santo, os povos originários e a população negra deste país.

Catequização Jesuíta/ Profes.

Os tais valores cristãos defendidos pelo Bolsonarismo prevêem a aniquilação de outras religiões e a possibilidade de fazer tudo em nome de Deus. Essa autorização religiosa tem tido efeitos destrutivos, pois os valores cristãos têm sido alinhados aos valores bolsonaristas, trazendo pautas como o armamentismo, a opressão e o medo para dentro das igrejas.

Hoje é possível ver unção de arma praticada por igreja, fake news como prática de líderes religiosos e a perseguição de cristãos que não compactuam com o Bolsonarismo. A estratégia do medo e da alienação tem sido ferramentas poderosas para o processo de bolsonarização das igrejas, nas quais falsos profetas têm praticamente obrigado seus fiéis a voltarem em Bolsonaro, como se fosse um versão atualizada da catequização praticada no século VI pelos portugueses.

É possível perceber que os líderes cristãos são predominantemente homens brancos, que interpretam a bíblia de forma a fortalecer a estrutura patriarcal. Estrutura esta que tem como base a presença da submissão feminina e da formação heteronormativa de família, ou seja, aquela composta por homem, mulher e filhos. O homem cristão neste caso, se torna símbolo de bondade, justiça, honradez, honestidade e patriotismo. Já a mulher é tida como aquela que deve ficar em casa, cuidando dos filhos e obedecendo seu marido. Esses papeis sociais, não por acaso, remontam as estruturas familiares e os papéis de gênero do século XVI, com o adicional de que os homens brancos também gerenciavam as suas mercadorias, no caso, homens e mulheres negras escravizadas.

Conclusão

No final das contas, o Bolsonarismo é a negação e a reedição colonial de um Brasil que não superou o fim da escravização do século XVI. Além do fim do poder absoluto da Igreja Católica, o fim da ditadura militar, a possibilidade de direitos trabalhistas, de direito das mulheres e da possibilidades de expressão de outras formas de masculinidades, gênero e sexualidade.

O Bolsonarismo é a expressão de um Brasil escravista, no qual os donos de engenho são de brasileiros que possuem famílias europeias ou apenas a cor da pele deles. São, sobretudo, homens brancos que tentam de todas as formas manter seus privilégios masculinos, de continuar nos espaços de decisão da sociedade, a exemplo da política e da economia.

Não tratar do Bolsonarismo e da Colonização sem compreender que há um lugar de destaque masculino, no qual reivindicam o patriarcado da Roma antiga (753 a.C.-476 d.C.), que era pautado no poder exclusivo e absoluto do homem no que tange às funções socioeconômicas e religiosas.

Aqui não quero dizer que o machismo e a masculinidade hegemônica começaram com o Bolsonarismo, mas que evidentemente, esse movimento trouxe a lógica do poder masculino a outro patamar, usando as políticas públicas, seus discursos e sua atuação como presidente em prol da manutenção do patriarcado.

Referências

Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. Disponível no link.

Nêgo Bispo – Vida, memória e aprendizado quilombola.

RESTIER, Henrique; SOUZA, Rolf Malungo de (orgs.). Diálogos contemporâneos sobre homens negros e masculinidades. São Paulo: Editora Ciclo Contínuo, 2019.

Foto de capa: Jacques-Louis David/Revista Superinteressante.

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