Imagine um projeto para enegrecer o universo do ballet clássico. Ou melhor, tornar visível esse enegrecimento que já existe. Tornar visível uma potência preta de bailarinos negros já presente. O Blacks in Ballet (BIB) inaugura esse ideal como uma primeira plataforma de luta antirracista para os nossos pretos e as nossas pretas que dançam ballet clássico pelo Brasil e mundo afora. Idealizado em março deste ano, o Blacks in Ballet é um projeto fundado por três bailarinos brasileiros negros e hoje já soma mais de 11.000 seguidores na conta no Instagram.
Ruan Galdino, solista sênior do Joburg Ballet, em Joanesburgo (África do Sul), teve a ideia de fundar o Blacks in Ballet (BIB) junto de outros dois bailarinos negros. “Eu percebi que em todas as páginas de ballet não tinha muitos bailarinos negros. Isso foi o principal motivo. Os bailarinos negros que têm nessas páginas de ballet que são famosos e conhecidos com milhares e milhares de seguidores… elas [as páginas] não têm bailarinos negros. Eventualmente, eles têm, mas são muito poucos. A maioria é branca e aí de dez bailarinos postados, um é negro. E quando tem. E quando postam negros, são só os mesmos bailarinos, como se somente existissem aqueles bailarinos negros bons no mundo”.
A ideia da plataforma foi movida por esse sentimento de perceber um buraco onde seria necessário desmitificar essa ideia da presença de negros no ballet. Já que, na verdade, existem muitos. É o que pontua Ruan Galdino. “Uma das minhas principais inquietações no mundo do ballet como negro é o fato de que a presença de corpos negros em companhias no mundo ainda é muito pequena. Comparado à quantidade de bailarinos profissionais existentes. É como se eles existissem e eles não são contratados!”.
A plataforma vem crescendo bastante nas redes sociais durante esses meses, principalmente no Instagram. Juntos, Ruan e os outros co-fundadores alimentam o perfil com conteúdo sobre a trajetória de diversos bailarinos pretos que marcaram história no ballet ao redor do mundo. Além disso, há um grupo no whatsapp com mais de 40 bailarinos que dançam profissionalmente no Brasil e em companhias de ballet afora.
“Um dos principais objetivos têm sido uma plataforma que educa porque é uma educação antirracista para quebrar os paradigmas e os tabus de um corpo negro no ballet. Então, educa e mostra as pessoas que o corpo negro também é belo para fazer ballet!”, acrescenta Galdino.
Onde estão os bailarinos negros e quais são os seus ideais? Confira um dos primeiros vídeos no IGTV na página do BIB no Instagram:
Mulheres pretas
Ingrid Silva, primeira-bailarina do Dance Theatre of Harlem, em Nova Iorque (EUA), e co-fundadora do BIB, destaca sua visão. “Como co-fundadora do Blacks in Ballet, eu acho importantíssimo e de grande tamanha amplificação no momento em que vivemos agora trazer visibilidade sim para a mulher negra globalmente que dança balé. É importante que elas tenham essas experiências, que elas tenham essas pessoas que as inspirem. E eu acredito que pra isso ter me impulsionado foi importante pela minha vivência porque eu não tive nenhuma pessoa pra me inspirar. E hoje em dia, nós temos várias pessoas no nosso convívio. Então, esse é um dos pontos de ter uma plataforma como essa também”.
“Eu acho que o Blacks in Ballet pode potencializar a visibilidade em ter mais mulheres negras em companhias, mostrando que elas existem. A gente nunca teve uma plataforma, essa é a primeira! Onde realmente a gente vai estar compartilhando mulheres negras brasileiras ou de outras etnias ou de outras companhias de dança. A gente conhece através do nosso próprio mundo, conversando um com o outro. Mas ninguém nunca viu essas pessoas e eu acho que é isso que a plataforma vai estar fazendo. Ela vai estar elevando e trazendo visibilidade pra essas bailarinas”.
Histórias que precisam ser contadas e mostradas
Outro co-fundador do BIB, Fábio Mariano, bailarino profissional na Collage Dance Collective, no Memphis (EUA), explica que eles perceberam que haviam poucas histórias de bailarinos negros sendo contadas. “Muitas pessoas conhecem um ou dois bailarinos negros (quando conhecem) e como isso faz diferença na representatividade. Nós sentimos a necessidade de criar uma plataforma onde pudéssemos divulgar vários bailarinos negros de ontem, hoje e amanhã no mundo”, reforça.
Conforme Mariano acrescenta, o principal objetivo com a plataforma é mostrar que existiram, existem e existirão muitos bailarinos negros qualificados, quebrando barreiras e vivendo seus sonhos e assim conseguir abrir os olhos de pessoas dentro e fora do mundo da dança e inspirar jovens bailarinos, para que eles possam se sentir representados e conseguir enxergar que é possível realizar seus sonhos.
“Estamos aqui porque acreditamos na diversidade no mundo da dança”. Confira outro vídeo marcante no IGTV do BIB:
Foto de capa: Brandye Lee, Daphne Lee, Kimberely Ho-Tsaï, Nikki Tartt e Luisa Cardoso. Feita pelo fotógrafo Andrew J. Breig para Collage Dance Collective (EUA).
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Jornalista profissional (nº 4270/CE) preocupada com questões raciais, graduada pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É Gestora de mídia e pessoas; Fundadora, Diretora Executiva (CEO) e Editora-chefe do Negrê, o primeiro portal de mídia negra nordestina do Brasil. É autora do livro-reportagem “Mutuê: relatos e vivências de racismo em Fortaleza” (2021). Em 2021, foi Coordenadora de Jornalismo da TV Unifor. Em 2022, foi indicada ao 16º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Jornalista revelação – início de carreira”. Em 2023, foi indicada ao 17º Troféu Mulher Imprensa na categoria “Região Nordeste” e finalista no Prêmio + Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira em 2023 e 2024. Soma experiências internacionais na África do Sul, Angola, Argentina e Estados Unidos.