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Corpos-território em disputa: mulheres do Sul Global tensionam o mundo

Debates sobre políticas públicas, tecnologias, desafios sanitários e equidade em saúde estão acontecendo ao redor do mundo. Mas onde estamos nesse cenário? Ao lado de líderes de 19 países ao redor do globo, durante 21 dias, estive presente como convidada no programa IVLP 2025 em algumas intensas discussões sobre esses temas que se entrelaçam quando o assunto é saúde global. E, enquanto mulher negra do Sul Global, acredito ser necessário falar sobre as lacunas desse debate. 

A linguagem da saúde global é, muitas vezes, desenhada para caber em fórmulas de financiamento e diplomacia internacional. Em nossos “meetings” – as reuniões previamente programadas com instituições importantes nessa área – falamos da estruturação dos Estados e suas soberanias, da coleta de dados, da distribuição de insumos, do financiamento publico privado… mas não necessariamente falamos do real, do periférico.

Estive, felizmente, acompanhada de outras mulheres do Sul Global. Mulheres que tive a honra e o prazer de conhecer, além de também poder voltar inspirada por suas trajetórias e dedicação ao cuidado e desenvolvimento de suas comunidades. Ali, eu e mulheres representantes de Gana, Paquistão, Ruanda, Jamaica, fizemos algo como um pacto silencioso – sempre que possível, iríamos tensionar o debate.

Imagem gerada por Inteligência Artificial (IA).

Questionamos a colonialidade, o epistemicídio dos nossos territórios, a necropolítica em escala global e os efeitos perversos de uma política de extermínio protagonizada pelo governo norte-americano. Reconhecemos que os nossos trabalhos locais formam uma rede global de resistência. 

O Sul Global tem, há gerações, inventado e reinventado sobrevivência. E partindo desse ponto, entendemos o nosso papel enquanto ESSENCIAL. Ali fomos corpos dissidentes ocupando esse espaço de disputa e debate. Discutimos e tensionamos a conversa sobre saúde global sob a nossa ótica. 

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Como desenhamos essa conversa? 

O nosso debate sobre saúde pública e coletiva acontece com o reconhecimento dos corpos que o sistema insiste em apagar. Vamos falar de desigualdade, raça, território, reparação. Vamos exigir que o debate sobre saúde também seja sobre dignidade. Que raça, território, gênero e classe não sejam variáveis de ajuste, mas eixos estruturantes da saúde. Vamos expor que os modelos dominantes de cuidado, pesquisa e formulação de políticas ainda reproduzem a lógica colonial que transformou os nossos corpos em campo de experimento e exploração. Vamos falar da importância em ocupar o debate político.

Imagem gerada por Inteligência Artificial (IA).

Vamos negar veementemente a fantasia da neutralidade técnico-científica e assumir o nosso lugar na disputa. Vamos falar sobre a saúde dos nossos sob o nosso olhar de pertencimento e também domínio técnico e teórico. Vamos sair do lugar de objeto!

Voltei reafirmando uma convicção antiga (felizmente relembrada, já que a medicina branca brasileira me faz, às vezes, esquecer – mas falarei sobre isso depois): discutir saúde exige coragem para assumir a radicalidade.

Radicalidade por justiça social, racial, territorial. Exigir todo poder ao povo. 

Continuaremos a reivindicar o direito de existir com plenitude. E lutaremos para que ele se torne real e que as nossas soluções partam daqui. Pois temos inventado e reinventado tecnologias de sobrevivência.

E estamos, com toda a certeza (e para a frustração de alguns grupos sociais), vingando e vivendo.

Foto de capa: Imagem gerada por Inteligência Artificial (IA).

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