Entrevista Som de Preto

A coletividade de Mateus Fazeno Rock

Cria da Sapiranga, Mateus Fazeno Rock, 29, vem em ascensão, com seus trabalhos originais que fogem e remodelam a indústria nacional da música. O Rock de Favela é um caldeirão sonoro criado a partir de narrativas de artistas periféricos. Então, é comum ver o artista cearense, misturando em suas músicas o reggae, R&B, funk e hip hop. Mas o que fortalece cada vez mais a trajetória do multiartista é a sua coletividade.

Seu coletivo, ou melhor, a família “Fznrck” é formada por artistas pretes e favelades. Juntos, resultam nos espetáculos que são o show de Mateus Fazeno Rock e sua talentosa família de amigos. Uma prova disso foi o show que aconteceu no último dia 5 de novembro.

No Cineteatro São Luiz, foi exibido com exclusividade o clipe de “Jesus Ñ Voltará”, faixa-título do seu mais recente álbum. O videoclipe de animação teve visual produzido pelo ilustrador e diretor de animação Diego Maia, assinando a parceria de Mateus Fazeno Rock e Jup do Bairro, representados por dois seres guardiões de memórias que foram roubadas. 

Foto: Murilo da Paz.

A coletividade, como já citada, é o que enriquece os espetáculos de Mateus Fazeno Rock. Os vocais de Mumutante e Jocasta, o balé com Larissa Ribeiro, Rafa Lima e Raffa Thomaz fascinam dando movimento às letras de Mateus. O Dj Viúva Negra sempre assertivo nas transições, as projeções perfeitamente desenvolvidas por Paula Trojany, o figurino estruturado por Lia Alves e os cabelos produzidos por Belle Azzi, do Nzinga Estúdio, representam verdadeiramente o quanto o trabalho coletivo – e principalmente favelado – pode elevar o nível da produção artística.

Foto: Murilo da Paz.

O show no Cineteatro São Luiz teve participações de Nego Célio, DJ, MC e produtor fortalezense que mostrou a genialidade em suas músicas autorais. Mumutante usou sua voz angelical para proferir poesias cheias de poder, incluindo inéditas. Outra presença especial foi Jup do Bairro, cantora paulista que tem participação na faixa-título “Jesus Ñ Voltará”. Com ela, o público foi do rock ao funk em um pulo, intensificando cada vez mais a experiência do espetáculo.

Foto: Murilo da Paz.

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Pensando na riqueza e amplitude que é a cultura periférica em Fortaleza (CE), a equipe do Negrê conseguiu uma entrevista exclusiva com o elo fundador do Coletivo FZNRCK, o multiartista e rockeiro Mateus Fazeno Rock. Entre memórias, afetos, muita arte e sobrevivência, ele conta sobre seu processo até aqui e as companhias que o cercam. Confira a conversa na íntegra.

Negrê Conta pra gente a experiência de todo o show; sentir essa energia vibrante do público, mesmo tendo pessoas que criticam mas sempre com um viés. Porém, todo show vem cada vez mais impactante, o público chega mais forte. Como é que é pra ti sentir essa energia tão boa e lidar com essas críticas?

Mateus Fazeno Rock Eu acho que esse lance aí também é muito porque o rock virou uma cultura de branco, né? Aí quando a gente fala dessa forma e mexe mesmo assim, eu meio que desestruturo o rock, assim, o meu conceito é rock, tipo, a gente desestrutura essa fórmula que foi conhecida por ser rock e incomoda mesmo assim, principalmente porque o rock virou uma coisa muito conservadora, né? E aí virou uma coisa que, de fato, não pertence a nós e eu só fui adequando a um imaginário que faz sentido, que tem a ver com nós, com as áreas, com as coisas que eu vivi, com as festas que eu gosto de ir. Um rock que não me deixou distante do meu mundo, que não me deixou isolado. Eu acho que é o rock de favela. A música que eu faço meio que faz isso, me aproxima dessa coisa que eu gostava na infância, mas também me deixa no presente, e isso incomoda muito uma galera por conta disso, como umas falas: “Isso aqui não é rock de verdade”. Mas eu não tô nem um pouco interessado, a gente junta um monte de gente que é preta, que é de favela, que tá disposta a juntar os saberes e montar um show.

Foto: Murilo da Paz.

Negrê Durante a sua trajetória, é perceptível a tua evolução no vocal, no formato de shows e isso se deve muito às pessoas que vem somando contigo nessa caminhada, fala um pouco da família FZNRCK…

M Esse conceito de família acaba que tem muito a ver, porque a equipe foi montada também no esquema de afeto mesmo, a gente é amigo, a gente compartilha vários momentos bons e ruins. A gente também tenta fazer a nossa rotina de trabalho ser sensível no sentido de entender o tempo do outro e tal. Porque, de fato, acho que todo mundo tem a experiência de passar por uns trabalhos que, enfim, cagam o nosso emocional, o nosso psicológico. E eu, de fato, tento fazer que o Fazendo Rock seja esse espaço, tipo, bem positivo e bem agradável, onde a gente realmente se sinta livre, porque se não for, perde o sentido pra mim de estar fazendo música.

Foto: Murilo da Paz.

Negrê – Quais são os próximos lançamentos, vai ter algum clipe novo além de Jesus Ñ Voltará? Conta pra gente…

M A gente tem um clipe gravado de Pose de Malandro que precisa finalizar. Eu queria também pensar alguma parada ainda pra música com a Má Dame, que também acho que é uma música muito foda que não dá pra simplesmente passar batido. E aí tô me organizando pra isso. Acredito que pra esse álbum é isso. Ainda tem o desdobramento, é a faixa Madrugada que a gente já canta nos shows, uma parceria com o Brunoso que eu quero lançar também com o clipe. Mas já tá gravada a música, tá só mixando e etc. Por enquanto, é isso. Eu tenho planos de lançar um outro álbum, mas assim, como eu gosto de organizar as coisas muito bem, acho que demora uns dois anos aí, pelo menos.

Foto: Murilo da Paz.

Negrê – Fala um pouco sobre o processo criativo, nas suas letras você sempre aborda temas, como autoestima, raiva, amor; sempre trazendo versos impactantes na perspectiva de uma pessoa negra e periférica. Como é esse processo?

M Então, eu nem sei como vai ser o futuro, por exemplo, mas esses outros álbuns todos tem a ver com memória. De fato, tem várias histórias minhas, ou saudades, ou pessoas que eu conheci, processos que eu vivi de luto, de dor, de mágoa. E aí eu canto sobre isso, assim. Também tem um pouco de pensar na minha trajetória, naquele momento que eu tô fazendo as músicas. Por isso que, por exemplo, no Rolê nas Ruínas tem o Melô do Djavan, que é exatamente sobre eu tá fazendo aquele álbum praticamente, assim, é tipo, é a música sobre o meu esforço naquele momento. Sobre essas vidas e vindas de ir, acreditar e desacreditar. Então, eu acho que é isso, eu fico pensando meus processos no mundo, minha existência, como eu ajo, e o que eu vou vivendo, e isso vai virando letra e história.

Foto: Murilo da Paz.

Negrê – Quais são os desafios para tentar sair desse ‘indigno love’, desse indigno corre também, para que a gente consiga viver bem, no conforto?

M Os desafios são tão grandes, que tal hora é um novo desafio, parece que não acaba. Antes, eu estava sozinho, tentando me organizar. Agora tem um monte de gente, mas aí a gente passa por violências, a gente, enfim, tem uma série de precariedades, principalmente continuando sendo pobre e sendo de favela, que tem um bagulho de que parece que o tempo é meio injusto assim, né, pra gente, tipo assim, que estão lá no sudeste, que são brancas, já fazendo, alcançando tudo. Você vai se sentindo meio pra trás, né? Por isso que eu tento pensar também sobre essa paciência, porque, tipo, essa cobrança não cabe em nós. É muito ilusório pensar que com 30 anos já deu tudo certo, eu já tenho minha casa própria, meu carro. Eu vou fazer 30 anos ano que vem e eu tô longe disso. Cheguei num lugar que eu pelo menos… a diferença de 2020 para cá é que agora eu consigo pelo menos pagar meu aluguel e ter comida na geladeira. Porque eu já cheguei na situação de não ter comida na geladeira. Então, hoje em dia, a manutenção desse projeto, da minha vida e dessas pessoas, saber que pra ele acontecer precisa que eu esteja comendo e todo mundo esteja comendo, e o dilema de agora, é a manutenção. Daí pra frente vamos tentar construir esses confortos que são roubados de nós, a terra, uma casa própria.

Foto: Murilo da Paz.

Negrê – Manda um recado pras pessoas, pros artistas periféricos que estão na correria independente, a gente sabe que na favela existem muitos outros artistas talentosos…

M Eu acho que paciência é realmente a chave. Tipo, eu trampo com música desde 2012, 2013. Eu vim me organizar pra começar a lançar o álbum em 2018, consegui lançar em 2020, o Rolê nas Ruínas. E só consegui fazer show em 2021 para 2022. Então, tipo assim, de fato, eu em vários momentos desacreditei de tudo, mas eu acho que a gente precisa ser paciente e ser estudioso, organizado, focado mesmo. Entender seu propósito e tentar aprender com a galera que já faz. Eu gosto muito de ver entrevista de outros artistas porque do nada eles dão várias dicas ali de como eles pensaram, até mesmo de coisas emocionais que eles usaram para lidar com momentos difíceis, né? Então, tipo, se você admira um artista, é massa acompanhar pra poder ver o pensamento dele, de repente faz sentido aquilo que ele tá pensando ou aquilo que ele pensou quando ele tava na fase que você tá agora, isso me ajuda muito.

Foto: Murilo da Paz.

*Essa entrevista é uma colaboração de Vinicius Pires, junto da repórter Dhara Amorim.
Vinicius Pires é uma das lideranças do Hip Hop Fortal, jovem negro periférico, agitador cultural nascido e criado no bairro da Sapiranga periferia de Fortaleza (CE), formado em Gestão de Marketing (FGN) e jornalista em formação (UNIFOR). Desde 2016, é articulador cultural, iniciando com produções periféricas no seu próprio bairro e a partir daí se descobriu como um agente da cultura da capital cearense, entusiasta das relações humanas, contador de histórias, comunicador social, curioso, criativo e como diz aqui no Ceará: desenrolado.

Foto de capa: Murilo da Paz.

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