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A maioria dos entregadores de apps são negros, diz pesquisa

Uma das classes trabalhadoras mais precarizadas atualmente é a classe dos entregadores. Com a popularização do uso dos apps de entrega de comida e mantimentos acentuada pela quarentena, entregadores de todo o país estão com saúde ainda mais comprometida e passam por situações diárias de vulnerabilidade à infecção, além da negação de direitos trabalhistas básicos como férias e aposentadoria.

E esses sintomas do subemprego e da vulnerabilidade econômica são mais sentidos pela classe mais pobre, composta, majoritariamente, por pretos e pardos. Uma pesquisa de perfil feita em São Paulo pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) apontou que 71% dos entregadores são pretos e pardos.

75% trabalham até 12 horas diárias e a média de ganhos mensais antes da pandemia era R$ 936 reais, configurando menos do que um salário mínimo. E segundo o site da revista Forbes, apps como Ifood e Rappi registraram crescimento nos cadastros para o cargo e na demanda de pedidos.

A presença de tantos rostos pretos em condições de trabalho informais maçantes apontam para o crescente problema da desigualdade social e do racismo. Com o início da quarentena, milhões de empregos informais foram perdidos e, com o aumento da demanda de serviços de delivery, muitas pessoas viram no cargo de entregador uma boa saída para substituição de cargos informais que já exerciam ou como renda extra.

71% dos entregadores de apps são pardos e pretos (negros), segundo pesquisa. Foto: Divulgação/Pexels.

Em conversa com um entregador de São Luís, no Maranhão, que não quis se identificar, houveram relatos do desrespeito sofrido pela classe de trabalhadores informais. “Em meio à pandemia o trabalho de entregador se tornou uma saída. Antes eu só estudava, agora tenho que me manter. Só nos dão um seguro de acidente que não cobre nenhum prejuízo da tua moto ou bicicleta”, disse.

“Tem quem trabalhe dez, onze horas diárias. Gente que começa às nove e não volta em casa, passa o dia fora”. Em uma nova paralisação no estado de São Paulo na terça-feira, 14 de julho, houveram casos de agressão pela Polícia Militar. Um entregador foi agredido, sufocado e teve sua moto apreendida, como relatado pelo mesmo em vídeo.

Precariedade

Em um contexto econômico onde a população negra se concentra nos empregos informais e de baixa formação exigida, a negação de direitos para certas camadas trabalhadoras é um ataque, além de classista, é racista. Dados de 2016 do extinto Ministério do Trabalho evidenciam que a população negra ainda ocupa cargos exaustivos, como cultivo de frutas, pesca e nos serviços domésticos e de higiene, alguns que sofreram impacto devido à quarentena. Em dados de 2018 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 47% dos empregos informais eram ocupados por pessoas pretas ou pardas.

Abordar informalidade no mercado de trabalho exige abordar escolaridade. Apesar dos dados apontarem um aumento no percentual de pretos e pardos cursando ensino superior, a desigualdade de raça persiste como eco de um sistema que se assenta em pilares racistas.

Vulnerabilidade

As taxas de jovens que não estudam porque trabalham ou estão procurando emprego é de 61,8%, segundo dados de 2019 do IBGE. E com a crise econômica incitada pela pandemia, os dados promissores da maioria de pessoas pretas e pardas nas faculdades corre risco uma vez que esses estudantes agora, muitas vezes, representam a renda temporária de suas famílias.

Por mais que o perfil de idade da classe de entregadores não configure pessoas mais vulneráveis ao coronavírus, estes ainda representam uma boa parte dos trabalhadores infectados. Enquanto 13,8% das pessoas ocupadas apresentaram sintomas indicativos de infecção pela Covid-19, 15,7% dessas eram entregadores de serviços por app, como apontado em artigo do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com o início da pandemia, evidenciou-se que os serviços estatais não estão preparados para aparar uma crise, e com o afrouxamento da quarentena e a falta de cumprimento das leis de afastamento social, a população mais pobre, mais preta e mais parda fica à mercê da infecção. Trabalhadores informais, muitas vezes, se veem sem renda suficiente, sem amparo de direitos e de suas empresas. Sem garantia de manter sua própria saúde, expostos aos próprios cuidados.

Um novo que não vem para mudar

A uberização do trabalho vem para deitar uma camada de suposta legalidade para condições insalubres e precárias sofridas por pessoas mais pobres. Em direção oposta ao discurso de liberdade e flexibilidade, esconde-se um neo-proletariado, em sua maioria preto e pardo, em condições já clássicas de superexploração. Pessoas que já conhecem o suor na testa e a exaustão do fim do dia, mas agora por menos renda.

Alvos de um sistema genocida, dentro e fora de suas leis. A greve dos entregadores representa outra luta da população pobre e preta brasileira, que continua tendo seus direitos negados e suas necessidades negligenciadas. É uma greve composta de braços e mãos que já conhecem o peso de suas obrigações, que já conhece a subjugação de um sistema cada vez mais individualista. E o apoio a luta dessa camada representa a união necessária para que nenhum preto sinta sua voz silenciada novamente.

Foto de capa: Divulgação/Pexels.

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