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Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha: mais de 500 anos de luta

Entenda a origem e a importância do 25 de julho na luta das mulheres negras do continente latino-americano e das ilhas do Caribe

A história da América Latina é uma história de violências múltiplas do empreendimento colonial. É também uma história de resistência, de articulação política e de luta por sobrevivência e autodeterminação. O continente latino-americano é o produto último de todo esse processo. Como disse o Prof. Silvio Almeida recentemente, “a América Latina é resultado de uma luta ferrenha para tomar as rédeas do próprio destino”.

Toda colonização é violenta. Todo processo de conquista pressupõe derramamento de sangue, abuso, exploração. Historicamente, toda colonização também produziu novos mundos, fundando e alimentando estruturas sociais de subjugação, de concentração de riquezas e de exploração social da maioria. Nesse sentido, tendo sido a América Latina inteira o locus de um tipo de colonização ligada à exploração de recursos e pessoas, os mundos nela produzidos pela violência colonizadora guardam, entre si, muitas semelhanças.

Um passado presente

O resultado dos 400 anos de colonialismo e escravização, legalizada e pautada por critérios raciais, é um mundo que coloca as pessoas negras no lugar de maior vulnerabilidade social. Dentro desse universo, as mulheres negras constituem o grupo mais vulnerável. Segundo o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil (2013), são elas que apresentam os menores índices de escolaridade; que recebem os menores salários, mesmo tendo a jornada de trabalho mais extensa; que apresentam alto grau de informalidade empregatícia; entre elas encontramos o maior percentual de chefia em famílias monoparentais; a lista segue quase que indefinidamente.

O Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil revelou que o número de mulheres negras mortas violentamente subiu 54,2%, entre os anos de 2003 e 2013. Nesse mesmo período, o número de mulheres brancas assassinadas caiu 9,8%. Isso significa, segundo destaque do próprio documento, que “morreram assassinadas, proporcionalmente ao tamanho das respectivas populações, 66,7% mais meninas e mulheres negras do que brancas”.

Essa revoltante realidade é replicada em toda a extensão do território latino-americano. É ela própria um indício da relação de causalidade entre a violência da colonização e a criação de uma sociedade cotidianamente violenta. Mulheres negras na América Latina e no Caribe partilham uma realidade socioeconômica muito parecida, independentemente de onde vivem.

Quando se trata da articulação política para vencer a desigualdade: outras barreiras. As mulheres negras seguem sendo sistematicamente excluídas de posições de chefia no mercado de trabalho, sub-representadas nos meios de comunicação, praticamente ausentes na política institucional. Por vezes, mesmo os movimentos feministas de seus países se mostram incapazes de oferecer um espaço de efetiva representação a essas mulheres. Outra clara evidência da desigualdade entre mulheres brancas e negras.

Foto: Thaís Mallon/Divulgação.

25 de julho: uma luta coletiva

Foi percebendo essas semelhanças e buscando transpor essas barreiras que movimentos de mulheres negras espalhados pela América Latina e pelo Caribe decidiram se reunir. Há 28 anos, foi organizado o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas. Realizado em julho de 1992, em Santo Domingo (República Dominicana), o evento possibilitou a aproximação de mulheres negras de diversos países para a discussão de temas e estratégias de luta em proporções transnacionais.

Assim, o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, 25 de julho, foi instituído durante o encontro e reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) ainda no mesmo ano. A data marca a efetiva organização de mulheres negras por todo o continente, no sentido de construir e conduzir, coletivamente, o debate e as estratégias políticas de luta em torno da especificidade de suas pautas.

Situadas no entrecruzamento de diversas formas de opressão (gênero, raça, classe e origem), as mulheres negras da América Latina não se viam devidamente contempladas nem no movimento negro nem no movimento feminista. A falsa homogeneidade com que esses movimentos se percebiam excluía de suas pautas as demandas dessas mulheres. A auto-organização foi, nesse sentido, a maneira pela qual essas mulheres poderiam se fazer representadas no seio de suas lutas.

Portanto, dia 25 de julho é um dia de celebração, sim, mas sobretudo de denúncia. Trata-se de pôr em evidência as contribuições políticas e intelectuais, econômicas e socioculturais das mulheres negras hoje e também no processo histórico de construção dos países e do continente latino-americano. É também um dia para refletir estratégias de luta para os problemas que ainda atravessam a realidade de mulheres negras no Continente e no Caribe. É, enfim, um dia para lembrar que sim, caminhamos bastante aqui, mas ainda temos muito caminho e muita luta até chegar onde merecemos.

Foto de capa: Thaís Mallon/Divulgação.

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