O futebol é palco de espetáculos. Para os que amam, é força-motriz. Para os que não gostam, não é nada demais. Para os que entendem, sabem que a contribuição vai muito além da seara esportiva. Mas tem muita gente que fecha os olhos para o lado social e de luta desse esporte.
Nesta terça-feira, 8, era mais um dia de jogos da Liga dos Campeões da Europa, principal competição de clubes do continente. Mais um dia de gramado cheio e arquibancadas vazias, consequência das restrições trazidas pela pandemia de Covid-19. Na última rodada da fase de grupos, Paris Saint-Germain e Istanbul Basaksehir jogaram apenas 14 minutos.
Naquele momento, o camaronês Pierre Webo, ex-jogador e membro da comissão técnica do time turco, denunciou que o 4º árbitro, Sebastian Colţescu, proferiu ofensas racistas contra ele. O árbitro da partida expulsou Webo, tentou dispersar os jogadores, mas o jogo continuou paralisado.
O jogador franco-senegalês, Demba Ba, então, ficou cara a cara com Coltescu e o questionou: “Quando você fala de um homem branco, você nunca diz ‘esse cara branco’, diz ‘esse cara’. Por que quando fala de um homem negro, você tem que dizer ‘esse cara negro’?“.
A partir disso, os próprios jogadores do PSG, incluindo os brasileiros Neymar e Marquinhos, negros, se reuniram e também se mostraram indignados com a situação. Neymar e o francês Kylian Mbappé chegaram a dizer que só voltariam a jogar se Coltescu saísse do local.
Depois de quase cinco minutos de paralisação e completa passividade da comissão de arbitragem, os jogadores do Istanbul decidiram se retirar do campo, sendo seguidos pela equipe de Paris. A Uefa determinou que a partida fosse retomada, mas boa parte dos atletas se recusou. O jogo ainda será realizado na quarta-feira, 9.
Dentre os muitos pontos que podem ser ressaltados dessa situação, está o apoio dado a Pierre Webo pelos colegas de equipe e de profissão. Nenhuma partida de futebol já foi suspensa antes, com jogadores saindo voluntariamente de campo, por esse motivo, muito menos em uma competição dessa magnitude. O ato foi histórico e abre o precedente mais do que justo de que isso deve acontecer, sim, afinal, calar-se diante do racismo é ser conivente com ele.
Outro ponto a que devemos ficar atentos e atentas é: as vítimas continuam sendo punidas. Mesmo frente ao discurso do SayNoToRacism (que, como tudo que está em alta, virou hashtag), a Uefa ainda tem um posicionamento de colocar “panos mornos” nesses casos e, normalmente, quem sofre e reclama é expulso, mas quem comete os atos preconceituosos nem sempre tem o castigo que merece. A instituição definiu três passos para a punição, quando as ofensas racistas fossem proferidas pela torcida: 1) parar o jogo e usar o sistema de som do estádio para explicar o motivo; 2) se os insultos continuassem, parar novamente a partida e mandar os jogadores para os vestiários; 3) em caso de insistência, cancelar o jogo.
Alguns casos passados
Quem acompanha o esporte sabe, no entanto, que as coisas não funcionam muito bem. Bulgária x Inglaterra, 14 de outubro de 2019, Eliminatórias da Eurocopa. Torcedores búlgaros fizeram saudações nazistas e entoaram gritos racistas durante boa parte do duelo. A punição? Um jogo de portões fechados e multa de 75 mil euros. Nada de exclusão da competição.
Inter de Milão x Napoli, Campeonato Italiano, 26 de dezembro de 2018. Depois de gritos e gestos racistas contra o senegalês Kalidou Koulibaly, jogador do Napoli, proferidos por pessoas da torcida dos donos da casa, a Inter foi punida apenas com dois jogos sem torcedores, decisão da Liga Italiana de Futebol. Naquela ocasião, a Uefa afirmou que o protocolo contra racismo foi ignorado, mas nenhuma punição mais dura foi dada.
Em resposta ao ocorrido com Pierre Webo, a Uefa afirmou que irá “conduzir uma investigação rigorosa”.
Com tudo isso, podemos constatar o que já sabemos: discursos, quando não acompanhados de ações efetivas, são apenas discursos. Contra o racismo, falas ou atitudes rasas e vazias de significado não funcionam. Isso serve apenas para que as lideranças brancas se sintam bem, do alto de seu privilégio, como se estivessem fazendo o suficiente. Mas não estão.
Independentemente da nossa profissão, do local onde moramos ou de que posição social ocupamos, o racismo sempre vai estar ali, rondando nossa existência. Para muitos, esse assunto é cansativo, mas imagina só se eles tivessem as nossas vivências?
Foto de capa: AFP/Getty Images.
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Jornalista graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Editora-adjunta do Site Negrê e autora do livro-reportagem “Passa a Bola pra Elas” (2021). Apaixonada por basquete, automobilismo e futebol; produz conteúdos sobre a vivência de atletas negros e negras no esporte.
